Assembléia dos professores em 20/03/2015 |
“Mas,
além dessa distinção funcional, as duas esferas distinguem-se ainda por uma materialidade (social) própria: enquanto
a ‘sociedade política’ tem seus portadores materiais nos ‘aparelhos coercitivos
de Estado’, os portadores materiais da sociedade civil são o que Gramsci chama
de ‘aparelhos ‘privados’ de hegemonia’. Enquanto os primeiros como o nome
indica, implicam um constrangimento do qual o governado não pode escapar (se
suas determinações não são cumpridas, isso tem como efeito uma sanção
coercitivamente aplicada), os segundos são organismos sociais ‘privados’, o que
significa que a adesão aos mesmos é voluntaria e não coercitiva, tornando-os
assim relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito; mas deve-se
observar que Gramsci põe o adjetivo ‘privado’ entre aspas, querendo com isso
significar que – apesar desse seu caráter voluntário ou ‘contratual’ – eles têm
uma indiscutível dimensão pública, na medida em que são parte integrante das relações de poder em dada sociedade.”
(COUTINHO, 2008, 54-55).
A
mídia, faz parte daquilo que Antonio Gramsci define como “aparelhos privados de
hegemonia”, ela portando, como diz essa pequena citação, cumpre um papel
fundamental na sociedade, que é o de transmitir valores e ideias que por sua
vez justificam e reafirmam aspectos de dominação de uma classe pela outra.
A
grande mídia nesse ponto, possui um papel estratégico, além de garantir a
reprodução do capital, sendo ela mesma uma cadeia produtiva dentro do
capitalismo, ela cumpre um papel de disseminação ideológica para a burguesia
como um todo, e para a fração da burguesia representada pelos donos dos
jornais, canais de tv, etc.
Não
é de se estranhar então, posicionamentos como os editoriais de “O Estado de São
Paulo” de 25 de março de 2015, e da Folha de São Paulo de 26 de março de 2015,
que são os dois principais jornais do país. Neles há um posicionamento frontal,
contrário à greve dos professores da rede pública no estado de São Paulo.
Posicionamento
que serve especificamente à um objetivo, criminalizar o movimento grevista,
jogando a culpa nos professores, classificando-os praticamente de vagabundos
por lutarem por seus direitos e dos alunos. Senão vejamos como é o caso de
manipulação da folha:
“Em cinco dias, 232 mil
servidores da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo começarão a receber
R$ 1 bilhão em bônus salariais. O valor supera em 42% o distribuído em 2014.
Apesar disso, a Apeoesp (sindicato dos professores) deflagrou mais uma greve. A
bonificação abrange todos os funcionários porque a rede estadual superou metas
pedagógicas em todos os níveis de ensino. Metade da categoria receberá ao menos
R$ 3.500, cifra significativa diante do salário-base de R$ 2.416 para a jornada
de 40 horas semanais. A remuneração mensal é 26% maior que o piso nacional do
magistério. Não pode ser considerada atraente, contudo.”
O
governador, que decidiu não negociar com a categoria, joga no pagamento dos bônus
de produtividade, a esperança de minar o movimento grevista. Os bônus foram
criados na linguagem da Secretaria de Educação, para na prática, incentivar as
escolas a melhorarem seus índices de “produtividade” (embora não usem esse
linguajar da esfera privada, na prática o desempenho acadêmico dos alunos em
provas que não medem essa capacidade, mas sim a capacidade de decorar, equivale
à uma produtividade média do saber, como se ele fosse igual à um outro produto
da educação, tipo o lápis). Além de se utilizarem metodologias arbitrárias, há
todo um estigma que perseguem as escolas que não atingem às metas, que passam a
ser “vigiadas” pela secretária da educação.
O
trabalho acadêmico, assim como o processo de ensino e aprendizagem não são
mercadorias, como os lápis, mas tanto a Secretária de Educação, como a
ideologia dominante nos quer fazer acreditar nisso. Eles são processos
complexos, que dependem também de pontos subjetivos, não são iguais para todos,
não podem ser aumentados através da pressão de chicotes. Assim, não é uma
simples bonificação que torna a vida dos professores melhores (muito embora
exista todo um discurso ideológico por trás que tente fazer os professores
aceitarem o bônus como se fosse algo natural), são uma gama de coisas, como
valorização profissional, condições de trabalho dignas, os alunos vivendo em
condições de vida dignas também, assim como um salário condizente com sua atividade.
