sábado, 13 de novembro de 2010

Sobre o blog

Não estou com preguiça, não!
Não escrevo para o Blog há tempos por que todas minhas energias estão em escrever o TCC, talvez quando ele estiver pronto até poste aqui, mas acho que não perderei esse hábito de colocar textos que eu considere relevante por aqui, se a internet é esta ferramenta de divulgação de idéias, que ela seja usada assim!

Choque de ordem contra a cultura popular

Choque de ordem contra a cultura popular

Prefeitura do Rio de Janeiro fortalece o controle sobre as manifestações populares

09/11/2010

Ana Lucia Vaz
do Rio de Janeiro (RJ)

Para fazer um espetáculo teatral gratuito em praça pública, no Rio de Janeiro (RJ), o artista precisa dar entrada num pedido de “nada a opor”, na Secretaria Municipal de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência. Já os blocos de carnaval de rua tiveram até o dia 24 de setembro deste ano para pedir a “autorização” da Prefeitura para desfilar no feriado de 2011. É o choque de ordem na cultura popular carioca.
Atores e coordenadores de blocos afirmam que as normas da Prefeitura são inconstitucionais. “Não é concebível que o prefeito [Eduardo Paes (PMDB)] diga quem pode e quem não pode fazer cultura de graça, na rua, para o povo!”, protesta Luis Otávio Almeida, coordenador do Cordão do Boi Tolo e membro da Desliga de Blocos. No dia 19 de setembro, a Desliga promoveu sua segunda Bloqueata, um carnaval-protesto contra o decreto municipal.
Pouco antes, no dia 23 de agosto, os artistas de teatro e circo de rua fizeram manifestação artística na Cinelândia, também em nome da liberdade de expressão. No manifesto, os artistas protestavam contra “a injustiça que a Prefeitura do Rio vem cometendo [...], proibindo os espetáculos de Teatro de Rua e Circo, gratuitos, nas praças públicas”.
A prática dos artistas de rua sempre foi informar à região administrativa onde o evento aconteceria. Também os blocos avisam à região administrativa e à polícia. Em 2009, a Prefeitura decretou que os blocos devem aguardar sua “autorização”. Já os artistas teatrais dependem da Secretaria de Ordem Pública.
Segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Como, então, uma prefeitura pode autorizar ou proibir tais manifestações?
Sobre o carnaval, o prefeito decretou: “Os representantes das bandas e blocos carnavalescos deverão protocolar os pedidos de autorização”. Os documentos exigidos vão do CPF do responsável pelo bloco à comprovação de que já informaram diversas instâncias do governo. O decreto ainda ameaça: “O não cumprimento das normas [...] implicará no indeferimento do pedido para o carnaval do ano subseqüente”.
Se resolver desfilar sem autorização, o que acontece? O Cordão do Boi Tolo já ignorou o decreto de 2009. Aliás, problema com a polícia, no carnaval, não é exatamente uma novidade. É quase uma brincadeira. Jorge Sapia, coordenador do bloco “Meu Bem Volto Já”, aposta que não tem como proibir os blocos que não se registrarem. “A lógica do carnaval é exatamente driblar a lógica oficial. O movimento de gato e rato com a polícia”, afirma.
Difícil reprimir um bloco. Mas, segundo Luis Otávio, acontecem repressões pontuais, a pequenos grupos, dependendo da decisão dos policiais de plantão.
A situação do teatro de rua é semelhante. Depende da sorte. Muitas vezes, mesmo considerando inconstitucional, o grupo obedece à exigência da Prefeitura porque “é muito desagradável você chegar na praça e a polícia não te deixar trabalhar”, explica Richard Riguetti, um dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
Ele pretende registrar denúncia contra a Prefeitura no Ministério Público, por impedir a apresentação de seu grupo, o Off-Sina, em Campo Grande. O espetáculo “Nego Beijo” foi reprimido por “15 homens do choque de ordem”, apesar de ter autorização da Secretaria Municipal de Cultura e o “nada a opor” da Sub-Prefeitura de Campo Grande.

Limpeza das ruas
O protesto do teatro de rua, no dia 23 de agosto, aconteceu em várias cidades do Brasil. A experiência com a repressão policial e a privatização do espaço público que restringe a liberdade de expressão do teatro popular tem se generalizado pelo país. Em São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), o artista que quer levar sua arte gratuitamente ao povo tem que pagar um alvará à Prefeitura.
Na capital mineira, a Praça da República, onde fica o palácio do Governo e a Câmara Legislativa, foi adotada pela empresa Vale. Se quiser se apresentar lá, além de pagar alvará à administração municipal, o artista tem que pedir autorização à empresa. Em algumas praças, o teatro de rua está proibido. “É a privatização do espaço público”, denuncia Herculano Dias, do grupo Tá na Rua.
Richard Riguetti elogia a política de cultura do governo federal que, segundo ele, desenvolveu um verdadeiro plano de ação para estimular a produção artística e cultural do povo, através do Plano Nacional de Cultura e dos pontos de cultura.
Mas há uma contradição entre a política nacional e a prática local, nas cidades. Para Amir Haddad, do grupo Tá na Rua, a onda progressista de Brasília não chega “embaixo”. “A gente tem um governo federal progressista. No entanto, as políticas públicas de educação, de segurança... todas elas têm um ar fascista de controle”, dispara.
Segundo Haddad, ainda resiste uma idéia de Estado mínimo. Mas ele é “mínimo nas políticas públicas das áreas sociais e culturais” e, ao mesmo tempo, “poderoso, totalitário, nas áreas do controle da liberdade individual e das possibilidades de manifestação do cidadão”.
É “a ordem da gaveta vazia”. Não tem política de cultura, nem de educação. Só tem política de controle. “Isso é muito assustador”, completa.
Criador do grupo de teatro “Tá na Rua”, que desde 1980 atua nas ruas usando o teatro como espaço de expressão e transformação popular, Haddad vê nessa tendência fascista reflexos da crise da civilização ocidental. Para ele, o desejo de controle cresce na proporção em que definham os valores civilizatórios: “Existe uma coisa que é pior que o fascismo dos partidos políticos. É o fascismo dentro das pessoas. Uma paranóia que leva as pessoas a se defenderem de qualquer ataque, a tentar se garantir com segurança por todo lado, afirmar uma única verdade, não ter contato com a diferença”.
Nas cidades onde há administrações comprometidas com algum nível de participação popular, a tendência é de democratização do debate sobre políticas culturais. Durante as administrações petistas de Luiza Erundina e Marta Suplicy, São Paulo aprovou leis regulamentando uma política cultural que especifica valores a serem investidos, assim como conselhos e critérios para distribuição. Niterói (RJ) elegeu, recentemente, seu conselho de cultura, seguindo as orientações do Plano Nacional de Cultura.
Já no Rio de Janeiro, todas as ações da Prefeitura são no sentido de centralizar as decisões sobre cultura. Mais precisamente, as decisões sobre financiamentos. A administração municipal compra grandes espetáculos e patrocina grandes produções comerciais e chama a isso de política cultural. Para a cultura produzida pelo povo, só aparecem ações de controle e repressão.

