A TFP, o Papa, o Silas Malafaia e os integralistas foram derrotados nas urnas, agora falta derrotar os banqueiros, a mídia, os latifundiários a elite centenária de SP e outros rincões, que acha que lugar de empregada é no quartinho da sua cobertura. Não é a candidata dos nossos sonhos, mas como já dito anteriormente, o Serra baixou tanto o nível da campanha que a Dilma se tornou a grande libertadora do povo brasileiro, o triste é que ainda somos reféns de Sarney, Collor, PSDB, Beto Richa, e de certa forma até do PT, política não resolve nada, mais aliena do que ajuda, mas é a forma mais eficiente de luta social por hora, agora é ir para as ruas, para que o governo Dilma não seja uma mera sombra do governo Lula e do FHC.
É por isso que talvez a melhor trilha sonora, para os tucanos derrotados, e para deixar o PT em alerta é essa músicadomingo, 31 de outubro de 2010
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Costa Rica: um país pacífico que se arma
01 de Setembro de 2010 |
AMÉRICA LATINA |
Costa Rica: um país pacífico que se arma |
A expansão da presença militar dos EUA na América Latina é justificada pelo pressuposto de que é preciso enfrentar conjuntamente ameaças como migrações ilegais, crime organizado e narcoterrorismo. Com isso, os americanos aumentam sua influência na região e causam temor naqueles que questionam essa estratégia |
por Adriana Rossi |
Em julho passado, 20 dias antes de deixar a presidência da Colômbia, Álvaro Uribe pediu a convocação de uma reunião extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA) para apresentar uma denúncia. Segundo dados e fotos de satélite fornecidos pelo serviço de inteligência colombiano – que alegou razões de segurança nacional para não enviá-los à imprensa –, haveria 86 acampamentos das Forças Armadas Revolucionárias (Farc) e do Exército de Liberação Nacional (ELN) colombianos em território venezuelano. Com a anuência do governo de Hugo Chávez, esses acampamentos abrigariam 1.500 guerrilheiros armados, entre eles membros da cúpula dessas organizações. As reações em cadeia rapidamente levaram à ruptura das relações diplomáticas entre os dois países, fazendo com que a região voltasse a se aproximar do abismo de um conflito anunciado e gestado há 20 anos. Foram essas mesmas tensões que levaram a Venezuela, em 2009, a cortar relações econômicas com a Colômbia, em protesto ao acordo firmado entre esta e os Estados Unidos sobre a utilização de sete bases militares na área.1 O pacto foi considerado uma ameaça e um desafio aos governos da região, visão compartilhada pela maioria dos países do sul do continente. Agora, frente à denúncia de Uribe, Chávez acusa diretamente os Estados Unidos de arquitetar junto à Colômbia um ataque não apenas ao território venezuelano, mas também a toda a região. A crise, momentaneamente suspensa com a chegada de Juan Manuel Santos à presidência da Colômbia e com a mediação da Secretaria Geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), terminou com uma “declaração de princípios” assinada pelos dois presidentes.2 As preocupações de Hugo Chávez, apesar de consideradas fictícias por seus adversários, têm como base um cenário latino-americano onde a expansão militar dos Estados Unidos continua ganhando espaço. Entre bases e marines No final de outubro de 2009, poucos dias antes da assinatura do acordo entre Bogotá e Washington, foi anunciado outro convênio, desta vez entre Estados Unidos e Panamá, para a construção de quatro bases aeronavais, duas no Pacífico e duas no Atlântico. Segundo declarações do ministro do Governo do Panamá, José Raúl Molino, as bases seriam panamenhas3, algo difícil de acreditar se levados em conta o investimento, a disparidade de forças e a pressão estadunidense para controlar o Canal, sob a justificativa de combater a atividade de traficantes de drogas e armas, e de terroristas. De fato, a segurança do corredor interroceânico é motivo de fixação para o Pentágono, que por meio de seu Comando Meridional organiza, desde 2003, exercícios militares batizados de Panamax. Entre 16 e 17 de agosto passado, foram empreendidas manobras militares patrocinadas por Estados Unidos e Panamá, das quais participaram 2 mil pessoas, militares e civis, provenientes de 18 países do continente. O objetivo divulgado era assegurar uma resposta às ameaças não governamentais que caracterizam o século XXI, e estabilizar zonas em casos de catástrofes mediante o uso de uma força multinacional.4Por falta de verba, os exercícios de simulação foram realizados simultaneamente entre as bases estadunidenses de Mayport (Flórida) e Norfolk (Virgínia), assim como na capital do Panamá. Apenas as operações terrestres em zonas costeiras foram feitas por tropas centro-americanas sob comando panamenho. A luta contra o narcotráfico é também a justificativa oficial para, desde 1º de julho até 31 de dezembro deste ano, autorizar cerca de 7 mil marines a operar na Costa Rica com 46 navios de guerra capazes de mobilizar até 200 helicópteros e aviões. Tudo isso em um país que não tem forças armadas [ver box]. Para justificar o acordo, a presidente Laura Chinchilla argumenta que a polícia local e a guarda costeira não estão em condições de controlar a passagem de grandes carregamentos de drogas pelo território costa-riquenho. Chinchilla afirma também que em seu território se estabeleceram cartéis de narcotraficantes mexicanos e colombianos. Iniciativa Mérida Junto com a República Dominicana e o Haiti, a Costa Rica participa da Iniciativa Mérida – mais conhecida como Plano México –, também orientada para a luta ao narcotráfico. Chinchilla aspira uma ampliação da Iniciativa para que toda a região conte com os meios e a ajuda estadunidenses.5 No ano passado, os países membros receberam US$ 110 milhões e o México US$ 300 milhões.6 Apesar dessas medidas, desde que Felipe Calderón assumiu a presidência, há apenas 4 anos, o México vive uma guerra interna que já custou 28 mil mortos entre narcotraficantes, policiais, militares e políticos envolvidos ou não em alianças com o crime organizado, além de cidadãos inocentes. A gravidade da situação levou tanto o México como os Estados Unidos a chamar diversos cartéis de traficantes de “terroristas”. São terroristas de fato, ainda que longe do sentido político com o qual tentam relacioná-los. De qualquer forma, essa qualificação repercute em questões de ordem interna, como se pode imaginar. O narcoterrorismo é usado, também, como justificativa para os Estados Unidos continuarem bloqueando a ferro e fogo a conflituosa fronteira do norte mexicano. Por um lado, está o recrudescimento das leis imigratórias (as do Arizona são o exemplo mais recente), o muro de concreto e os sensores virtuais que separam os dois países. Por outro, os Estados Unidos decidiram aprovar um pacote de US$ 600 milhões para o monitoramento da fronteira, o que inclui o uso de aviões sem tripulação e envio de 1,5 mil homens para controle e patrulha, entre funcionários aduaneiros, de imigração e agentes da Guarda Nacional.7 Se para a fronteira do México são enviados aviões não tripulados, em Belize, a pedido do governo desse país, o Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos (US Socom) está testando helicópteros, também sem tripulação e equipados com radares, cuja versatilidade de voo pode detectar pessoas e veículos debaixo da densa folhagem da floresta.8 A essas iniciativas somaram-se outras três, em agosto passado. A primeira delas é a missão SPS 2010 em Barbados, articulada com as forças de defesa desse país.9 Uma segunda consiste no envio de ajuda de militares estadunidenses a comunidades indígenas e camponesas na baía de Málaga, Colômbia, localizadas nas proximidades da base naval incluída no acordo entre Bogotá e Washington.10 O objetivo seria conhecer a idiossincrasia e cultura dessas comunidades, aspecto atualmente levado em consideração pela doutrina militar dos Estados Unidos. A terceira iniciativa é o intercâmbio entre médicos militares estadunidenses e do Suriname sobre técnicas em casos de catástrofes naturais.11 A ideia – ou desculpa – é que os Estados Unidos, além de recursos, ganharam experiência no assunto com o furacão Katrina que devastou Nova Orleans em 2005 e, mais recentemente, com a intervenção no Haiti após o terremoto em janeiro passado. Em uma ação, que para muitos denota o início de um protetorado, os Estados Unidos enviaram 3,5 mil soldados ao Haiti para garantir a ordem e proporcionar ajuda humanitária12, além de participar de tarefas de reconstrução administrativa e institucional. No total, 22 mil pessoas foram mandadas ao país, segundo dados do general Doug Fraser13. Cerca de 500 membros da Guarda Nacional estadunidense permaneceram na ilha e participam da missão Novos Horizontes14. Essas iniciativas avançam