Karl
Marx começa seu livro “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” com uma celebre frase: “Em
alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos
os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas
vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda
como farsa.” (MARX, 2011, p. 25).
O
significado da frase não é uma regra de repetição dos fatos históricos, mas sim
que como na sequência Marx cunha que a história é feita pelos homens não do
modo como eles querem, mas sim do modo pelo qual as condições históricas dadas
refletem nas suas ações. Dito isso, a repetição falada é que a não solução de
contradições históricas, faz com que se repitam as mesmas condições históricas,
o surgimento de Luís Bonaparte como líder da França após um golpe de Estado,
guarda assim semelhanças grandes com o golpe que colocou seu suposto tio no
poder francês.
Dito
tudo isso, os ataques terroristas em Paris na noite do dia 13 de novembro, ameaçam
empurrar novamente um país para o atoleiro sem fim que se tornou a Síria. Mas
guardando-se as devidas situações, lembram bastante o pretexto que jogou a
Europa dentro da primeira guerra mundial, e como tal torna-se uma questão
central para toda a esquerda anticapitalista, tal qual foi a primeira guerra
mundial para os socialdemocratas, anarquistas e comunistas.
Os
dilemas representados pelo desordem síria são grandes, o conflito civil na Síria
ameaça empurrar as principais potências mundiais para uma ofensiva de guerra
todas no mesmo campo, mas com aliados diferentes – a Rússia com Bashar
Al-Assad, e França, Estados Unidos e Inglaterra com forças rebeldes que lutam
contra Assad, para completar há ainda as forças curdas próximas ao anarquismo,
que lutam de modo autônomo – contra um inimigo em comum, o Estado Islâmico, mas
que no frigir dos ovos não consegue ser um denominador em comum para congregar
os diversos atores no campo de batalha.
O
resultado será um claro impasse, que ameaça jogar o mundo em um banho de sangue
que faria com que os bárbaros atentados da última sexta parecerem meros efeitos
colaterais. Ou seja, um conflito direto entre as maiores potências nucleares do
planeta que poderia empurrar o mundo para novamente uma guerra mundial.
Nesse
ponto a esquerda encontra-se novamente dividida, sem compreender muito bem
todas as possibilidades impostas, por um lado, há comunistas que em nome da “autodeterminação”
dos povos defende a continuidade de Bashar Al Assad no comando do país com o
apoio russo, por trás desse argumento há que a população síria em sua maioria
apoiaria Assad. Por sua vez, parte dos trotskistas (principalmente ligados à
LIT) que defendem que as potências ocidentais armem os rebeldes sírios para
promover uma revolução socialista no país. Por fim há os anarquistas que
defendem que os curdos devem continuar sua luta autodeterminante contra o
Estado Islâmico e contra as forças do governo.
A
barbárie que o Estado Islâmico representa é algo tão perigoso quanto a barbárie
de uma guerra mundial, o EI retoma em seus preceitos uma visão reacionária do
credo islâmico, que se assemelha em muito à ideologias fascistas do século XX,
pode-se pensar que o conjunto de normas que o EI tenta impor ao mundo são o
fruto mais bem acabado de uma ideologia regressiva, desenvolvida em países de
constituição burguesa e capitalista hipertardia, que criou esse conjunto de
ideias reacionárias como um princípio nacionalista, mas que se propõem universal,
haja visto que sua imposição é colocada por seus defensores tal qual o
liberalismo capitalista é colocado como ideal em seus países pelas potências
imperialistas.
A
esquerda já viveu o mesmo dilema, na emergência da Primeira Guerra mundial,
quando os socialdemocratas optaram por defender a guerra, dividir o movimento
trabalhista e afastar de vez a perspectiva revolucionária de seus já
reformistas programas. A defesa de posições erradas pode sim significar um novo
banho de sangue com as consequências mais nefastas possíveis, haja em vista a
possibilidade de emergência de grupos fascistas contra os imigrantes na Europa.
Não ajuda em nada não fazer as mediações em determinados momentos e ficarem
criando uma balança valorativa de tragédias internacionais versus tragédias
nacionais. A humanidade como um todo falhou em Mariana e em Paris, nosso papel
enquanto esquerda é mostrar as linhas que ligam o desastre em Minas Gerais e
Espírito Santo, com os ataques terroristas de Paris, e caso paremos para
pensar, essas linhas são enormes.
Como
Marx disse: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de
livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias
sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se
encontram.” (MARX, 2011, p.25). Dentre essas condições históricas, transmitidas
pelo passado, estão os erros cometidos, um dos nossos papéis enquanto sujeitos
históricos é aprender com o passado, para justamente evitar que a farsa se repita
em relação à tragédia. A concretização disso, caso se coloque, revela novamente
nossa falência enquanto humanidade.
MARX, Karl. O 18 Brumáro de Luís Bonaparte.
Tradução Nélio Scheneider. São Paulo: Boitempo, 2011.
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