O caos criativo
“Quem não consegue viver um minuto de desordem, jamais conseguirá descobrir uma nova ordem”, professa Haddad que, durante a ditadura, foi buscar o teatro de rua como forma de sobrevivência à repressão. “Eu sou uma contradição do governo [de Emílio Garrastazu] Médici [1969-1974] que, sem querer, nos jogou nesse lugar maravilhoso de salvação fora das áreas de poder, na periferia, nas praças, nas ruas”, diz.
Nos anos 80, como Augusto Boal, como os blocos de carnaval, como os movimentos populares, o Tá na Rua surgiu para ocupar os espaços públicos. “Nos anos 80, a gente trabalhava no presente em busca de um outro futuro”, lembra.
E hoje o que mantém este teatro? “A gente se apóia no conteúdo político da liberdade de expressão. Trabalha com as contradições, com as opressões. O espetáculo é a forma de organização mais perfeita das relações entre o particular e o coletivo. O espetáculo traz esse sabor de utopia. Trabalhando na rua, você atinge esse lugar. E proporciona a todos a experiência de viver, por alguns instantes, a utopia. Nós acreditamos que viver isso dá ânimo para a pessoa viver mais dez anos com esperança, acreditando que é possível mudar o mundo”, explica Haddad.
Fonte: Brasil de Fato

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Democracia 2.0

01 de Outubro de 2010
COMUNICAÇÃO E POLÍTICA
Democracia 2.0
Este ano, falou-se muito que uma ou outra campanha contratou “o marketeiro do Obama”. Pelo jeito, os políticos brasileiros chamaram a equipe inteira, do diretor ao estagiário, mas não adiantou. Se o upgrade da democracia brasileira para a versão 2.0 deu “pau”, não foi por falta de dinheiro gasto com marketing digital
por Denis Russo Burgierman