devido a pressões do Pentágono e dos setores mais conservadores. Contudo, a crise econômica obrigou a Casa Branca a cortar gastos. No setor militar, a redução chegaria a 10% do orçamento, desde que seja aprovada pelo Congresso. Nesse caso, os contratos com empresas de segurança privada seriam restringidos, as promoções de cargo suspensas, o setor administrativo reduzido e o Comando de Forças Conjuntas (JFC, em inglês) – cuja missão é treinar e reunir soldados provenientes de distintas forças para operar conjuntamente –, eliminado. Esses cortes economizariam US$ 100 bilhões em cinco anos, parcela de um orçamento que, só para 2010, foi calculado em US$ 700 bilhões15 e representa 43% do gasto militar mundial. Na realidade, essas “economias” já estavam previstas em razão da racionalização e reorientação de estratégias e táticas por novas tecnologias e novos desafios. A tática dos Estados Unidos é evitar a proliferação de instalações militares e, mediante acordos, servir-se de países amigos, aos quais o Pentágono retribui com melhorias e adequações das suas necessidades tático-estratégicas. Comunhão de interesses? Essa lógica responde à necessidade de estreitar relações com sócios e aliados. A aparição de outros países de peso no cenário mundial, como China e Índia, impulsiona os Estados Unidos a se afirmar como grande potência capaz de assumir cenários de guerra à distância.16 Quanto à América Latina, a parceria pressupõe uma comunhão de interesses e objetivos. Os Estados Unidos declaram que buscam a paz, a segurança e a prosperidade a partir da sua peculiar visão cêntrica, que pressupõe preparar seus sócios e aliados para enfrentar as ameaças que rondam o continente: migrações ilegais, narcotráfico, crime organizado, narcoterrorismo. Nessa perspectiva, os países que desdenham dessas ameaças, ou pior, que as amparam (como a Venezuela, por exemplo), estariam expostos a um eventual golpe de Estado mais ou menos disfarçado – como aconteceu em Honduras – e, em última instância, a uma agressão militar17. A expansão da já massiva presença militar no último período responde efetivamente à necessidade estadunidense de estar em condições de utilizar algum desses recursos. Cenários desfavoráveis Com as evidentes dificuldades derivadas de situações, culturas e governos distintos, vários países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela) têm adotado um caminho diferente, senão oposto, aos objetivos e decisões dos Estados Unidos. Ao contrário do que ocorria no passado, alguns conflitos regionais têm sido dirimidos internamente, como o caso entre Colômbia e Equador e, recentemente, entre Colômbia e Venezuela. A Unasul enfrentou esses problemas – que poderiam causar rompimentos e tensões – com muito êxito. Também nessa linha, alguns processos foram dinamizados, como a criação do Centro de Estudos Estratégicos, por parte do Conselho de Defesa Sul-Americano. O Centro terá como objetivo estudar as ameaças que rondam o continente e propor estratégias comuns, mas respeitando a soberania de cada Estado. A forma como foram resolvidos alguns conflitos recentes seria uma prova da possibilidade de prescindir de organismos interamericanos como a OEA, nos quais se impõe a vontade (e os interesses) dos Estados Unidos. O presidente Lula chegou a reivindicar a necessidade de uma organização como a OEA, mas sem Estados Unidos e Canadá. A iniciativa não teve consequências até o momento, mas é reveladora de uma situação política regional inédita. Adriana Rossi é doutora em filosofia, professora na Universidade Nacional de Rosário , na Argentina, e do Mestrado em Uso Indevido de Drogas da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires. Ex-secretária executiva da Rede Latino-Americana de Redução de Danos (RELARD), é especialista na temática do narcotráfico e das doutrinas militares. 1 “Acordo complementar para a Cooperação e Assistência Técnica em Defesa e Segurança entre os Governos da República da Colômbia e dos Estados Unidos”, www.analitica.com, 5 de novembro de 2009. Este acordo foi declarado improcedente e não pode ser aplicado por vícios de formas, segundo decisão da Corte Constitucional colombiana de 17 de agosto de 2010. “Las bases de Estados Unidos vuelven a agitar el debate en Colombia” [As bases estadunidenses voltam a agitar o debate na Colômbia], www.clarin.com, 19 de agosto de 2010. 2 Na Declaração de Princípios são estabelecidos mecanismos binacionais de cooperação em termos de comércio, infraestrutura, desenvolvimento econômico e social e segurança. Especial importância é conferida à necessidade de eliminar condições socioeconômicas desfavoráveis das populações de fronteira, ambientes privilegiados para a ação da guerrilha. Presidência da República da Colômbia, “Declaração de Princípios”, http://wsp.presidencia.gov.co, 10 de agosto de 2010. 3 “Ministro panameño desmiente construcción de bases militares de EE.UU” [Ministro panamenho desmente construção de bases militares de Estados Unidos], www.telesurtv.net , 12 de novembro de 2009. 4 “Multinational Panamax 2010 exercise begins” [Começam os exercícios da multinacional Panamax] www.southcom.mil, 17 de agosto de 2010. 5 “Costa Rica wants US anti-drug program for CentAm” [Costa Rica defende programa antidrogas estadunidense para a América Central], www.google.com/hostednews/ap/article, 18 de agosto de 2010. 6 Ibid. 7 “Aprueba Congreso de EE.UU. más efectivos para zona fronteriza” [Congresso aprova mais efetivos para a zona de fronteira], www.frontera.info, 11 de agosto de 2010. 8 “A160T Flies Forester in Belize” [A160T sobrevoa florestas em Belize], www.aviationweek.com/aw/blogs/defense/, 9 de agosto de 2010. 9 “HSV Swift begins SME exchanges in Barbados” [HSV Swift começa intercâmbio de operações militares em Barbados], www.southcom.mil, 12 de agosto de 2010. 10 “Sailors from US New Orleans help Colombian Community” [Navais de Nova Orleans ajudam a comunidade colombiana], www.southcom.mil, 13 de agosto de 2010. 11 “U.S. Army conducts Medical Meadiness Exchange with Surinam Armed Forces” [Exército norte-americano conduz intercâmbios médicos com as forças armadas do Suriname] www.southcom.mil, 10 de agosto de 2010. 12 “Obama mandó 3.500 soldados y US $100 millones” [Obama enviou 3,5 mil soldados e US$ 100 milhões], www.clarin.com, 15 de janeiro de 2010. 13 “One Year in Command United States Southern Command” [Um ano de Comando dos Estados Unidos no Comando Meridional], www.southcom.mil, 4 de agosto de 2010. 14 “Soldados americanos terminan la misión que iniciaron en Haití después del sismo” [Soldados americanos terminan a missão iniciada no Haiti após terremoto], www.hoy.com.ec, 2 de junho de 2010. 15 “Anuncian recortes en Defensa en EE.UU” [Anunciados cortes na Defesa norte-americana] http://noticias.latino.msn.com, 9 de agosto de 2010. 16 Departamento de Defesa, op. cit. 17 Ver o documento do Comando Sul, que mantém sua validez apesar de ter sido redigido durante a administração Bush. Comando Meridional dos Estados Unidos, “Command Strategy 2016. Partnership for the Americas” [Estratégia de comando 2016], www.southcom.mil. Link para a matéria: http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=765 Fonte: Le Monde Diplomatique |
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Os memorandos da tortura
Outras vozes |
Sábado, 23 Outubro 2010 02:00 |
Noam Chomsky Os memorandos da tortura liberados recentemente pela Casa Branca provocaram choque, indignação e surpresa. O choque e a indignação são compreensíveis — em particular os testemunhos do Relatório do Comitê dos Serviços das Forças Armadas do Senado sobre o desespero de Cheney-Rumsfeld para encontrar ligações entre o Iraque e a al-Qaida, ligações que foram mais tarde urdidas como justificação para a invasão, independentemente dos fatos. O ex psiquiatra do exército, o major Charles Burney, testemunhou que "uma grande parte do tempo concentrou-se em tentar estabelecer uma ligação entre a al-Qaida e o Iraque. Quanto mais frustradas as pessoas ficavam por não serem capazes de estabelecer esta ligação... mais pressão havia para recorrer a medidas que pudessem produzir efeitos mais imediatos"; isto é, tortura. À imprensa McClatchy reportou que um antigo oficial superior dos serviços de informações familiarizado com o tema do interrogatório acrescentou que "a administração Bush aplicou pressão sem descanso sobre os interrogadores para usarem métodos duros sobre os detidos em parte para encontrar provas de cooperação entre a al-Qaida e o regime do antigo ditador iraquiano Saddam Hussein (...) [Cheney e Rumsfeld] exigiram que os interrogadores encontrassem provas de colaboração al-Qaida/Iraque... Houve constante pressão sobre as agências de informações e os interrogadores para fazerem o que fosse preciso para extraírem