Charge de Vitor Teixeira |
A
eleição presidencial da Argentina terminou com a vitória do candidato de
oposição, Mauricio Macri, a derrota de Cristina Kirchner assume um componente geopolítico grande na América do
Sul. Pela primeira vez nos últimos 12 anos, o Mercosul contará com um
governante claramente defensor das reformas estruturais neoliberais, ou seja,
um candidato abertamente pró-mercado.
A
situação não é inédita, a década de 1990 foi marcada pela confluência e
hegemonia dos preceitos do “Consenso de Washington” (abertura comercial,
privatização de empresas estatais e de serviços, câmbio livre, etc.). O
neoliberalismo em sua vertente mais radical esteve na base de formação do
bloco, com Carlos Menem na Argentina e Fernando Henrique Cardoso no Brasil.
A
Argentina inclusive foi um dos países que mais sofreu os efeitos do
neoliberalismo, com uma pesada desindustrialização e a dolarização da economia,
os efeitos reverberam até hoje, com um denso impacto no grau de endividamento
do país, a economia do país encontra-se inclusive em sérias dificuldades, com
poucos dólares em reservas, por que os fundos abutres (formados por
investidores que compraram títulos da dívida argentina antes da renegociação, e
exigem receber integralmente os valores), embargaram e dificultaram o acesso do
país aos mercados de moedas.
Assim,
o cansaço dos argentinos com a atual administração existe, pois, o país vivenciou
um aumento da inflação, diminuição nos preços das commodities e diminuição nas
taxas de crescimento do PIB. Ademais, grupos políticos que passam muito tempo
no poder, sofrem um desgaste natural. Ainda que seja possível entender a vitória
de Macri a partir dessas condicionantes, é preciso entender que independente do
candidato vitorioso, se Macri ou seu concorrente Daniel Scioli, a Argentina
viveria sua versão do ajuste fiscal, assim há um condicionante primordial que
ataca também o Brasil: as pressões de frações do capital financeiro para
liberalizar o que sobrou das economias.
Não
houveram governos pós-neoliberais ou então progressistas na América Latina da
primeira década do século XXI. O que houve foi a confluência de alguns fatores,
o primeiro deles foi reconhecido pelo próprio Banco Mundial: as reformas
estruturais neoliberais ajudaram a aumentar a desigualdade de renda nos países
que aplicaram, a solução para isso foi gestada ainda no governo FHC no Brasil,
a criação de bolsas, ou políticas compensatórias de renda que transferiam
valores irrisórios para despesas específicas; optou-se para essa medida, ao
mesmo tempo em que se atacavam direitos sociais mais ligados diretamente ao trabalho,
o resultado não é a ampliação de direitos, mas sim transferências de renda, que
acabariam caso houvesse uma melhora dessas camadas dos trabalhadores.
O
segundo fator foi o aumento do preço das commodities, principalmente do
petróleo, gás natural, minério de ferro, cobre e soja. As melhoras nas trocas
comerciais desses produtos, geraram superávits para os países sul americanos,
que possibilitaram as políticas de transferências de renda, que movimentaram a
economia na última década, ampliando o consumo.
O
terceiro fator foi a crise financeira de 2008, que fragilizou por algum tempo a
hegemonia do capital financeiro, hegemonia essa que começou a ser
reestabelecida na Europa já em 2009, entregando um outro modo de solucionar a
crise: um incremento no ajuste fiscal recessivo, privilegiando a fração
financeira. Esse balanço na hegemonia foi o que possibilitou a gestão da “nova
matriz econômica” no Brasil e a renegociação da dívida externa na Argentina,
não por sinal medidas que passaram a sofrer oposição da fração financeira da
burguesia interna e externa.
Essa
oposição, levou de certa maneira a desequilíbrios fiscais, na Argentina fez com
que os fundos abutres dificultassem o acesso à dólares, ou que fragilizou a
capacidade financeira do país, obrigando a um controle dos saques, que só fez o
peso desvalorizar. Por sua vez, no Brasil, a Nova Matriz Econômica (NME), tentou
mexer com a taxa de juros, a tarifa energética e no modelo de exploração do
petróleo. O resultado foi visto agora, quando o governo ameaçado de ver uma
fuga de capitais precisou voltar atrás em quase tudo que representou a NME, o
que obrigou a adotar o atual ajuste fiscal, que alimenta a recessão do país.
A
Argentina serve agora de pano de fundo, para nós brasileiros compreender como
seria o ajuste fiscal implantado pelo candidato à presidente que contava com a
simpatia da fração financeira internacional do capital, à luz de uma possível
deposição da presidente Dilma, será possível compreender como será um governo
Aécio ou Temer, já que ambos mostraram-se recentemente favoráveis ao
aprofundamento das reformas iniciadas na década de 1990.
Por
último essa ofensiva atual do capital financeiro, tentará ir mais a fundo,
buscando espoliar os países que mais aprofundaram reformas sociais na América
Latina, a saber, irá para cima da Venezuela e Bolívia. Macri inclusive, já
passou a defender a exclusão da Venezuela do Mercosul, através da clausula democrática,
algo que poderia aprofundar ainda mais a crise econômica e social do país,
dificultando o acesso à produtos industriais e alimentícios. Muito
provavelmente o mesmo ocorrerá com a Bolívia, caso Evo Morales aprove mais uma
reeleição para presidente.
Como
duas das maiores economias da América do Sul, o destino de Brasil e Argentina
reverbera para bem além de suas fronteiras, sendo que seus presidentes podem
sim alterar toda a conjuntura do continente, como agora paira a ameaça de
Mauricio Macri e talvez Michel Temer, mais do que nunca é preciso resistir ao
capital a real ameaça à todos os países.
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