Você ouviu falar: em 2008, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente da era digital, ao vencer uma eleição cuja estratégia estava fortemente baseada na internet. Obama começou a corrida como minoritário dentro de seu próprio partido. Relegado na disputa por financiadores, diante da proximidade de sua adversária democrata, Hillary Clinton, com setores riquíssimos, como os bancos e a indústria farmacêutica, parecia destinado a um papel coadjuvante. Acabou vencendo Hillary e ganhando impulso para massacrar o candidato republicano, que não viu o que o atingiu.
Claro que a campanha de Obama não aconteceu exclusivamente na internet. Seu sorriso luminoso apareceu fartamente na televisão, e seu nome foi impresso em cores patrióticas em outdoors, adesivos e bandeiras tremulantes. Mas foi pela internet que grupos de apoiadores autônomos se articularam para criar estratégias locais. Em alguns estados americanos, as eleições primárias são decididas não por votos secretos, mas por debates verbais abertos – nesses estados, os apoiadores de Obama superaram os de Clinton com imensa folga. Estavam muito mais engajados, preparados e ativos. A internet também foi fundamental para a guerra de informação travada na campanha. E, claro, graças a ela, a campanha de Obama conseguiu o feito inédito de convencer três milhões de pessoas a doar um total de meio bilhão de dólares. Doar para a campanha não era mais complicado que comprar um livro pela Amazon.com (na verdade, era mais simples).
Na época, não faltaram análises de que a natureza da política tinha mudado para sempre. De que uma “democracia 2.0” estava sendo instalada no sistema operacional do globo, mais sustentada no engajamento cívico que em lobbies obscuros. Diante disso, a importância da internet nas eleições presidenciais brasileiras, que se realizaram no começo de outubro, pareceu um tanto frustrante.
Verdade que todo mundo se divertiu com os vídeos de Tiririca e com as cenas na qual Serra “confessa” comer todo mundo. Os candidatos (ou seus dedicados assessores) “tuitaram” e até criaram redes sociais à moda da que Obama fez. Marina Silva, a mais internética dos presidenciáveis, chegou a enfatizar a relevância de doações online (recebeu um total de R$ 125.965,30 até o dia 21 de setembro, algo como 3 mil vezes menos que Obama). As frases espirituosas de Plínio viraram hits de microblog. Mas, de substantivo mesmo, de concreto, que diferença a internet fez para a democracia brasileira?
Definitivamente, não dá para dizer que o que aconteceu nos Estados Unidos dois anos atrás não tenha influenciado em nada no processo eleitoral brasileiro. Este ano, li repetidamente a notícia de que uma ou outra campanha contratou “o marketeiro do Obama”. Afinal, quantos marketeiros tinha o Obama? Os políticos brasileiros, pelo jeito, contrataram a equipe inteira, do diretor ao estagiário. Se o upgrade da democracia brasileira para a versão 2.0 deu “pau”, não foi por falta de dinheiro gasto com empresas de marketing político digital.
Foi assim que o episódio Obama chegou ao Brasil: como um case de marketing. Uma campanha bem-sucedida a ser copiada, assim como as empresas brasileiras copiam muito do que faz sucesso no mercado americano. É disso que se falou.
O que mereceu bem menos atenção, aqui pelas nossas praias ensolaradas, foram as ideias por trás do marketing. Faltou dizer que o que Obama fez foi bem mais que um gasto inovador com o planejamento de mídias de sua campanha. Obama pensou de uma maneira nova sobre a relação entre eleitores e políticos. E o mais interessante é que ele não fez isso apenas na campanha eleitoral. Após ser eleito, enviou sinais ao país de que queria manter, como presidente, essa proposta. Mudar a relação entre eleitores e políticos é importante, claro. Mas muito mais importante é a relação entre governo e cidadãos. A conversa não pode acontecer apenas uma vez a cada quatro anos.
MyObama
A plataforma digital sobre a qual a campanha obamista nas eleições se sustentou era um site de comunidades bastante simples, mas que trazia em si uma lógica nova na política, que pouco tempo antes seria impensável. Tratava-se do MyObama, MyBO para os íntimos, uma criação de um menino inteligente, tímido e gay, chamado Chris Hughes. Chris tinha 24 anos, mas seu currículo já era razoável. Anos antes, ainda na faculdade, ele foi um dos cinco garotos que começaram uma empresinha de fundo de quintal. Talvez você já tenha ouvido falar dela: chama-se Facebook.
O MyBO não era uma tubulação vertical, despejando conteúdo centralmente produzido para a massa ignara lá fora. Ele era – assim como o Facebook – uma rede. Uma rede na qual qualquer usuário – fosse o nome dele Barack Obama ou José da Silva – era um nodo numa teia de conexões. Não havia um centro no MyBO, cada pessoa era uma pessoa e podia se conectar com qualquer outra. Todas produziam conteúdo. Por exemplo, meninos espertos das boas faculdades escreviam de graça para desmentir com pesquisa boatos mentirosos espalhados pela direita raivosa dos EUA.
No MyBO, cada usuário podia ganhar pontos se realizasse tarefas. A maioria das tarefas era bastante simples. Por exemplo, o voluntário encontrava no site uma lista de números de telefones na sua região e tinha de ligar e tentar convencer as pessoas a votar em Obama. Algumas tarefas eram bem mais complexas: organizar eventos para arrecadar dinheiro, para citar uma. Os pontos eram distribuídos de acordo com a quantidade de trabalho envolvido.
Do ponto de vista financeiro, os pontos valiam tanto quanto um tostão furado. Mas, na lógica da comunidade, valiam bastante. Pessoas com mais pontos e mais conexões eram valorizadas e tinham mais facilidade de se conectar e, consequentemente, acumular mais pontos. Pode parecer bobagem, mas essa diversão de colecionar pontos é imensamente poderosa sobre nossos sistemas cerebrais de recompensa, moldados pela evolução (os mesmos que nos convencem a trabalhar demais para acumular mais dinheiro do que precisamos). O fato de as pessoas se sentirem participantes as deixava felizes e aumentava sua vontade de participar, o que, por sua vez, aumentava o senso de participação, e assim por diante.
Isso decidiu a eleição? Não tem como fazer esta afirmação. Eleições são resultados grosseiros de processos imensamente complexos, que abrangem decisões subjetivas de cada um dos milhões de cidadãos do país. Muita coisa influencia num resultado, e é bom não subestimar o peso do charme, da lábia e da inteligência do candidato e das qualidades absolutamente opostas de seu antecessor. Mas a rede de Hughes certamente criou condições para que grupos de eleitores se articulassem sem relação hierárquica com o comando da campanha, inovando, experimentando, trocando melhores práticas. Esses experimentos foram fundamentais, em vários estados, nas primárias contra Hillary. E essas vitórias iniciais, que provavelmente só foram possíveis graças ao MyBO, criaram uma onda de empolgação. Quando o republicano John McCain ficou em pé ao lado de um Obama energizado por essa onda, ele parecia uma relíquia de um século distante.