essa informação dos detidos, especialmente dos poucos de alto valor que possuíamos, e quando as pessoas continuavam a aparecer de mãos vazias, o pessoal de Bush e de Cheney dizia-lhes para tentarem com maior dureza" [1]. Estas foram as revelações mais significativas, praticamente não reportadas. Enquanto tais testemunhos sobre a depravação e o engano da administração deviam ser de fato chocantes, a surpresa perante o quadro geral exposto é, ainda assim, surpreendente. Um motivo estreito é que, mesmo sem inquérito, era razoável supor que Guantânamo fosse uma câmara de tortura. Por que outra razão enviar prisioneiros para onde eles estariam fora do alcance da lei – por sinal, um lugar que Washington está a utilizar em violação de um tratado que foi forçado sobre Cuba sob a mira de uma arma? Razões de segurança são alegadas, mas é difícil levá-las a sério. As mesmas expetativas são válidas para as prisões secretas e para as entregas [extraordinárias], e foram cumpridas. Um motivo mais amplo é que a tortura tem sido uma prática rotineira desde os primeiros dias da conquista do território nacional, e a partir de então, à medida que as empreitadas imperiais do "império nascente" – como George Washington chamava à nova República – se estendiam para as Filipinas, o Haiti e outros lugares. Além disso, a tortura foi o menor de muitos crimes de agressão, terror, subversão e estrangulamento econômico que escureceram a história dos Estados Unidos, tanto como no caso doutras grandes potências. Assim, é surpreendente assistir às reações mesmo de alguns dos mais frontais críticos da maldade de Bush: por exemplo, que costumavamos ser "uma nação de ideais morais" e que nunca antes de Bush "os nossos líderes traíram tão completamente tudo o que a nossa nação defende" (Paul Krugman). Para dizer o mínimo, esse ponto de vista comum reflete uma versão particularmente distorcida da história. Ocasionalmente, o conflito entre "o que defendemos" e "o que fazemos" tem sido abordado frontalmente. Um distinto acadêmico que empreendeu esta tarefa é Hans Morgenthau, um dos fundadores da teoria realista das relações internacionais. Num estudo clássico escrito no calor de Camelot, Morgenthau desenvolveu a visão padrão de que os EUA têm uma "finalidade transcendente": estabelecer a paz e a liberdade em casa e mesmo em toda parte, uma vez que "a arena dentro da qual os Estados Unidos devem defender e promover a sua finalidade se tornou mundial". Mas, como acadêmico escrupuloso, ele reconheceu que o registro histórico é radicalmente inconsistente com a "finalidade transcendente" da América. Não devemos, contudo, ser enganados por essa discrepância, aconselha Morgenthau: nas suas palavras, não se deve "confundir o abuso da realidade com a própria realidade". A realidade é a "finalidade nacional" não alcançada revelada pela "evidência da história tal como a nossa mente a reflete". O que aconteceu realmente é apenas o "abuso da realidade". Confundir abuso da realidade com a realidade é semelhante ao "erro do ateísmo, que nega a validade da religião por motivos similares". Uma comparação apropriada. A liberação dos memorandos da tortura levou outros a reconhecer o problema. No New York Times, o colunista Roger Cohen fez a revista de um livro do jornalista britânico Geoffrey Hodgson, que concluiu que os EUA são "apenas um país grande, mas imperfeito, entre outros países". Cohen concorda que a evidência apoia o julgamento de Hodgson, mas considera-o como essencialmente errado. O motivo é a falha de Hodgson em entender que a "América nasceu como uma ideia e, portanto, precisa levar essa ideia por diante". A ideia americana é revelada pelo nascimento da América como uma "cidade numa colina", uma "noção inspiradora" que reside "no fundo da psique americana"; e pelo "espírito distintivo do individualismo e empreendedorismo americanos" demonstrados na expansão do oeste. O erro de Hodgson é que ele se limita às "distorções da ideia americana nas últimas décadas", ao "abuso da realidade" nos últimos anos. Voltemo-nos então para a "própria realidade": a "ideia" de América desde os seus primeiros dias. A frase inspiradora "cidade numa colina" foi cunhada por John Winthrop em 1630, tomada do Novo Testamento, e delineando o futuro glorioso de uma nova nação "ordenada por Deus". Um ano antes, a Colônia da Baía de Massachusetts estabeleceu o seu Grande Selo. Retrata um índio com um pergaminho saindo da sua boca. Nele estão as palavras "Venham e ajudem-nos". Os colonos britânicos eram, assim, humanistas benevolentes, respondendo aos apelos dos miseráveis nativos para serem salvos do seu amargo destino pagão. O Grande Selo é uma representação gráfica da "ideia da América", desde o seu nascimento. Devia ser exumado das profundezas da psique e exibido nas paredes de cada sala de aula. Devia certamente aparecer como pano de fundo de toda a adoração estilo Kim Il-Sung do assassino e torturador selvagem Ronald Reagan, que venturosamente se descreveu como o líder de uma "cidade brilhante sobre a colina", enquanto orquestrava alguns dos crimes mais hediondos dos seus anos no cargo, deixando um legado horrível. Esta proclamação precoce de "intervenção humanitária", para utilizar o termo atualmente em voga, acabou por ser muito parecida com as suas sucessoras, fatos que não eram obscuros para os agentes. O primeiro Secretário da Guerra, o general Henry Knox, descreveu "a extirpação total de todos os índios nas regiões mais populosas da União" por meios "mais destrutivos para os nativos indígenas que a conduta dos conquistadores do México e do Peru". Muito depois das suas próprias contribuições significativas para o processo terem passado, John Quincy Adams lamentou o destino "dessa raça infeliz de americanos nativos, que estamos a exterminar com uma crueldade tão impiedosa e pérfida [...] entre os pecados hediondos desta nação, pelos quais acredito que Deus um dia [a] vai trazer a julgamento". A crueldade implacável e traiçoeira continuou até que "o Oeste foi conquistado". Em vez do julgamento de Deus, os pecados hediondos só trazem elogios pela realização da "ideia" americana [2]. Houve, é certo, uma versão mais conveniente e convencional, expressa, por exemplo, pelo juiz do Supremo Tribunal Joseph Story, que ponderou que "a sabedoria da Providência" levou os nativos a desaparecer como "as folhas secas do Outono", embora os colonos os tenham "sempre respeitado" [3]. A conquista e colonização do Oeste demostrou de fato individualismo e empresa. Empreendimentos colonizadores-colonialistas, a forma mais cruel de imperialismo, normalmente o fazem. O resultado foi saudado pelo respeitado e influente senador Henry Cabot Lodge em 1898. Apelando à intervenção em Cuba, Lodge elogiou o nosso recorde "de conquista, colonização e expansão territorial inigualado por qualquer povo no século 19", e instou a que "não seja refreado agora", uma vez que os cubanos também nos estão a pedir para ir e ajudá-los [4]. O seu pedido foi respondido. Os EUA enviaram tropas, impedindo assim a libertação de Cuba da Espanha e transformando-a numa colônia na prática, permanecendo desse modo até 1959. A "ideia americana" é ainda ilustrada pela campanha notável, iniciada quase imediatamente, para restaurar Cuba no seu devido lugar: guerra econômica com o objetivo claramente articulado de punir a população para que derrubasse o governo desobediente; invasão; a dedicação dos irmãos Kennedy a levar "os terrores da terra" a Cuba (a frase do historiador Arthur Schlesinger, na sua biografia de Robert Kennedy, que assumiu a tarefa como uma das suas maiores prioridades); e outros crimes que continuam até ao presente, desafiando a opinião pública mundial praticamente unânime. Há certamente críticos, que sustentam que os nossos esforços para levar a democracia a Cuba falharam, por isso devemos recorrer a outras formas de "ir e ajudá-los". Como é que estes críticos sabem que o objetivo era levar a democracia? Há provas: assim o proclamam os nossos líderes. Há também contra-provas: o registro interno desclassificado, mas isso pode ser descartado como apenas "o abuso da história". O imperialismo norte-americano é muitas vezes recuado à tomada de Cuba, Porto Rico e Havaí, em 1898. Mas isso é sucumbir ao que o historiador do imperialismo Bernard Porter chama de "falácia da água salgada", a ideia de que a conquista só se torna imperialismo quando atravessa água salgada. Assim, se o Mississippi se assemelhasse ao mar da Irlanda, a expansão ocidental teria sido imperialismo. De Washington a Lodge, aqueles empenhados na empresa tinham uma compreensão mais clara. Depois do sucesso da intervenção humanitária em Cuba em 1898, o próximo passo na missão atribuída pela Providência foi conferir "as bênçãos da liberdade e da civilização sobre