domingo, 25 de outubro de 2015

Educação fast food


Charge de Vitor Teixeira sobre o Feminismo Radical


A transformação da educação em uma mercadoria (um traço marcante da disseminação da ideologia “neoliberal” na nossa sociedade), fez com que o vestibular virasse uma prova de aptidão vazia de conteúdo, tal qual a lei da selva, é o mais forte que sobrevive, no caso, quem decora mais os conteúdos cada vez mais pasteurizados que são repassados ao aluno pelos professores mais performáticos.

A essência da educação é assim quebrada, de parte importante da transmissão de valores, a “commoditie” educação vira algo passível de ser mensurado. Não se cobra o quanto o aluno compreende sobre seu entorno, absorvendo os valores repassados à ele por exemplo nas aulas de humanidades. Cobra-se as datas da Revolução Francesa, por exemplo, seus “períodos” e não o peso que algo como o Jacobinismo teve na formação dos Direitos Fundamentais da humanidade, e nem como o mesmo ainda hoje continua a gerar lutas.
           
A educação como mercadoria é assim, cria seres humanos vazios de conteúdo, tal como um fast food apenas nos enche momentaneamente, não se leva à uma formação completa do indivíduo. As escolas particulares, nesse quesito, pouco ensinam algo mais profundo do que as escolas públicas – com todos os seus inúmeros problemas – e a ensino assim, gera essa montanha de analfabetos políticos que reproduz as asneiras vistas na internet e sobretudo em alguns veículos de notícias mais tendenciosos.
           
Causa estranhamento assim, os conteúdos bem politizados, e reflexivos que a prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, trouxe no ano de 2015. Tudo certo que faz uns anos, que a prova cobra de certa maneira conteúdos mais “humanos” e reflexivos. O tema da redação em 2014 por exemplo trouxe os dilemas éticos da publicidade infantil, algo complexo, afinal o cérebro da criança ainda em formação é impactado de maneira muito grande, principalmente nas áreas de certo e errado, gerando problemas mais para a frente, e estimulando tanto o consumo de brinquedos, como de alimentos processados industrialmente, contribuindo sobremaneira para a epidemia de obesidade infantil que observamos no Brasil.
           
Ou seja, foi apontado aqui, apenas dois conteúdos críticos, das dezenas que poderia ser extraído desse tema para a prova. É algo de certa maneira surpreendente e que vai na contramão da tendência. Algo no qual o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira inovou ainda mais esse ano, cobrando como mote de redação a violência contra a mulher. O assunto em questão surge em uma semana conturbada para as mulheres. Foi uma semana na qual o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, passou na Comissão de Constituição e Justiça da Casa Legislativa, um Projeto de Lei que dificulta o atendimento das vítimas de estupro por parte do Sistema Único de Saúde, e mais, piora o acesso à pílula do dia seguinte, sob a justificativa de que seria um método abortivo.
           
Fora esse tema nas “páginas políticas” do noticiário, há os temas das “páginas policiais”, a cada 12 segundos, uma mulher sofre violência no Brasil[1]. Esse ano teve como fatos bem impactantes, a jovem do Rio Grande do Sul que teve suas mãos e pés decepados pelo facínora de seu ex-companheiro após o termino do relacionamento.[2] O número de casos é tão grande nesse ponto, que caberia um texto inteiro de inúmeras páginas para registrar o ocorrido de um ano inteiro. Há ainda milhares de mulheres que morrem devido às consequências de abortos clandestinos. E para ficar em um exemplo ainda mais grotesco, essa semana, uma adolescente de 12 anos, que participava do realit show Master Cheff, foi vítima de pedófilos, que despejaram nas redes sociais, mensagens de que “pegariam” a garota, por conta de sua beleza[3].
           
É um tema atualíssimo em qualquer semana no Brasil, porque o machismo está presente na nossa sociedade, se reproduz todos os dias, atinge mesmo pessoas esclarecidas como progressistas, comunistas, socialistas e anarquistas, e precisa por conta disso ser combatido de todas as maneiras possíveis. O assunto da redação do Enem é escolhido com meses de antecedência, as notícias dessa semana, portanto, pouco influenciaram, mas causa alento, que ocorra nessa semana tão difícil paras as mulheres.

Uma questão de redação por si só não é uma revolução, quando vem em dias tão difíceis, torna mais palatável o dia a dia, até porque pode fazer com que inúmeros machistas não entrem nas faculdades públicas, evitando que no próximo ano ocorram trotes machistas durante a recepção das calouras.

Mas não podemos nunca esquecer, que como a educação se tornou mercadoria, os machistas podem aprender a decorar ela, sem que, no entanto, eles acreditem no conteúdo que colocaram nas redações ou questões de humanidade. A boçalidade não possuí limites e a luta contra o machismo, o racismo e a homofobia/lesbofobia/transfobia é algo que deve ser feita todos os dias, e no qual a educação terá sim um papel fundamental na transformação das futuras gerações. Basta que com isso, ela também sofra a mesma revolução comportamental que a sociedade precisa, ou seja, deixar de ser tão mercadorizada.


[1]“De janeiro a junho, o Ligue 180 realizou 265.351 atendimentos. Destes, 30.625 foram denúncias de violência, sendo a mais recorrente a física, com 15.541 casos; seguida pela violência psicológica (9.849 relatos); moral (3.055 relatos); sexual (886 relatos) e pela violência patrimonial (634 relatos), entendida como qualquer conduta que configure retenção, destruição parcial ou total de objetos, de instrumentos de trabalho, documentos, bens, valores ou recursos econômicos destinados às necessidades da mulher (artigo 7º da Lei nº 11.340/2006).
Outro dado preocupante é que quase 70% dos casos de violência sexual, o equivalente a 601 relatos, foram estupros e 166 denúncias de exploração sexual. Já os registros de cárcere privado chegaram a três denúncias por dia. Apesar de não estar entre as mais reladas, a violência sexual chamou a atenção por registrar pelo menos cinco casos diariamente, cifra considerada expressiva.
O levantamento também revela que 77,16% das mulheres em situação de violência sofrem agressões todos os dias ou semanalmente;9,57% disseram sofrer agressão algumas vezes no decorrer do mês e 5,68% denunciaram ter sido agredida uma vez.
A relação entre vítima e agressor, na maior parte dos casos, é a mais próxima possível. O balanço aponta que 82,82% das mulheres sofreram agressões pelas mãos de homens com quem mantinham relações afetivas; 11,20% por parte de algum familiar; 5,66% foram agredidas por pessoas com quem mantinham relações externas; e 0,33% das agressões foram oriundas de relações homoafetivas.”
Fonte: Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br/node/29856 , acessado em 25 de outubro de 2015.

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