Quando a eleição passou, o MyBO não foi dissolvido. Continuou existindo, mas ganhou um design um pouquinho mais formal e um nome mais pomposo: Organizing for America (Organizando pela América). Apesar da diferença no layout, o site permaneceu o mesmo: uma rede simples de pessoas que gostam de Obama, conectadas horizontalmente, premiadas com pontos pela participação. Só que, em vez de eleger Obama, o objetivo da comunidade virtual passou a ser ajudá-lo a governar.
Em alguns momentos, essa ajuda se dá de forma muito parecida com as estratégias da campanha: por exemplo, chamando a população para mandar e-mails pedindo para os congressistas votar de determinado jeito. O site teve algumas sacadas bem interessantes, embora de pieguice indiscutível. Quando o novo sistema de saúde foi finalmente aprovado no Congresso, todos os membros da rede receberam uma mensagem pedindo seu endereço postal para ser enviado um diploma que atestava que seu portador era “coautor da lei”. Claro, a mensagem aproveitava para pedir mais uma doaçãozinha, mas o recebimento do diploma não estava vinculado ao dinheiro.
Um novo jeito de pensar
Imagino que os marketeiros, ao ouvirem esses cases, fiquem encantados com a sua engenhosidade. Mas, para mim, o mais engenhoso foi o fato de que não havia apenas marketing nessas iniciativas. Havia efetivamente um jeito novo de pensar. Não se trata de dizer que Obama seja um santo redentor. Mas ele está, sim, efetivamente engajado na criação de uma forma de comunicação com o país que seja mais horizontal. Há sinais disso nas suas entrevistas, no seu canal do YouTube, nos seus frequentes convites a membros da sociedade civil para conversar. Um documento interno, distribuído logo no primeiro mês de seu governo para todos os chefes de departamentos e agências do governo, talvez seja o exemplo mais claro disso. O memorando começava assim:
Assunto: transparência e governo aberto
“Minha administração está comprometida a criar um nível sem precedentes de abertura no governo. Vamos trabalhar juntos para garantir a confiança pública e estabelecer um sistema de transparência, participação pública e colaboração. A abertura vai fortalecer nossa democracia e promover eficiência e eficácia no governo.”
A seguir, o memorando detalha três objetivos para todo mundo que trabalha no governo: transparência, participação e colaboração. Por fim, o presidente determina que o governo tenha um CTO (Chief Technology Officer – executivo chefe de tecnologia), que ficaria responsável por preparar, em 120 dias, suas recomendações para uma “Diretiva de Governo Aberto”, à qual todos os funcionários do governo teriam de obedecer a partir de então.
A tal Diretiva acabou criando uma série de novas instituições democráticas. Talvez a mais relevante delas seja o site data.gov, no qual todos os documentos do governo devem ser disponibilizados de graça, com fácil acesso, busca eficiente e num formato que possa ser lido por pessoas ou por softwares que gerem mais dados a partir do cruzamento entre eles. Em linhas gerais, a intenção é convidar os americanos a contribuir para o governo, a participar efetivamente do processo de governar. É dar a todo mundo acesso a toda a informação que, até outro dia, era exclusiva dos governantes.
Enfim, a afinidade entre Obama e a transparência digital não foi só uma estratégia para ganhar a eleição. Ela se apoia em uma série de políticas decididas pelo próprio candidato, assessorado por grandes teóricos, como o professor de Harvard (na época, em Stanford) Lawrence Lessig, e por executivos de alto nível, como Chris Hughes. Essas medidas tinham como objetivo abrir a política e o governo, torná-los mais transparentes, mais participativos e mais colaborativos. E o marketing que se seguiu propagandeou, de maneira altamente profissional, essas ideias novas.
Nada de novo
Pois aqui, no Brasil, só interessou o marketing. As duas principais candidaturas (Dilma e Serra) importaram apenas os marketeiros, não os teóricos ou os executivos, muito menos as ideias. As grandes campanhas continuam hierárquicas e centralizadas, comandadas por três ou quatro pessoas com imensa experiência. A informação é quase sempre controlada, as ideias fluem de cima para baixo, os membros mais jovens das equipes apenas executam o que se decide nos andares de cima.
Por trás da aparência de novidade, o que se viu na eleição daqui foi a mesma política antiga que tomou forma no início dos anos 1990, quando ainda batucávamos em gigantescas máquinas de escrever. Para muita gente, os recursos da internet serviram apenas para realçar a bizarrice do nosso sistema político, baseado em alianças aleatórias para somar segundos na TV. O Tiririca que o diga.
Isso não significa que as mesmas ideias que promoveram a mudança de relações nos Estados Unidos não estejam se difundindo no Brasil. Elas estão. A campanha de Marina Silva foi ajudada por alguns teóricos brasileiros da turma do Lawrence Lessig e, se conquistou apenas uma pequena fração do sucesso de Obama, foi bastante bem-sucedida para um partido sem coligações e com tempo na TV pouco superior à duração de um comercial.
O que fica de bom
Mas certamente as maiores novidades na política brasileira não vieram nem das grandes organizações de mídia nem das campanhas eleitorais: vieram de pequenas iniciativas independentes da sociedade civil. Acompanhei de perto algumas delas porque aconteceram na empresa onde trabalho, a Webcitizen. O Votenaweb (www.votenaweb.com.br) é um site que ajuda você a acompanhar as leis em tramitação no Congresso Nacional e a comparar o voto dos congressistas ao modo como você votaria se estivesse no lugar deles. O Eu Lembro (www.eulembro.com.br) – recentemente tirado do ar por medo de que o corporativismo dos políticos levasse a uma multa pesada da Justiça Eleitoral – permite que você siga todas as notícias sobre seus candidatos e ajuda a impedir que esqueça em quem votou.
Essas iniciativas da Webcitizen são dois pequenos exemplos no meio de uma multidão de websites nascidos nos últimos anos para horizontalizar as relações entre cidadãos e governos. Um dos meus favoritos é o incrível Cidade Democrática (www.cidadedemocratica.com.br), que promove bem-sucedidas campanhas de “adoção de vereador” e foi utilizado por cidadãos de Jundiaí para planejar uma rede cicloviária, que acabou efetivamente implantada.
Há no Brasil, como, aliás, em todos os países que estão tendo suas aspirações modificadas pelas novas tecnologias da informação, uma imensa vontade de propor um novo modelo de participação pública. É fato que os políticos tradicionais continuarão mobilizados para evitar essa horizontalização, que eles interpretam como uma redução de poder. Mas, depois que essas coisas começam, ninguém consegue pará-las.
Falta muito para 2014?