todas as pessoas salvas" das Filipinas (nas palavras da plataforma do Partido Republicano de Lodge) – pelo menos àqueles que sobreviveram ao ataque assassino e à tortura em grande escala e outras atrocidades que o acompanharam. Estas almas afortunadas foram deixadas à mercê da polícia filipina instalada pelos EUA dentro de um modelo recém-concebido de dominação colonial, contando com forças de segurança treinadas e equipadas para modos sofisticados de vigilância, intimidação e violence [5]. Modelos similares foram adotados em muitas outras áreas onde os EUA impuseram Guardas Nacionais brutais e outras forças clientes, com consequências que deviam ser bem conhecidas. Nos últimos sessenta anos, vítimas em todo o mundo também sofreram o "paradigma da tortura" da CIA, desenvolvido a um custo que chegou a bilhões de dólares anualmente, segundo o historiador Alfred McCoy, que mostra que os métodos surgiram com pouca alteração em Abu Ghraib. Não há exagero quando Jennifer Harbury intitula o seu penetrante estudo do registro de tortura dos EUA, Truth, Torture, and the American Way [Verdade, Tortura, e o Modo de Vida Americano]. É altamente enganoso, para dizer o mínimo, quando os investigadores da descida do bando de Bush ao esgoto lamentam que "ao empreender a guerra contra o terrorismo, a América perdeu o seu caminho" [6]. Bush-Cheney-Rumsfeld etc. introduziram inovações importantes. Normalmente, a tortura é entregue a subsidiárias, não realizada diretamente por americanos nas câmaras de tortura instaladas pelo governo. Allan Nairn, que levou a cabo algumas das investigações mais reveladores e corajosas da tortura, salienta que "O que a [proibição de tortura] de Obama ostensivamente exclui é aquela pequena porcentagem de tortura agora feita por americanos, ao mesmo tempo que mantém o grosso do sistema da tortura, que é feita por estrangeiros sob patrocínio dos EUA. Obama poderia deixar de apoiar as forças estrangeiras que torturam, mas optou por não o fazer". Obama não encerrou a prática da tortura, observa Nairn, mas "meramente a reposicionou", restaurando-a segundo a norma, uma questão de indiferença para com as vítimas. Desde o Vietnã, "os EUA viram a sua tortura principalmente feita para si por procuração – pagando, armando, treinando e orientando estrangeiros que a praticavam, mas normalmente tendo o cuidado de manter os americanos pelo menos um discreto passo ao lado". A proibição de Obama "nem sequer proíbe a tortura direta por americanos fora de ambientes de "conflito armado", que é onde de qualquer forma acontece muita da tortura, uma vez que muitos regimes repressivos não estão em conflito armado [...] o seu é um retorno ao status quo anterior, o regime de tortura de Ford até Clinton, que, ano após ano, muitas vezes produzia mais agonia por meio de tortura apoiada pelos EUA do que a que foi produzida durante os anos Bush/Cheney" [7]. Às vezes, o envolvimento na tortura é mais indireto. Num estudo de 1980, o especialista em assuntos da América Latina Lars Schoultz concluiu que o auxílio dos EUA "tendeu a fluir de forma desproporcionada para os governos latino-americanos que torturam os seus cidadãos,... para os relativamente notórios violadores dos direitos humanos fundamentais do hemisfério". Isso inclui a ajuda militar, é independente da necessidade, e atravessa os anos Carter. Estudos mais amplos de Edward Herman encontraram a mesma correlação, e também sugeriram uma explicação. Sem surpresa, a ajuda dos EUA tende a correlacionar-se com um clima favorável para as operações de negócios, e isso é normalmente melhorado pelo assassinato de organizadores de trabalhadores e camponeses e de ativistas dos direitos humanos, e por outras ações do mesmo tipo, produzindo uma segunda correlação entre a ajuda e violações flagrantes dos direitos humanos [8]. Estes estudos precedem os anos Reagan, quando o assunto não valia a pena estudar porque as correlações eram tão claras. E as tendências continuam até ao presente. Não admira que o presidente nos aconselhe a olhar em frente, não para trás – uma doutrina conveniente para aqueles que seguram os tacos. Aqueles que são batidos por eles tendem a ver o mundo de forma diferente, para nosso grande aborrecimento. Pode argumentar-se que a aplicação do "paradigma da tortura" da CIA não viola a Convenção sobre a Tortura de 1984, pelo menos como Washington a interpreta. Alfred McCoy assinala que o paradigma altamente sofisticado da CIA, baseado na "mais devastadora técnica de tortura do KGB", fica-se basicamente pela tortura mental, não a bruta tortura física, que é considerada menos eficaz em transformar as pessoas em vegetais complacentes. McCoy escreve que a administração Reagan reviu cuidadosamente a Convenção Internacional de Tortura "com quatro 'reservas' diplomáticas detalhadas focadas em apenas uma palavra nas 26 páginas impressas da Convenção", a palavra "mental". Estas "reservas" diplomáticas intrincadamente construídas redefiniram a tortura, tal como interpretada pelos Estados Unidos, para excluir a privação sensorial e a dor auto-infligida – exatamente as técnicas que a CIA tinha refinado a tão grande custo". Quando Clinton enviou a Convenção da ONU ao Congresso para ratificação em 1994, incluiu as reservas Reagan. O Presidente e o Congresso, por conseguinte, dispensaram o núcleo do paradigma da tortura da CIA da interpretação estadunidense da Convenção de Tortura; e essas reservas, observa McCoy, foram "reproduzidas na íntegra na legislação nacional aprovada para dar força jurídica à Convenção das Nações Unidas". Essa é a "mina terrestre política" que "detonou com tal força fenomenal" no escândalo de Abu Ghraib e na vergonhosa Lei das Comissões Militares que foi aprovada com apoio bipartidário em 2006. Assim, após a primeira revelação do recurso de Washington à tortura, o professor de direito constitucional Sanford Levinson observou que talvez pudesse ser justificado em termos da definição da tortura "amiga do interrogador" adotada por Reagan e Clinton na sua revisão do direito internacional dos direitos humanos [9]. Bush, é claro, foi além dos seus predecessores ao autorizar violações prima facie do direito internacional, e várias das suas inovações extremistas foram canceladas pelos Tribunais. Enquanto Obama, como Bush, afirma eloquentemente o nosso firme compromisso com o direito internacional, parece determinado em restabelecer substancialmente as medidas extremistas de Bush. No importante caso de Boumediene vs Bush em junho de 2008, o Supremo Tribunal rejeitou como inconstitucional a alegação da administração Bush de que os prisioneiros de Guantânamo não estão habilitados ao direito de habeas corpus. Glenn Greenwald faz o rescaldo. Procurando "preservar o poder de raptar pessoas de todo o mundo" e aprisioná-las sem o devido processo, a administração Bush decidiu enviá-las para Bagram, tratando "a decisão Boumediene, fundamentada nas nossas mais elementares garantias constitucionais, como se fosse uma espécie de jogo bobo – transporte os seus prisioneiros raptados para Guantânamo e eles têm direitos constitucionais, mas leve-os em vez disso para Bagram e pode fazê-los desaparecer para sempre, sem processo judicial". Obama adotou a posição de Bush, "dando entrada no tribunal federal a uma alegação que, em duas frases, declarava que abraçava a mais extremista teoria de Bush sobre este assunto", argumentando que os prisioneiros levados para Bagram de qualquer parte do mundo – no caso em questão, iemenitas e tunisinos capturados na Tailândia e nos Emirados Árabes Unidos – "podem ser presos indefinidamente sem direitos de qualquer espécie – desde que sejam mantidos em Bagram em vez de Guantânamo". Em março, um juiz federal nomeado por Bush "rejeitou a posição Bush/Obama e sustentou que a argumentação de Boumediene se aplica a Bagram tanto como a Guantânamo". A administração Obama anunciou que iria apelar da decisão, colocando assim o Departamento de Justiça de Obama "diretamente à direita de um juiz extremamente conservador, favorável ao poder do executivo, 43º juiz nomeado por Bush, em questões do poder executivo e de detenções sem o devido processo", em violação radical das promessas de campanha de Obama e de posições anteriores [10]. O caso de Rasul versus Rumsfeld parece estar a seguir uma trajetória similar. Os queixosos alegaram que Rumsfeld e outros altos funcionários eram responsáveis pela sua tortura em Guantânamo, para onde eles foram enviados depois de terem sido capturados pelo senhor da guerra uzbeque Rashid Dostum. Dostum é um bandido famoso que era então um líder da Aliança do Norte, a facção afegã apoiada pela Rússia, Irã, Índia, Turquia e os Estados da Ásia Central, a que se juntou os EUA quando atacaram o Afeganistão em outubro de 2001. Dostum entregou-o então