sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Hay que endurecer, pero sin ternura

Charge de Vitor Teixeira
A eleição presidencial da Argentina terminou com a vitória do candidato de oposição, Mauricio Macri, a derrota de Cristina Kirchner assume um componente geopolítico grande na América do Sul. Pela primeira vez nos últimos 12 anos, o Mercosul contará com um governante claramente defensor das reformas estruturais neoliberais, ou seja, um candidato abertamente pró-mercado.

A situação não é inédita, a década de 1990 foi marcada pela confluência e hegemonia dos preceitos do “Consenso de Washington” (abertura comercial, privatização de empresas estatais e de serviços, câmbio livre, etc.). O neoliberalismo em sua vertente mais radical esteve na base de formação do bloco, com Carlos Menem na Argentina e Fernando Henrique Cardoso no Brasil.

A Argentina inclusive foi um dos países que mais sofreu os efeitos do neoliberalismo, com uma pesada desindustrialização e a dolarização da economia, os efeitos reverberam até hoje, com um denso impacto no grau de endividamento do país, a economia do país encontra-se inclusive em sérias dificuldades, com poucos dólares em reservas, por que os fundos abutres (formados por investidores que compraram títulos da dívida argentina antes da renegociação, e exigem receber integralmente os valores), embargaram e dificultaram o acesso do país aos mercados de moedas.

Assim, o cansaço dos argentinos com a atual administração existe, pois, o país vivenciou um aumento da inflação, diminuição nos preços das commodities e diminuição nas taxas de crescimento do PIB. Ademais, grupos políticos que passam muito tempo no poder, sofrem um desgaste natural. Ainda que seja possível entender a vitória de Macri a partir dessas condicionantes, é preciso entender que independente do candidato vitorioso, se Macri ou seu concorrente Daniel Scioli, a Argentina viveria sua versão do ajuste fiscal, assim há um condicionante primordial que ataca também o Brasil: as pressões de frações do capital financeiro para liberalizar o que sobrou das economias.

Não houveram governos pós-neoliberais ou então progressistas na América Latina da primeira década do século XXI. O que houve foi a confluência de alguns fatores, o primeiro deles foi reconhecido pelo próprio Banco Mundial: as reformas estruturais neoliberais ajudaram a aumentar a desigualdade de renda nos países que aplicaram, a solução para isso foi gestada ainda no governo FHC no Brasil, a criação de bolsas, ou políticas compensatórias de renda que transferiam valores irrisórios para despesas específicas; optou-se para essa medida, ao mesmo tempo em que se atacavam direitos sociais mais ligados diretamente ao trabalho, o resultado não é a ampliação de direitos, mas sim transferências de renda, que acabariam caso houvesse uma melhora dessas camadas dos trabalhadores.

O segundo fator foi o aumento do preço das commodities, principalmente do petróleo, gás natural, minério de ferro, cobre e soja. As melhoras nas trocas comerciais desses produtos, geraram superávits para os países sul americanos, que possibilitaram as políticas de transferências de renda, que movimentaram a economia na última década, ampliando o consumo.

O terceiro fator foi a crise financeira de 2008, que fragilizou por algum tempo a hegemonia do capital financeiro, hegemonia essa que começou a ser reestabelecida na Europa já em 2009, entregando um outro modo de solucionar a crise: um incremento no ajuste fiscal recessivo, privilegiando a fração financeira. Esse balanço na hegemonia foi o que possibilitou a gestão da “nova matriz econômica” no Brasil e a renegociação da dívida externa na Argentina, não por sinal medidas que passaram a sofrer oposição da fração financeira da burguesia interna e externa.

Essa oposição, levou de certa maneira a desequilíbrios fiscais, na Argentina fez com que os fundos abutres dificultassem o acesso à dólares, ou que fragilizou a capacidade financeira do país, obrigando a um controle dos saques, que só fez o peso desvalorizar. Por sua vez, no Brasil, a Nova Matriz Econômica (NME), tentou mexer com a taxa de juros, a tarifa energética e no modelo de exploração do petróleo. O resultado foi visto agora, quando o governo ameaçado de ver uma fuga de capitais precisou voltar atrás em quase tudo que representou a NME, o que obrigou a adotar o atual ajuste fiscal, que alimenta a recessão do país.

A Argentina serve agora de pano de fundo, para nós brasileiros compreender como seria o ajuste fiscal implantado pelo candidato à presidente que contava com a simpatia da fração financeira internacional do capital, à luz de uma possível deposição da presidente Dilma, será possível compreender como será um governo Aécio ou Temer, já que ambos mostraram-se recentemente favoráveis ao aprofundamento das reformas iniciadas na década de 1990.

Por último essa ofensiva atual do capital financeiro, tentará ir mais a fundo, buscando espoliar os países que mais aprofundaram reformas sociais na América Latina, a saber, irá para cima da Venezuela e Bolívia. Macri inclusive, já passou a defender a exclusão da Venezuela do Mercosul, através da clausula democrática, algo que poderia aprofundar ainda mais a crise econômica e social do país, dificultando o acesso à produtos industriais e alimentícios. Muito provavelmente o mesmo ocorrerá com a Bolívia, caso Evo Morales aprove mais uma reeleição para presidente.

Como duas das maiores economias da América do Sul, o destino de Brasil e Argentina reverbera para bem além de suas fronteiras, sendo que seus presidentes podem sim alterar toda a conjuntura do continente, como agora paira a ameaça de Mauricio Macri e talvez Michel Temer, mais do que nunca é preciso resistir ao capital a real ameaça à todos os países.

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