Denis Russo Burgierman
é diretor de conteúdo da Webcitizen, ex-diretor de redação da revista Superinteressante e ex-Knight Fellow da Universidade Stanford, na Califórnia. Atualmente, faz parte do time da curadoria da conferência TEDxAmazonia www.tedxamazonia.com.br.
Fonte: Le Monde Diplomatique

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Participe da luta pela Reforma Agrária

Participe da luta pela reforma agrária

Outro link sobre o Oriente Médio

Reproduzo a seguir um texto do grande jornalista inglês Robert Fisk sobre o Oriente Médio, publicado em português no Blog O Biscoito fino e a Massa do sempre ótimo Idelber Avelar:

Só a justiça pode trazer paz para esta região de trevas, por Robert Fisk

O Biscoito oferece, em português, a última coluna de Robert Fisk para o Independent, texto contundente escrito a partir do recente massacre de cristãos em Bagdá. A casa agradece Paula Marcondes e Marcos Veríssimo pela tradução, à qual eu fiz um ou outro retoque estilístico: trabalho a seis mãos, portanto (com méritos maiores de Paula e Marcos), para circular em nossa língua um texto que merece ser lido. Com a palavra, a clareza moral e bem informada de Robert Fisk.
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A velocidade com a qual os povos do Oriente Médio se assustam com o massacre da Al-Qaeda à igreja de Bagdá é um sinal de como é frágil o terreno em que eles pisam.
Ao contrário dos nossos noticiários da televisão ocidental, a Al-Jazeera e a Arábia mostram todo o horror de tamanha carnificina. Braços, pernas e torsos decapitados não deixam dúvidas sobre o que significam. Todo cristão na região entendeu o que esse ataque significou. Sem dúvidas, dada a natureza sectária das agressões aos xiitas iraquianos, eu estou começando a me perguntar se a Al-Qaeda em si--longe de ser o centro/ a essência/ a fonte do "terror mundial", como imaginamos--pode ser uma das organizações mais sectárias já inventadas. Não há, suspeito eu, apenas uma Al-Qaeda, mas várias, alimentando-se das injustiças da região, uma transfusão de sangue que o Ocidente (e estou incluindo aqui os israelenses) injeta em seu corpo.
fisk-1.jpgNa verdade, eu me pergunto se os nossos governos não precisam desse terror--para nos assustar, assustar muito, para nos fazer obedecer, para trazer mais segurança às nossas vidinhas. E eu me pergunto se esses mesmos governos irão algum dia acordar para o fato de que nossas ações no Oriente Médio estão colocando em risco a nossa segurança. O Lord Blair de Isfahan sempre negou isso--até mesmo quando o homem bomba de 07/07 explicou cuidadosamente em seu vídeo póstumo que o Iraque era uma das razões pela qual ele cometeu o massacre em Londres--e Bush sempre negou, e Sarkozy vai negar se a Al-Qaeda cumprir sua mais recente ameaça de atacar a França.
Agora, para a Al-Qaeda, "todos os cristãos" do Oriente Médio devem ser alvos também, dispersando essas ameaças como minas espalhadas pela região. Cerca de dois milhões de pessoas da comunidade cristã do Egito terão que ser protegidas durante as duas semanas do festival religioso Luxor, rodeadas por centenas de seguranças da polícia estatal, após a reivindicação da Al-Qaeda de que duas mulheres muçulmanas estão sendo mantidas contra a sua vontade pela Igreja Copta. É meramente incidental que isso possa ter se originado na decisão dessas mulheres de se divorciarem de seus maridos--e portanto pela conversão para pôr fim a seus casamentos, já que a Igreja no Egito não permite o divórcio.
Agora a contaminação se espalhou para o Líbano, onde as tensões entre xiitas e sunitas se intensificaram por causa da exigência do Hezbollah de que se rejeitem as acusações do tribunal da ONU sobre o assassinato do antigo primeiro-ministro Rafiq Hariri. O que poderia ter passado por um ato de vandalismo em qualquer outra época - a profanação de um túmulo cristão - agora tem declarações de amor passional e fraternal feitas por todos os clérigos do país para que não se sugira que os muçulmanos foram os responsáveis. Em Jiye, uma agradável cidade costeira ao sul de Beirute, alguém arrombou as cinco portas da abóbada da Igreja de São Jorge e tirou o corpo de George Philip al-Kazzi--morto por velhice no dia 23 de Julho de 2002--de dentro do túmulo, deixando-o com o crânio esmagado. Esse foi o terceiro ataque desta natureza na cidade em 10 anos.
O Padre Salim Namour, do monastério Saint Charbel - cujo nome vem do padre maronita morto há muito tempo e sobre quem se acredita que chora uma vez por ano - afirmou que sua cidade era um modelo de coexistência e fez um pronunciamento que poderia ser parte de orações em quaisquer igrejas e mesquitas do Oriente Médio. "Não podemos pensar desta maneira", disse ele. "Enterramos os mortos de nossos camaradas muçulmanos e eles enterram os nossos." O vice-presidente do Alto Conselho Islâmico Xiita, Xeique Abdel-Amir Qabalan, chamou o massacre  de "bárbaro", um ato que "não tem nenhuma relação com qualquer religião ou humanidade e que não pode ser aceito logicamente." Os bispos maronitas libaneses depois condenaram o bombardeio a Bagdá como um "ato criminoso inútil".
O Ocidente é impotente para ajudar esses cristãos com medo. As ações de políticos "baseados na fé"--na fé cristã, obviamente--causou uma nova tragédia cristã no Oriente Médio. (O fato de eu ter conhecido recentemente vários americanos na Califórnia que achavam que o cristianismo era uma religião "ocidental", em vez de oriental, provavelmente diz mais sobre os Estados Unidos que sobre o cristianismo.)
Ninguém em sã consciência acharia que a al-Qaeda dispenderia suas energias em um ato tão mesquinho - apesar de revoltante - no Líbano. Mas a al-Qaeda existe no Líbano. Temos a palavra do presidente Bashar al-Assad sobre o assunto. De fato, é interessante escutar o que Assad disse sobre o tema na semana passada - uma vez que suas relações com o Hezbollah e o Irã xiita não o tornam mais amigável ao grupo de bin Laden. Em uma entrevista ao jornal Al-Hayat, ele disse: "Falamos sobre a al-Qaeda como se ela existisse como uma organização unificada e bem estruturada. Isso não é verdade. Ela age mais como uma corrente de pensamento que chama a si própria de al-Qaeda. Essa organização é o resultado (de uma situação), e não uma causa. É o resultado do caos, de um desenvolvimento fraco. É o resultado de erros e de uma certa direção política." Dizer que essa organização "existe em todos os lugares, tanto na Síria como em todos os países Árabes e islâmicos, não quer dizer que ela seja amplamente disseminada ou mesmo popular".
Ainda assim, Assad não pode absolver seu próprio regime ou os regimes dos estados árabes cujas leis de segurança proíbem quaisquer reuniões políticas - além daquelas aprovadas por oficiais do governo - e portanto há muito tempo forçam os muçulmanos a discutir política na única instituição que visitam regularmente: a mesquita. Por certo, a maior ironia nesta semana foi ouvir nossos senhores e mestres louvando a presteza do regime Wahhabi, na Arábia Saudita, por alertar ao Ocidente sobre os pacotes-bomba nos aviões, quando foi essa mesma Arábia Saudita que acalentou Osama bin Laden e seus comparsas por muitos anos.
Porque os ditadores do Oriente Médio também gostam de assustar suas populações. A elite dominante do Egito tem nojo dos seus pobres, mas quer ter certeza de que não haverá revoluções islâmicas no Cairo. E o Ocidente quer assegurar-se de que não haverá revoluções islâmicas nem no Cairo, nem na Líbia, nem na Argélia, nem na Síria, nem na Arábia Saudita. (Completem a lista.) O problema mais premente é que a al-Qaeda está tentando minar esses regimes, assim como tenta minar o Ocidente. Desta maneira, colocam o próprio Iraque no mesmo saco - é de certa forma irrelevante que o Iraque seja uma democracia, já que não há governo e eles estão ocupados demais executando seus velhos inimigos baathistas para proteger seu próprio povo -, juntamente com os cristãos e os xiitas do país. E continuamos a lançar mísseis não-tripulados no Paquistão, a bombardear inocentes no Afeganistão, a tolerar os regimes torturadores do mundo árabe e a permitir que Israel roube mais terras dos palestinos. Receio que será a mesma história de sempre: é a justiça que trará a paz, e não guerras de inteligência contra o "terror mundial". Mas nossos líderes se recusam a admitir isso.
Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