à custódia dos EUA, supostamente por uma recompensa. Os queixosos alegaram que tinham viajado para o Afeganistão para oferecer ajuda humanitária. O governo Bush procurou que o caso fosse rejeitado. O Departamento de Justiça de Obama preencheu uma minuta apoiando a posição de Bush de que os funcionários do governo não são responsáveis por torturas e outras violações do devido processo legal neste caso, porque os tribunais ainda não tinham estabelecido claramente os direitos de que os prisioneiros gozam [11]. Também é reportado que Obama tem a intenção de reavivar as comissões militares, uma das violações mais graves do Estado de Direito durante os anos Bush. Há uma razão. "Funcionários que trabalham na questão de Guantânamo dizem que os advogados do governo estão preocupados com a eventualidade de enfrentarem obstáculos significativos para julgar alguns suspeitos de terrorismo em tribunais federais. Os juízes poderiam tornar difícil processar detidos que foram sujeitos a tratamento brutal ou aos procuradores usar provas de ouvir dizer recolhidas pelas agências de inteligência" [12]. Uma falha grave no sistema de justiça criminal, ao que parece. Há muito debate sobre se a tortura tem sido eficaz na obtenção de informações – sendo o pressuposto, aparentemente, que se for eficaz, então pode ser justificada. Pelo mesmo argumento, quando a Nicarágua capturou o piloto dos EUA Eugene Hasenfuss, em 1986, após derrubar o seu avião que levava ajuda aos Contra de Reagan, eles não deveriam tê-lo julgado, considerá-lo culpado, e depois enviá-lo de volta aos EUA, como fizeram. Em vez disso, eles deveriam ter aplicado o paradigma de tortura da CIA para tentar extrair informações sobre outras atrocidades terroristas a ser planeadas e implementadas em Washington, não pouca coisa para um país pequeno e pobre sob ataque terrorista pela superpotência global. E a Nicarágua certamente devia ter feito o mesmo se tivesse sido capaz de capturar o principal coordenador do terrorismo, John Negroponte, então embaixador em Honduras, mais tarde nomeado czar do contraterrorismo, sem suscitar um murmúrio. Cuba deveria ter feito o mesmo se tivesse sido capaz de pôr as mãos nos irmãos Kennedy. Não há necessidade de trazer à tona o que as vítimas deviam ter feito a Kissinger, Reagan, e outros principais comandantes terroristas, cujas façanhas deixam a al-Qaida ao longe, e que, sem dúvida, tinham amplas informações que poderiam ter evitado mais "bombas-relógio". Tais considerações, que abundam, nunca parecem surgir no debate público. De acordo com isso, sabemos desde logo como avaliar os fundamentos sobre a informação valiosa. Há, com certeza, uma resposta: o nosso terrorismo, ainda que certamente terrorismo, é benigno, provindo como provém da cidade sobre a colina. Talvez a exposição mais eloquente dessa tese tenha sido apresentada pelo editor da New Republic, Michael Kinsley, um porta-voz respeitado da "esquerda". A America's Watch (Human Rights Watch) tinha protestado contra a confirmação do Departamento de Estado de ordens oficiais às forças terroristas de Washington para atacar "alvos suaves" – alvos civis indefesos – e evitar o exército nicaraguense, como puderam fazer, graças ao controle pela CIA do espaço aéreo da Nicarágua e aos sofisticados sistemas de comunicações fornecidos aos contra. Em resposta, Kinsley explicou que os ataques terroristas dos EUA contra alvos civis são justificados desde que satisfaçam critérios pragmáticos: uma "política sensata [deve] respeitar o critério de análise custo-benefício", uma análise da "quantidade de miséria e sangue que será derramado, e a probabilidade de que a democracia vá emergir do outro lado" [13] – "democracia" como as elites dos EUA determinam. Os seus pensamentos não suscitaram nenhum comentário, que seja do meu conhecimento, aparentemente considerados aceitáveis. Parece seguir-se, então, que os líderes dos EUA e os seus agentes não são culpados pela realização de tais políticas sensatas de boa fé, mesmo que o seu julgamento possa, por vezes, ter falhas. Talvez a culpabilidade fosse maior, pelas normas morais prevalecentes, se fosse descoberto que a tortura da administração Bush custa vidas americanas. Essa é, de fato, a conclusão retirada pelo major estadunidense Matthew Alexander [pseudônimo], um dos mais experientes interrogadores no Iraque, que extraiu "a informação que levou a que os militares dos EUA fossem capazes de localizar Abu Musab al-Zarqawi, o chefe da al-Qaida no Iraque", relata o correspondente Patrick Cockburn. Alexander expressa apenas desprezo pelos métodos de interrogatório severo: "O uso da tortura pelos EUA", acredita ele, não só não suscita nenhuma informação útil, mas "mostrou-se tão contraprodutivo que pode ter levado à morte de tantos soldados dos EUA como civis mortos no 11 de setembro". De centenas de interrogatórios, Alexander descobriu que os combatentes estrangeiros vieram para o Iraque em reação aos abusos em Guantânamo e Abu Ghraib, e que eles e os seus aliados domésticos se viraram para os atentados suicidas e outros atos terroristas pela mesma razão [14]. Também há evidências crescentes de que a tortura de Cheney-Rumsfeld criou terroristas. Um caso cuidadosamente estudado é o de Abdallah al-Ajmi, que foi preso em Guantânamo sob a acusação de "envolvimento em dois ou três combates com a Aliança do Norte". Acabou no Afeganistão depois de ter falhado em chegar à Tchetchenia para lutar contra a invasão russa. Após quatro anos de tratamento brutal em Guantânamo, foi devolvido ao Kuwait. Mais tarde, ele encontrou o seu caminho para o Iraque, e em março de 2008 dirigiu um caminhão-bomba carregado para um complexo militar iraquiano, matando-se a si e a 13 soldados – "o ato de violência singular mais hediondo cometido por um antigo detido de Guantânamo", reporta o Washington Post, o resultado direto da sua prisão abusiva, conclui o seu advogado de Washington [15] Tudo quanto uma pessoa razoável esperaria. Outro pretexto para a tortura é o contexto: a "guerra contra o terrorismo" que Bush declarou após o 11 de Setembro, um "crime contra a humanidade" levado a cabo com "maldade e crueldade impressionante", como Robert Fisk relatou. Esse crime tornou a lei internacional tradicional "inusitada" e "obsoleta", segundo o parecer dado a Bush pelo seu Assessor Jurídico, Alberto Gonzales, mais tarde nomeado procurador-geral. A doutrina tem sido amplamente reiterada em uma ou outra forma de comentário e análise. O ataque de 11 de Setembro foi, sem dúvida, único, em muitos aspectos. Um é o lugar para onde as armas estavam apontadas: normalmente é no sentido oposto. Na verdade, esse foi o primeiro ataque de alguma consequência no território nacional desde que os britânicos incendiaram Washington em 1814. Outra característica única é a escala de terror por um ator não-estatal. Mas, horrível como foi, poderia ter sido pior. Suponha-se que os autores haviam bombardeado a Casa Branca, matado o presidente e estabelecido uma cruel ditadura militar que matasse 700.000 pessoas e torturasse de 50 a 100.000, criado um enorme centro de terror internacional que levasse a cabo assassinatos e ajudasse a impor ditaduras militares comparáveis em outros lugares, e implementado doutrinas econômicas que destruíssem a economia de modo tão radical que o estado teria de praticamente tomar conta das coisas uns anos mais tarde. Isso teria sido muito pior do que o 11 de Setembro de 2001. E isso aconteceu, no que os latino-americanos frequentemente chamam de "o primeiro 11 de Setembro", em 1973. Os números foram alterados para equivalentes per capita, uma forma realista de medir crimes. A responsabilidade remonta em linha reta a Washington. Consequentemente, a – bastante apropriada – analogia está fora da consciência, enquanto os fatos são expedidos para o "abuso da realidade" que os ingênuos chamam história. Convém também recordar que Bush não declarou a "guerra contra o terrorismo", ele redeclarou-a. Vinte anos antes, a administração Reagan assumiu o cargo declarando que uma peça central da sua política externa seria uma guerra contra o terrorismo, "a praga dos tempos modernos" e "um retorno à barbárie no nosso tempo", para dar um exemplo da retórica febril da época. Essa guerra contra o terrorismo foi também excluída da consciência histórica, porque o resultado não pode ser facilmente incorporado ao cânone: centenas de milhares chacinados nos países da América Central arruinados e muitos mais noutros lugares. Entre eles, um número estimado de 1,5 milhões nas guerras terroristas patrocinadas em países vizinhos pelo aliado favorecido por Reagan, a África do Sul do apartheid, que teve de defender-se do Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, uma dos "mais notórios grupos terroristas" do mundo, determinou