Sempre que ouço a palavra reforma política no Brasil (principalmente falada pela mídia) sinto um frio na espinha. O Brasil possui um longo histórico de problemas no seu sistema político, fruto do desenvolvimento histórico do país, com sua revolução burguesa tardia e incompleta, a ameaça constante de ditaduras militares para evitar qualquer movimento político que se aproximasse mais das massas, obrigando que os partidos de esquerda (mesmo com problemas imensos de compreensão da realidade nacional) vivessem na clandestinidade e perseguidos.
Com tudo isso a tranquilidade democrática, sem interrupções que o país vive desde 1985, é um fato inédito na história do país, tão inédito quanto um partido de esquerda que surgiu com uma base popular gigantesca como o PT chegar ao poder, governar oito anos e eleger uma sucessora.
Mesmo com esses três fatos inéditos, problemas que são inerentes da estrutura e superestrutura da sociedade, faz com que surjam casos de corrupção eleitoral, assim como a necessidade do governo negociar cargos ministeriais e das poucas estatais restantes para comprar o apoio no congresso, fora a eleição de figuras controversas para a câmara ou o senado.
Por isso vira e meche, surge algum arauto em defesa de uma “reforma política”. O fato que ninguém fala é que caso a redemocratização houvesse ocorrido muito mais com a participação popular, do que pelo acordo de comadres que transformou o Sarney em figura central da política nacional, talvez não precisássemos pensar em uma nova reforma política.
Como esse fato nunca é lembrado, veremos outra tentativa de mudança por cima, afinal os políticos não irão fazer uma audiência pública na Estação da Sé ou da Central do Brasil às 6 horas da tarde para perguntar o que a população quer. Como será papel de uma comissão do senado,elaborar o anteprojeto, quem irá se beneficiar será muito mais os partidos políticos, que provavelmente se fortalecerão, mas não num ponto em que os torne representantes de fato da sociedade.
Discutir uma reforma política na atual conjuntura do mundo[1] pode ter o efeito inverso, ao invés de aumentar a participação, tornar o país mais democrático, o que pode ocorrer é uma diminuição da representação da sociedade, fazendo com que os representantes diretos os deputados sejam escolhidos não pelo voto popular, mas pela liderança partidária.
Tirar a obrigatoriedade do voto num país sem cultura política pode fazer com que grupos minoritários mais bem organizados elejam mais representantes do que a população que não tem tempo para isso (os movimentos sociais são organizados, mas devido a sua crescente criminalização e pouco poder monetário, a CNA, elegeria mais deputados, do que o MST).
Financiamento público de campanha é necessário, mas o que vai impedir que durante o mandato o político vá mesmo se ater ao que for melhor ao seu eleitorado e não ao lobby de uma grande empresa. Caixa dois sempre existirá, mesmo por que a última campanha para presidente custou por volta de 200 milhões de reais para ambos os candidatos. O que precisa ser criado não é somente o financiamento público, é preciso acabar com os privilégios de casta aos quais os políticos brasileiros tem acesso, mas estar-se-ia falando de fazer uma revolução e não reforma.
Impor barreiras aos partidos políticos como necessidade de representação pode acabar com as famigeradas legendas de aluguel, mas podem também tornar o Partido Comunista Brasileiro ilegal novamente num momento em que ele tenta se refundar (após tantas cagadas feitas pelo Roberto Freire), ou mesmo o PSTU que vem crescendo aos poucos. Ou seja, ao invés de acabar com o fisiologismo tal medida pode diminuir a representatividade da esquerda.
O fato é que como as deficiências políticas brasileiras não foram resolvidas anteriormente, qualquer tentativa de se superar essas contradições feita por cima, e que não ataque suas raízes redundará em fracasso tornando a experiência democrática brasileira ainda mais cheia de falhas e sem representar de fato sua população.
João Vicente Nascimento Lins 23/02/2011