Uri Avnery: Weimar em Jerusalém

25 de outubro de 2010 às 11:34

Uri Avnery: Weimar em Jerusalém

23/10/2010
Uri Avnery, Gush Shalom [Bloco da Paz], Telavive
Tradução de Caia Fittipaldi
Em Berlim, acaba de ser inaugurada uma exposição intitulada “Hitler e os alemães”. Examinam-se os fatores pelos quais o povo alemão levou Adolf Hitler ao poder e o seguiu até o fim.
Estou ocupado demais com os problemas da democracia israelense para viajar a Berlim. É pena, porque essa questão, precisamente, me perturba desde criança. Como pôde acontecer que uma nação civilizada, que se via como “povo de poetas e filósofos”, tenha seguido aquele homem, como as crianças de Hamelin seguiram o flautista rumo à morte[1]?
O tema perturba-me não só como fenômeno histórico, mas porque é sinal de alerta que não se pode ignorar com vistas ao futuro. Se aconteceu aos alemães, pode acontecer a qualquer povo. Pode acontecer em Israel?
Aos nove anos, fui testemunha ocular do colapso da democracia alemã e da ascensão dos nazistas ao poder. Tenho na memória as imagens gravadas – as campanhas eleitorais todas iguais, os uniformes cada dia mais numerosos pelas ruas, as discussões à mesa, o professor que, pela primeira vez nos saudou, na sala de aula, com “Heil Hitler”. Registrei essas lembranças em livro que escrevi (em hebraico) durante o julgamento de Eichmann, e cujo último capítulo pergunta: “Pode acontecer em Israel?” Tenho voltado àqueles dias, agora, escrevendo minhas memórias.
Não sei se a exposição em Berlim responde essas perguntas. Talvez não. Mesmo hoje, 77 anos depois, ainda não há resposta definitiva para a pergunta “Por que a república alemã desmoronou?” Mas é questão absolutamente importante, porque, hoje, os cidadãos israelenses também se perguntam, com preocupação crescente: “A república israelense estará desmoronando, aí, ante nossos olhos?”
PELA PRIMEIRA VEZ, é pergunta feita a sério. Ao longo dos anos, os israelenses sempre foram muito cuidadosos e sempre evitaram usar a palavra “fascismo” em discursos públicos. A palavra desperta lembranças monstruosas demais. Agora, também esse tabu já foi quebrado.
Yitzhak Herzog, ministro do Bem-Estar Social do governo Netanyahu, do Partido Labor, neto do Grande Rabino e filho de um presidente, disse, há alguns dias, que “o fascismo já toca as margens da sociedade israelense”. Errou. O fascismo já ultrapassou as margens e já chega ao coração do governo ao qual Herzog serve, e ao Parlamento, do qual ele é membro.
Não passa – literalmente – um dia, sem que um grupo de deputados apresente novo projeto de lei, todas racistas. O país ainda está dividido pela aprovação da “Lei da Fidelidade”, que obriga os que requeiram a cidadania israelense a jurar fidelidade a “Israel, estado judeu e democrático”. Agora, o gabinete discute se a exigência aplica-se só a não-judeus (o que soa muito mal) ou se se aplica também aos judeus – detalhe que nada altera no conteúdo racista da lei.
Essa semana, apareceu novo projeto de lei. Se aprovada, fará com que só cidadãos israelenses possam trabalhar como guias turísticos em Jerusalém Leste. Não-cidadãos israelenses serão impedidos de trabalhar nessa função. “Não-cidadãos israelenses” significa, é claro, os árabes. É assim, porque, quando Jerusalém Leste foi ocupada e anexada, pela força, por Israel, depois da guerra de 1967, os árabes que viviam lá não receberam a cidadania israelense. Ficaram definidos como “residentes permanentes”, como se fossem recém-chegados; como se não fossem filhos de famílias que vivem há séculos em Jerusalém.
O novo projeto de lei visa a roubar aos árabes jerusalemitas o direito de trabalhar como guias turísticos nos locais sagrados da cidade deles. Isso, sob o argumento de esse tipo de trabalho facilita desvios da linha da propaganda israelense oficial. Chocante? Inacreditável? Não aos olhos dos autores desse projeto de lei, entre os quais há membros do Partido Kadima. A proposta foi assinada também por um membro do Partido Meretz, mas a assinatura foi retirada; o deputado alegou que assinara sem entender exatamente o objetivo do projeto.
Esse projeto de lei é mais um, depois de dúzias de projetos semelhantes, e antes que outros muitos, na mesma linha, cheguem ao Parlamento. Os deputados israelenses agitam-se como tubarões em frenesi alimentar. Competem entre eles, para ver quem aparece com projeto de lei mais racista.
É bom negócio! Cada vez que se começa a falar de um desses projetos de lei racistas, o deputado-autor passa a ser convidado para todos os programas de entrevistas na TV, para “explicar” o projeto. Os jornais publicam fotos e manchetes. Quanto mais obscuro e desconhecido o deputado, maior a tentação de ganhar tratamento de celebridade. E a imprensa colabora.
ESSE FENÔMENO não é restrito a Israel. Está acontecendo em toda a Europa e nos EUA. Os fascistas estão voltando a erguer a cabeça. Os portadores de ódio, que até agora haviam sido contidos, e seu veneno só alcançava as margens da sociedade e do sistema político, agora avançam e já se aproximam dos centros de decisão.
Há demagogos em praticamente todos os países. Constroem carreira incitando os fracos e desamparados. Sempre pregam a expulsão “dos estrangeiros”, a perseguição das minorias. No passado, foi fácil não os eleger, descartá-los, como aconteceu a Hitler em começo de carreira. Hoje, é preciso vê-los como ameaça real.
Há poucos anos, o mundo chocou-se quando o partido de Jörg Haider[2] passou a integrar a coalizão de governo na Áustria. Haider elogiava e divulgava os sucessos de Hitler. O governo israelense, furioso, retirou de Viena seu embaixador. Hoje, o novo governo alemão depende do apoio de um racista declarado. E partidos fascistas vencem eleições com largas vantagens, em vários países. O movimento “Tea Party”, que floresce nos EUA, tem traços muito claramente fascistas. Um dos candidatos nas eleições de meio de mandato nos EUA apoiados pelo movimento costuma aparecer vestido num uniforme das Waffen-SS nazistas.[3]
Assim sendo, Israel está em boa companhia. Israel não é pior nem melhor que ninguém. Se eles podem… por que Israel não poderia?!