Washington em 1988 . Para ser justo, deve acrescentar-se que, 20 anos depois, o Congresso votou para retirar o CNA da lista de organizações terroristas, pelo que Mandela pode agora, finalmente, entrar nos EUA sem obter uma autorização do governo [16]. A doutrina reinante é por vezes chamada de "excepcionalismo americano". Não é nada disso. Provavelmente, é quase universal entre as potências imperiais. A França aclamava a sua "missão civilizadora", enquanto o Ministro da Guerra francês apelava ao "extermínio da população nativa" da Argélia. A nobreza do Reino Unido era uma "novidade no mundo", declarou John Stuart Mill, enquanto instava a que este poder angelical não delongasse mais a completar a sua libertação da Índia. Este ensaio clássico sobre a intervenção humanitária foi escrito logo após a revelação pública das atrocidades horripilantes do Reino Unido em 1857 na supressão da revolta indiana. A conquista do resto da Índia foi em grande parte um esforço para obter um monopólio do ópio para o enorme empreendimento de narcotráfico do Reino Unido, de longe o maior na história do mundo, delineado principalmente para obrigar a China a aceitar bens manufaturados do Reino Unido. Da mesma forma, não há razão para duvidar da sinceridade dos militaristas japoneses que estavam a trazer um "paraíso terrestre" para a China sob a benigna tutela japonesa, enquanto levavam a cabo a violação de Nanquim. A história está repleta de episódios gloriosos semelhantes. Enquanto permanecerem firmemente implantadas tais teses "excepcionalistas", as revelações ocasionais do "abuso da história" podem sair pela culatra, servindo para apagar crimes terríveis. O massacre de My Lai foi uma mera nota de rodapé para as atrocidades vastamente maiores dos programas de pacificação pós-Tet, ignoradas enquanto a indignação se centrava nesse único crime. O Watergate foi sem dúvida criminoso, mas o furor sobre ele iludiu crimes incomparavelmente piores em casa e no exterior – o assassinato organizado pelo o FBI do organizador negro Fred Hampton, como parte da infame repressão COINTELPRO, ou o bombardeamento do Camboja, para citar dois exemplos flagrantes. A tortura é horrível o suficiente; a invasão do Iraque é um crime muito pior. Muito frequentemente, as atrocidades seletivas têm esta função. A amnésia histórica é um fenômeno perigoso, não só porque mina a integridade moral e inteletual, mas também porque estabelece as bases para crimes que se avizinham. Notas [1] Report by the Senate Armed Services Committee on Detainee Treatment, pág. 72. Jonathan Landay, "Abusive tatics used to seek Iraq-al Qaida link", McClatchy news, 21/04/2009. Gordon Trowbridge, "Levin: Iraq link goal of torture", Detroit News, 22/04/2009. [2] Reginald Horsman, Expansion and American Indian Policy (Michigan State, 1967); William Earl Weeks, John Quincy Adams and American Global Empire (Kentucky, 1992). [3] Sobre o registro de justificações providencialistas para os crimes mais chocantes, e o seu papel mais geral na fabricação da "ideia americana", ver Nicholas Guyatt, Providence and the Invention of the United States, 1607-1876 (Cambridge 2007). [4] Citado por Lars Schoultz, That Infernal Little Cuban Republic (North Carolina, 2009). [5] Ibid. Alfred McCoy, Policing America's Empire (Wisconsin, 2009). [6] McCoy, A Question of Torture: CIA Interrogation, from the Cold War to the War on Terror (Metropolitan, 2006). Também McCoy, The U.S. Has a History of Using Torture, History News Network, 12/04/2006. Harbury, Truth, Torture, and the American Way (Beacon, 2005). Jane Mayer, The Battle for a Country's Soul, The New York Review of Books, 14/08/2008. [7] Allan Nairn, The Torture Ban that Doesn't Ban Torture: Obama's Rules Keep It Intact, and Could Even Accord With an Increase in US-Sponsored Torture Worldwide, News and Comment, 24/01/2009. [8] Schoultz, Comparative Politics, Jan. 1981. Herman, in Chomsky e Herman, Political Economy of Human Rights I, cap. 2.1.1 (South End, 1979); Herman, Real Terror Network, 1 (South End, 1982), 26 ff. [9] McCoy, "US has a history". Levinson, "Torture in Iraq & the Rule of Law in America", Daedalus, Verão de 2004. [10] Glenn Greenwald, Obama and habeas corpus – then and now, Salon, 11/04/2009. [11] Daphne Eviatar, Obama Justice Department Urges Dismissal of Another Torture Case, Washington Independent, 12/03/2009. [12] William Glaberson, US May Revive Guantanamo Military Courts, NYT, 01/05/2009. [13] Kinsley, Wall Street Journal, 26/03/1987. [14] Cockburn, "Torture? It probably killed more Americans than 9/11", Independent, 06/04/2009. [15] Anónimo (Rajiv Chandrasekaran), "From Captive to Suicide Bomber", WP, 22/02/2009. [16] Joseba Zulaika e William Douglass, Terror and Taboo (Routledge, 1996). Jesse Holland, AP, 09/05/2009. NYT. Fonte: Info Alternativa. Fonte em português: Diário Liberdade |
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Robert Fisk: A vergonha dos Estados Unidos exposta
Como de costume, os árabes sabiam. Eles sabiam tudo sobre as tortura em massa, o promíscuo tiroteio de civis, o escandaloso uso do poder aéreo contra casas de famílias, os cruéis mercenários norte-americanos e britânicos, os cemitérios de mortos inocentes. Todo o Iraque sabia. Porque eles eram as vítimas.
Só nós poderíamos fingir que não sabíamos. Somente nós, no Ocidente, poderíamos rechaçar cada acusação, cada afirmação contra os norte-americanos ou britânicos, colocando algum digno general - vêm à mente o pavoroso porta-voz militar dos EUA, Mark Kimmitt, e o terrível chefe do Estado Maior, Peter Pace - a nos cercar de mentiras.Leia também
Se encontrávamos um homem que tinha sido torturado, nos diziam que era a propaganda terrorista; se descobríamos uma casa cheia de crianças mortas em um ataque aéreo dos EUA, também era propaganda terrorista, ou dano colateral, ou uma simples frase: Nós não temos nenhuma informação sobre isso.Claro, nós sempre soubemos que eles tinham sim. E o oceano de memorandos militares que foi revelado no sábado voltou a demonstrar. A Al Jazeera tem chegado a extremos para rastrear as famílias iraquianas cujos homens e mulheres foram mortos em postos de controle estadunidenses - eu identifiquei alguns porque relatei, em 2004, o carro cravado de balas, os dois jornalistas mortos, até o nome do capitão local estadunidense - e foi o The Independent on Sunday o primeiro a alertar o mundo sobre as hordas de pistoleiros indisciplinados que eram levados a Bagdá para proteger os diplomatas e generais. Estes mercenários, que abriram caminho assassinando nas cidades do Iraque, me insultaram quando lhes disse que estava escrevendo sobre eles, em 2003.
É sempre tentador ignorar uma história dizendo que não há nada de novo. A ideia da história antiga é usada pelos governos para esfriar o interesse jornalístico, pois serve para cobrir a inatividade jornalística. E é verdade que os repórteres já tinham visto antes algo assim. A evidência de envolvimento iraniano na fabricação de bombas no sul do Iraque foi vazada pelo Pentágono para Michael Gordon, do New York Times, em fevereiro de 2007.
A matéria-prima, que agora podemos ler, é muito mais duvidosa do que a versão produzida pelo Pentágono. Em todo o Iraque havia material militar iraniano da guerra Irã-Iraque de 1980-1988, e a maioria dos ataques aos americanos foram realizados nesta fase por insurgentes sunitas.
De fato, os relatórios que sugerem que a Síria permitiu que insurgentes atravessassem seu território estão corretos. Eu falei com famílias de atacantes suicidas palestinos, cujos filhos vieram para o Iraque, a partir do Líbano, por meio da aldeia libanesa de Majdal e, depois, pela cidade nortenha síria de Alepo, para atacar americanos.
Mas, ainda que escrita em concisa linguagem militar, aqui está a evidência da vergonha estadunidense. É um material que pode ser usado por advogados em tribunal. Se 66.081 - me encantou esse 81 - é o número mais alto disponível de civis mortos, então, a cifra real é infinitamente maior, uma vez que este registro só se aplica para os civis dos quais os EUA tinham informações.
Alguns foram levados para o necrotério de Bagdá na minha presença, e foi o oficial a cargo que me disse que o Ministério da Saúde iraquiano tinha proibido os médicos de realizar autópsias dos civis levados por soldados dos EUA. Por que foi dada esta ordem? Teria algo a ver com os 1300 relatórios independentes dos EUA sobre a tortura nas instalações policiais iraquianas?
Os americanos não tiveram melhores resultados da última vez. No Kuwait, as tropas dos EUA podiam ouvir como os kuwaitianos torturavam palestinos nos quartéis de polícia depois que a cidade foi libertada das legiões de Saddam Hussein, em 1991. Até mesmo um membro da família real kuwaitiana participou de atos de tortura.