MAS HÁ, SIM, uma grande diferença. Israel não vive situação semelhante à da Holanda ou da Suécia. Diferente desses países, a própria existência de Israel está hoje ameaçada pelo fascismo. O fascismo pode destruir o estado de Israel.
No passado, há anos, eu acreditava que dois milagres haviam acontecido em Israel: o renascimento da língua hebraica e a democracia israelense.
Em nenhum outro lugar ou momento da história aconteceu a ‘ressurreição’ de uma língua ‘morta’. Theodor Herzl, fundador do sionismo, não acreditava que fosse possível. Uma vez, perguntou, irônico: “Quem algum dia comprará passagens de trem, em hebraico?” O sonho de Herzl sempre foi que se falasse alemão em Israel. Hoje, a língua hebraica funciona muito melhor que os trens, em Israel.
Mas a democracia israelense foi milagre ainda maior. Não foi democracia nascida do povo, como na Europa. O povo judeu jamais viveu em democracia. O judaísmo, como quase todas as religiões, é totalitário. Os imigrantes que vieram para Israel jamais haviam conhecido qualquer democracia. Vinham da Rússia czarista ou bolchevique, da Polônia autoritária de Josef Pilsudski, das tiranias no Marrocos e no Iraque. Só pequeníssima parcela deles vinham de países democráticos. E mesmo assim, desde os primeiros passos, Israel sempre foi estado democrático – com uma única restrição: a plena democracia israelense para os judeus sempre foi democracia limitada para os cidadãos árabes.
Sempre me angustiei, porque sabia que a democracia israelense, por causa dessa restrição, sempre foi democracia pendurada num fio muito frágil; e que tudo poderia desabar a qualquer hora, a qualquer momento. Hoje, Israel enfrenta desafio sem precedentes.
A REPÚBLICA ALEMÃ ficou conhecida como República de Weimar, nome da cidade onde se reuniu a Assembleia Constituinte e proclamou-se a Constituição alemã, depois da I Guerra Mundial. Weimar, cidade de Bach e Goethe, considerada um dos berços da cultura alemã.
Foi constituição brilhantemente democrática. Sob suas asas, a Alemanha conheceu florescimento intelectual e artístico maior que jamais antes. Até que a república alemã desmoronou. Por que desmoronou?
Em termos gerais, identificam-se duas causas para o colapso da democracia alemã: a humilhação e o desemprego. Ainda nos primeiros dias da República, a Alemanha teve de assinar o Tratado de Paz de Versailles, imposto a ela pelos vitoriosos da I Guerra Mundial. Nem foi “tratado”: foi humilhante ato de rendição. Quando a República de Weimar não honrou os pagamentos das pesadíssimas indenizações de guerra que lhe foram impostas, o exército francês invadiu o coração industrial da Alemanha, em 1923. Em seguida, foi a inflação galopante –  trauma do qual a Alemanha ainda não se recuperou até hoje.
Quando a economia mundial entrou em crise, em 1929, a economia alemã destroçou-se. Milhões, que já conviviam com o desemprego e o subemprego, mergulharam na miséria mais abjeta. Qualquer promessa de salvação seria recebida como verdadeira salvação. Hitler prometeu derrotar a humilhação da derrota e do desemprego e cumpriu as duas promessas: deu emprego aos desempregados, na indústria bélica e em obras públicas – sobretudo na construção de autoestradas, já planejadas para a guerra que viria em seguida.
E há uma terceira razão para o colapso da república alemã: a crescente apatia dos democratas. O sistema político democrático passou, rapidamente, a ser visto como encenação: o povo afundava-se cada dia mais na mais terrível miséria, e os políticos lá, enrolando-se nos seus jogos de palavras. Os alemães ansiavam por um líder forte, capaz de impor a ordem. Os nazistas não derrubaram a República de Weimar. A própria República implodiu. Os nazistas só fizeram preencher o vácuo gerado pelo fracasso daquela democracia.
EM ISRAEL não há crise econômica. Ao contrário, a economia prospera. Israel não assinou nenhum tratado humilhante, como o Tratado de Versailles. Ao contrário: Israel vence guerras. Sim. Os fascistas israelenses falam dos “criminosos de Oslo”, mais ou menos como Hitler esbravejava contra “os criminosos de novembro”. Mas os acordos de Oslo são o contrário do que foi assinado em Versailles, em novembro de 1919.
Se é assim, de onde brota a profunda crise que aflige a sociedade israelense? O que leva milhões de cidadãos a observar, completamente apáticos, o que fazem os governantes, limitando-se a balançar a cabeça frente ao aparelho de TV? O que os leva a ignorar o que está acontecendo nos territórios ocupados, a meia hora, de carro, de onde moram? Por que tantos declaram que deixaram de assistir aos noticiários de televisão e já não leem jornais? Qual a origem da depressão, do desespero, que deixa caminho livre para o fascismo?
O estado israelense chegou a uma encruzilhada: ou paz ou guerra eterna. Paz significa fundar o estado palestino e evacuar todas as colônias nos territórios ocupados. Mas o código genético dos sionistas parece empurrar para a anexação de toda a área histórica até o rio Jordão e – direta ou indiretamente –, para a expulsão de todos os árabes. A maioria dos israelenses foge de ter de decidir e repete que “não temos parceiros para a paz”. Israel está condenando-se à guerra eterna.
A democracia sofre de paralisia crescente, porque os diferentes setores da sociedade vivem em mundos diferentes não comunicantes. Os israelenses seculares de um lado e, de outro, os nacionalistas-religiosos e os ortodoxos recebem educação completamente diferente. A cada dia, estreita-se o território comum. Outras divisões separam a antiga comunidade azquenase, os judeus orientais, os emigrados da ex-URSS e da Etiópia, e os cidadãos árabes, cuja exclusão aumenta dia a dia.
Pela segunda vez em minha vida, talvez assista ao colapso de uma república. Mas não tinha de ser assim. Israel não é a Alemanha do passo-de-ganso daqueles dias. 2010 não é 1933. Ainda há tempo para que a sociedade israelense desperte e mobilize as forças democráticas que vivem nela.
Mas, para que isso aconteça, temos de despertar do coma, entender o que está acontecendo e aonde nos levará. E protestar e lutar por todos os meios que haja (enquanto é tempo), para deter a onda fascista que ameaça afogar Israel.

NOTAS [1] Sobre o conto folclórico europeu, recolhido pelos irmãos Grimm, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Flautista_de_Hamelin. Em português, há linda edição bilíngue da versão em versos de Robert Browning (1812-1889): O Flautista de Manto Malhado em Hamelin, 2010, São Paulo: Musa Editora, trad. Alípio Correia de Franca Neto [NT].
[2] Do “Partido da Liberdade”, da extrema direita austríaca. Morreu em 2008, em acidente de carro. Mais, em http://en.wikipedia.org/wiki/J%C3%B6rg_Haider.
[3] Rich Lott, candidato Republicano, em Ohio. Há matéria sobre ele em http://crooksandliars.com/karoli/ohio-tea-party-candidate-nazi-re-enactor.
Fonte: Vi o Mundo

domingo, 7 de novembro de 2010

WSJ: 42.389.619 de americanos dependem do Bolsa Família para comer

4 de novembro de 2010 às 17:42

WSJ: 42.389.619 de americanos dependem do Bolsa Família para comer

November 4, 2010, 2:47 PM ET
In U.S., 14% Rely on Food Stamps

By Sara Murray, naquele jornal comunista, o Wall Street Journal

Um grande número de domicílios americanos ainda depende da assistência do governo para comprar comida, no momento em que a recessão continua a castigar famílias.
O número dos que recebem o cupom de comida [food stamps, a versão americana do Bolsa Família] cresceu em agosto, as crianças tiveram acesso a milhões de almoços gratuitos e quase cinco milhões de mães de baixa renda pediram ajuda ao programa de nutrição governamental para mulheres e crianças.
Foram 42.389.619 os americanos que receberam food stamps em agosto, um aumento de 17% em relação a um ano atrás, de acordo com o Departamento de Agricultura, que acompanha as estatísticas. O número cresceu 58,5% desde agosto de 2007, antes do início da recessão.
Em números proporcionais, Washington DC [a capital dos Estados Unidos] tem o maior número de residentes recebendo food stamps: mais de um quinto, 21,1%, coletaram assistência em agosto. Washington foi seguida pelo Mississipi, onde 20,1% dos moradores receberam food stamps, e pelo Tennessee, onde 20% dos residentes buscaram ajuda do programa de nutrição.
Idaho teve o maior aumento no número de recipientes no ano passado. O número de pessoas que receberam food stamps no estado subiu 38,8%, mas o número absoluto ainda é pequeno. Apenas 211.883 residentes de Idaho coletaram os cupons em agosto.
O benefício nacional médio por pessoa foi de 133 dólares e 90 centavos em agosto. Por domicílio, foi de 287 dólares e 82 centavos.
Os cupons se tornaram um refúgio para os trabalhadores que perderam emprego, particularmente entre os estadunidenses que já exauriram os benefícios do seguro-desemprego. Filas nos supermercados à meia-noite do primeiro dia do mês demonstram que, em muitos casos, o benefício não está cobrindo a necessidade das famílias e elas correm antes da chegada do próximo cheque.
Mesmo durante as férias de verão as crianças retornaram às escolas para tirar proveito da merenda, onde ela estava disponível. Cerca de 195 milhões de almoços foram servidos em agosto e 58,9% deles foram de graça. Outros 8,4% foram a preço reduzido. Este número vai aumentar quando os dados do outono forem divulgados já que as crianças estarão de volta às escolas. Em setembro passado, por exemplo, mais de 590 milhões de almoços foram servidos, quase 64% de graça ou com preço reduzido.
Crianças cujas famílias tem renda igual ou até 130% acima da linha da pobreza — 28 mil e 665 dólares por ano para uma família de quatro pessoas — podem ter acesso a almoços gratuitos. As famílias que tem renda entre 130% a 185% acima da linha da pobreza — 40 mil e 793 dólares para uma família de quatro — podem receber refeições a preço reduzido, não mais que 40 centavos de dólar de desconto.
Ps do Viomundo: Texto dedicado àqueles que acham chique os programas sociais na França, na Alemanha e nos Estados Unidos, mas tem “horror!” dos programas sociais brasileiros.
Fonte: Vi o Mundo