Os estadunidenses não intervieram e se limitaram somente a queixar-se à família real. Aos soldados sempre dizem que não intervenham. Depois de tudo, o que disseram ao tenente do Exército israelense, Avi Grabovsky, quando ele informou ao seu superior, em setembro de 1982, que falangistas aliados de Israel acabavam de matar mulheres e crianças? Nós já sabemos, nós não gostamos, não intervenha. Isso foi durante o massacre no campo de refugiados de Sabra e Chatila.
A citação vem do relatório da Comissão Kahan de Israel em 1983; sabe Deus o que leríamos, se Wikileaks conseguisse pôr as mãos nos arquivos do Ministério da Defesa de Israel (ou a versão síria, para o caso). Mas, é claro, naqueles dias, não sabíamos como usar um computador, muito menos escrever nele. E isso, naturalmente, é uma das lições importantes de todo o fenômeno Wikileaks.
Na Primeira Guerra Mundial, na segunda, ou no Vietnã, a pessoa escrevia seus informes militares em papel. Talvez os apresentasse triplicado, mas poderia enumerar as cópias, rastrear qualquer espionagem e evitar vazamentos. Os documentos do Pentágono estavam realmente escritos em papel. Mas o papel sempre se pode destruir, molhar, despedaçar até a última cópia.
Por exemplo, depois da guerra de 1914-1918, um segundo tenente Inglês matou um dos trabalhadores chineses que haviam saqueado um comboio militar francês. O chinês tinha ameaçado com uma faca ao soldado. Mas, durante o registro de 1930, o expediente dos soldados britânicos foi censurado três vezes, fato pelo qual não ficou do incidente maior rastro que um diário de guerra de um regimento que relatava o roubo, pelo chineses, do trem francês de suprimentos. A única razão pela qual eu estou ciente dessa morte é porque meu pai era o tenente britânico, e ele me contou a história antes de morrer. Naquele tempo não havia Wikileaks.
No entanto, suspeito que esta grande revelação de material da guerra no Iraque tem implicações sérias para jornalistas e exércitos também. Qual é o futuro dos Seymour Hershes e do jornalismo investigativo da velha escola, que o diário Sunday Times costumava praticar? Que sentido tem enviar equipes de jornalistas para investigar crimes de guerra e reunir-se com gargantas profundas militares se, de repente, quase meio milhão de documentos secretos vão acabar flutuando na frente de alguém em um monitor?
Nós ainda não atingimos o fundo da história da Wikileaks, e suspeito que há mais do que alguns soldados americanos envolvidos nesta última revelação. Quem sabe se não chega ao topo? Em suas investigações, por exemplo, a Al Jazeera encontrou um extrato de uma conferência de imprensa de rotina do Pentágono, em novembro de 2005.
Peter Pace, o nada inspirador chefe do Estado Maior conjunto, informa aos repórteres como os soldados deveriam reagir ante o tratamento cruel de prisioneiros, assinalando com orgulho que o dever de um soldado americano é intervir se observar sinais de tortura.
Em seguida, a câmera se move até a figura muito mais sinistra do secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que, de repente, interrompe quase num sussurro, para desespero de Pace: Eu não creio que queira o senhor dizer que os soldados são obrigados a interrompê-la fisicamente. Seu dever é denunciá-la.
Desde então, o significado desse comentário - enigmaticamente sádico à sua própria maneira - se perdeu nos diários. Mas agora o memorando secreto Frago 242 lança mais luz sobre essa conferência de imprensa. Presumivelmente enviada pelo general Ricardo Sanchez, a instrução aos soldados é: Supondo que a denúncia inicial confirme que as forças dos EUA não estavam envolvidas no abuso de prisioneiros, não se realizará maior investigação, a menos que o ordene o alto comando.
Abu Ghraib aconteceu sob a supervisão de Sanchez no Iraque. Sanchez também foi, claro, quem não pôde explicar-me, durante uma conferência de imprensa, por que seus homens mataram os filhos de Saddam Hussein em um tiroteio em Mosul, ao invés de capturá-los.
A mensagem de Sanchez, ao que parece, deve ter tido a aprovação de Rumsfeld. Da mesma forma, o general David Petraeus, tão amado pelos jornalistas norte-americanos, teria sido responsável pelo aumento dramático dos ataques aéreos dos EUA no decurso de dois anos: de 229 sobre o Iraque, em 2006, para 447 mil, em 2007. Curiosamente, os ataques aéreos dos EUA no Afeganistão aumentaram 172% desde que Petraeus assumiu o comando militar.
Tudo isso torna ainda mais surpreendente que o Pentágono agora rasgue as vestimentas porque Wikileaks poderia ter sangue nas mãos. O Pentágono tem estado manchado de sangue desde que deixou cair uma bomba atômica sobre Hiroshima em 1945, e, para uma instituição que ordenou a invasão ilegal do Iraque em 2003 - acaso o número de civis mortos não foi ali de 66 mil, de acordo com suas próprias contas, de uns 109 mil registrados? - é ridículo afirmar que Wikileaks é culpado de assassinato.
A verdade, claro, é que se este vasto tesouro de relatórios secretos tivesse demonstrado que o número de mortos era muito menor do que o que a imprensa proclamava, que as tropas dos EUA nunca toleraram a tortura pela polícia iraquiana, que raramente dispararam contra civis nos postos de controle e sempre levaram os assassinos mercenários à justiça, os generais americanos teriam entregado esses registros para a mídia, sem qualquer encargo, nas escadarias do Pentágono. Não só estão furiosos por terem quebrado o sigilo ou porque se tenha derramado sangue, mas porque eles foram pegos dizendo mentiras que nós sempre soubemos que diziam.
Fonte: The Independent Fonte da Matéria: Vermelho
A República Obscurantista Judia de Israel
16 Outubro 2010
Classificado em Internacional - Imperialismo
Fonte da matéria: PCB
Classificado em Internacional - Imperialismo
Gideon Levy, Haaretz, Telavive
O 10 de outubro de 2010 é dia que não se esquecerá. Israel mudou de caráter. Resultado da mudança, pode também mudar de nome: passará a chamar-se “República Judia de Israel”, como a “República Islâmica do Irã”. Sim, a lei “da lealdade” que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tenta aprovar visa, diretamente, só aos novos cidadãos não judeus. Mas afeta o destino de todos os israelenses.
De agora em diante, viveremos em país oficialmente autodefinido como etnocrático, nacionalista e racista.
Erra quem pense que não será afetado. Há uma maioria silenciosa que está aceitando tudo com apatia apenas levemente preocupada, como se dissesse: “Pouco me importa o país onde vivo”. E também erra quem suponha que o mundo continuará a relacionar-se com Israel como se aqui houvesse democracia, se essa lei for aprovada; no mínimo, é gente que não vê o que está acontecendo. A lei de Netanyahu é mais um passo que agride gravemente a imagem de Israel.
O primeiro-ministro Netanyahu provará hoje que, de fato, é ele o Avigdor Lieberman do Partido “Israel Nosso Lar”, e o ministro da Justiça Yaakov Neeman provará que, de fato, é membro leal do mesmo partido. O Partido Labor provará que é partido capacho. E Israel provará que nada sabe e nada pensa, de fato, sobre coisa alguma. Hoje, o projeto de lei “da lealdade”; amanhã, a lei do juramento de lealdade.
Hoje, cederá a última barreira que ainda contém a inundação que afogará o que resta da democracia israelense, até que só nos reste talvez um estado judeu cujo caráter ninguém entende, mas que, com absoluta certeza, já não será estado democrático. Os que hoje exigem aquele juramento de lealdade são os mesmos que se apropriam e traem o dever de lealdade democrática a estado democrático.
Na próxima reunião do Parlamento israelense serão discutidas cerca de 20 outros projetos de leis antidemocráticas. No fim de semana, a Associação pelos Direitos Civis de Israel divulgou uma lista negra de projetos de leis: lei de lealdade para os deputados; lei de lealdade para os produtores de filmes; lei de lealdade para as ONGs; lei que descriminaliza todas as ações que levaram à catástrofe, à Nakba dos palestinos; proibição absoluta de qualquer tipo de boicote a Israel; e uma lei que permite cassar a cidadania de cidadãos israelenses por crime de deslealdade ao estado.
É perigoso balé à moda McCarthy, dançado por deputados ignorantes que absolutamente não sabem o que é a democracia. É perigoso, mesmo que nem todos os projetos sejam aprovados, porque, ainda que só um deles seja convertido em lei, o destino e a essência de Israel terão sido alterados para sempre.
É fácil entender o pas-de-deux Netanyahu-Lieberman. Nacionalistas obcecados, ninguém espera que entendam que a democracia não é apenas o governo da maioria, mas antes, e muito mais importante, só há democracia onde se garantam os direitos das minorias. Muito mais difícil é entender a complacência das massas. Todas as ruas e praças de Israel já deveriam estar tomadas por cidadãos que não desejam ver seu país convertido em terra em que as minorias são oprimidas por leis draconianas, como essa que se prepara hoje, pela qual muitos israelenses serão obrigados a jurar em falso e prometer fidelidade impossível ao Estado judeu. Estranhamente, a maioria parece nada ver, nada entender, nada sentir.
Durante décadas, tratamos com futilidade a questão de saber o que é ser judeu. Agora, já não nos servirá de nada discutir essa questão. Trata-se agora de saber que tipo de estado corresponderá à “nação dos judeus”. A quem pertence esse estado: mais aos judeus da diáspora, ou mais aos cidadãos árabes-israelenses? Os árabes-israelenses decidirão, com seu voto, o destino do estado judeu e definirão sua democracia? Os judeus ultra-ortodoxos da seita Neturei Karta, que se opõem à existência do estado de Israel, e mais centenas de milhares de judeus que não se mudaram para Israel farão, doravante, o que bem entenderem da democracia israelense? O que será judeu? Só os feriados judeus? Só as regras da comida Kosher? A garra do establishment judeu fundamentalista aperta-se cada vez mais, como se não bastasse o que já fizeram até hoje, para perverter a democracia israelense.
A aprovação da lei de fidelidade a um estado judeu decidirá o destino de Israel. É bem possível que Israel converta-se em teocracia, como a Arábia Saudita.
Sim, sim, por hora, a frase ainda soa como slogan vazio, ridículo. Não se encontram três judeus que concordem sobre o que seja um estado judeu. Mas a história ensina que, também de slogan vazio se pavimenta o caminho para o inferno. Enquanto isso, o projeto de lei a ser votado no Parlamento de Israel só fará excluir ainda mais os árabes-israelenses. Com o tempo, conseguirá excluir segmentos cada vez maiores da população de Israel.
É o que acontece quando se jogam para baixo do tapete brasas ainda fumegantes, as brasas do pouco que os israelenses acreditam na justeza do caminho que Israel tem trilhado.
Só essa falta de confiança poderia produzir distorção tão gigantesca como a que há no projeto de lei a ser aprovado pelo Parlamento. Jamais ocorreria ao Canadá obrigar os canadenses a jurar fidelidade ao estado canadense. Nenhum outro país precisa desse tipo de juramento. Mas Israel, sim, carece dele.
A lei está sendo proposta, também, para provocar ainda mais a minoria árabe, para empurrá-los a atos cada vez mais desesperados e a ‘deslealdades’, de modo que, em breve, fique evidente que será necessário dizimar os árabes, livrar-se deles. Ou, então, a lei aparece agora para abortar qualquer possibilidade de paz com os palestinos. De um modo ou de outro, o estado judeu já foi fundado em Basel, no Primeiro Congresso Sionista, em 1897, como disse Theodor Herzl. Hoje, será fundada a República Obscurantista Judia de Israel.
Fonte: http://www.haaretz.com/print-edition/opinion/the-jewish-republic-of-israel-1.318135Fonte da matéria: PCB
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Derrotar Serra nas urnas e depois Dilma nas ruas
13 Outubro 2010
Classificado em PCB - Notas Políticas do PCB
Classificado em PCB - Notas Políticas do PCB
(Nota Política do PCB)
O PCB apresentou, nas eleições de 2010, através da candidatura de Ivan Pinheiro, uma alternativa socialista para o Brasil que rompesse com o consenso burguês, que determina os limites da sociedade capitalista como intransponíveis. As candidaturas do PCO, do PSOL e do PSTU também cumpriram importante papel neste contraponto.
Hoje, mais do que nunca, torna-se necessário que as forças socialistas busquem constituir uma alternativa real de poder para os trabalhadores, capaz de enfrentar os grandes problemas causados pelo capitalismo e responder às reais necessidades e interesses da maioria da população brasileira.
Estamos convencidos de que não serão resolvidos com mais capitalismo os problemas e as carências que os trabalhadores enfrentam, no acesso à terra e a outros direitos essenciais à vida como emprego, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, segurança, cultura e lazer. Pelo contrário, estes problemas se agravam pelo próprio desenvolvimento capitalista, que mercantiliza a vida e se funda na exploração do trabalho. Por isso, nossa clara defesa em prol de uma alternativa socialista.
Mais uma vez, a burguesia conseguiu transformar o segundo turno numa disputa no campo da ordem, através do poder econômico e da exclusão política e midiática das candidaturas socialistas, reduzindo as alternativas a dois estilos de conduzir a gestão do capitalismo no Brasil, um atrelando as demandas populares ao crescimento da economia privada com mais ênfase no mercado; outro, nos mecanismos de regulação estatal a serviço deste mesmo mercado.
Neste sentido, o PCB não participará da campanha de nenhum dos candidatos neste segundo turno e se manterá na oposição, qualquer que seja o resultado do pleito. Continuaremos defendendo a necessidade de construirmos uma Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, permanente, para além das eleições, que conquiste a necessária autonomia e independência de classe dos trabalhadores para intervirem com voz própria na conjuntura política e não dublados por supostos representantes que lhes impõem um projeto político que não é seu.
O grande capital monopolista, em todos os seus setores - industrial, comercial, bancário, serviços, agronegócio e outros - dividiu seu apoio entre estas duas candidaturas. Entretanto, a direita política, fortalecida e confiante, até pela opção do atual governo em não combatê-la e com ela conciliar durante todo o mandato, se sente forte o suficiente para buscar uma alternativa de governo diretamente ligado às fileiras de seus fiéis e tradicionais vassalos. Estrategicamente, a direita raciocina também do ponto de vista da América Latina, esperando ter papel decisivo na tentativa de neutralizar o crescimento das experiências populares e anti-imperialistas, materializadas especialmente nos governos da Venezuela, da Bolívia e, principalmente, de Cuba socialista.
As candidaturas de Serra e de Dilma, embora restritas ao campo da ordem burguesa, diferem quanto aos meios e formas de implantação de seus projetos, assim como se inserem de maneira diferente no sistema de dominação imperialista. Isto leva a um maior ou menor espaço de autonomia e um maior ou menor campo de ação e manobra para lidar com experiências de mudanças em curso na América Latina e outros temas mundiais. Ou seja, os dois projetos divergem na forma de inserir o capitalismo brasileiro no cenário mundial.
Da mesma forma, as estratégias de neutralização dos movimentos populares e sindicais, que interessa aos dois projetos em disputa, diferem quanto à ênfase na cooptação política e financeira ou na repressão e criminalização.
Outra diferença é a questão da privatização. Embora o governo Lula não tenha adotado qualquer medida para reestatizar as empresas privatizadas no governo FHC, tenha implantado as parcerias público-privadas e mantido os leilões do nosso petróleo, um governo demotucano fará de tudo para privatizar a Petrobrás e entregar o pré-sal para as multinacionais.
Para o PCB, estas diferenças não são suficientes qualitativamente para que possamos empenhar nosso apoio ao governo que se seguirá, da mesma forma que não apoiamos o governo atual e o governo anterior. A candidatura Dilma move-se numa trajetória conservadora, muito mais preocupada em conciliar com o atraso e consolidar seus apoios no campo burguês do que em promover qualquer alteração de rumo favorável às demandas dos trabalhadores e dos movimentos populares. Contra ela, apesar disso, a direita se move animada pela possibilidade de vitória no segundo turno, agitando bandeiras retrógradas, acenando para uma maior submissão aos interesses dos EUA e ameaçando criminalizar ainda mais as lutas sociais.
O principal responsável por este quadro é o próprio governo petista que, por oito anos, não tomou medida alguma para diminuir o poderio da direita na acumulação de capital e não deu qualquer passo no sentido da democratização dos meios de comunicação, nem de uma reforma política que permitisse uma alteração qualitativa da democracia brasileira em favor do poder de pressão da população e da classe trabalhadora organizada, optando pelas benesses das regras do viciado jogo político eleitoral e o peso das máquinas institucionais que dele derivam.
Considerando essas diferenças no campo do capital e os cenários possíveis de desenvolvimento da luta de classes - mas com a firme decisão de nos mantermos na oposição a qualquer governo que saia deste segundo turno - o PCB orienta seus militantes e amigos ao voto contra Serra.
Com o possível agravamento da crise do capitalismo, podem aumentar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas e a repressão aos movimentos populares. A resistência dos trabalhadores e o seu avanço em novas conquistas dependerão muito mais de sua disposição de luta e de sua organização e não de quem estiver exercendo a Presidência da República.
Chega de ilusão: o Brasil só muda com revolução!
PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
COMITÊ CENTRAL
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2010
Fonte: PCB
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