Não há nenhuma linha que critique o valor do salário, ou mesmo do piso dos
professores, apesar de ser um estado rico, isso não torna os preços mais
baixos, o custo de vida, aliás tende a ser maior. O descalabro do jornal
continua:
“Esta Folha há muito defende
a valorização salarial da carreira docente, para que se torne capaz de recrutar
e manter os melhores talentos egressos das universidades. Parte dessa melhoria
deve vir na forma de premiação por desempenho, como tem feito o governo
paulista, mas também é crucial elevar as quantias de referência. Trata-se,
afinal, de profissão decisiva para o futuro do país. Quem trabalha duro para
educar e qualificar a população merece contrapartida adequada.”
É
difícil compreender, o jornal defende melhores condições de trabalho para o
professor, mas ao mesmo tempo ataca a greve que luta pela melhoria dessas
condições de trabalho, o objetivo aqui é claro, é não incentivar que
trabalhadores lutem, afinal de contas, faz parte do discurso burguês defender
como natural a diferenciação social originária da organização da produção, e
tomar isso como motor da sociedade, já que o objetivo de vida do trabalhador
deve ser, o de sempre se tornar patrão. Continuando:
“A Apeoesp, no entanto,
ultrapassa todas as medidas do razoável. Nesta paralisação, reivindica reajuste
de 75,33% nos proventos, de maneira a equipará-los com os ganhos de outras
categorias estaduais que exigem nível superior. O pleito é descabido. O
professorado tem obtido reajustes anuais; o último começou a ser pago em
agosto. A inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (IPCA).”
Contrariando
o próprio discurso no parágrafo anterior, o jornal que defende que os
professores recebam bons salários, se coloca contrário à reinvindicação da
categoria de ter seus ganhos equiparados com outras nobres profissões do
estado, que assim, como professores exigem diplomas de cursos universitários.
Um
exemplo cabal é que um juiz estadual ganhe por volta de 23 mil reais por mês,
enquanto o professor deve se virar com no máximo 2300 reais por mês em jornada
de carga cheia com 40 horas semanais em sala de aula, e precisando preparar nas
suas poucas horas de descanso, aulas, com poucos recursos didáticos.
Lembra
que o jornal acha natural a desigualdade na sociedade? Então, a resposta desse
paradoxo é justamente isso, se o professor não está satisfeito com sua condição
de trabalho, ele, que possui supostamente as mesmas condições a que o juiz teve
acesso, deve estudar, passar em um concurso e virar um juiz.
O
jornal faz uma defesa do governo estadual tão linda, que faria a assessoria de
imprensa do governo ficar com vergonha, afinal, em um momento de fragilidade do
governo, o sindicato dos professores tem a pachorra de exigir melhores
salários, o país está em crise, muito embora ela não atinja o setor bancário,
que deve investir em títulos da dívida do governo federal e estadual. O país de
fato vive uma crise econômica, o que não impede dos trabalhadores irem atrás de
seus direitos, ou coisas do tipo, afinal de contas, não há nada no contrato
social, assinado por todos que impeça isso, muito pelo contrário, a
constituição federal assegura greve para quase todas as categorias de
trabalhadores (a exceção são os militares). Mas continuando:
“Até um desvairado militante
esquerdista tem de reconhecer que nenhum governo, com a crise aguda da economia
e a inevitável queda na arrecadação de impostos, pode dispor de recursos para
expandir gastos de forma desmesurada. O irrealismo patente do movimento reforça
a conclusão de que seu objetivo seja menos corporativista que político.
Satélite da CUT e do PT, a Apeoesp se mostra inclinada a manobrar a categoria
para fustigar o governo estadual do PSDB.”
Agora
o jornal tenta jogar a culpa no PT (ajudando a divulgar aquela velha ideia de
que tudo de ruim no país é culpa da Dilma), ou seja, a greve é uma suposta
manobra do PT para enfraquecer o santo Geraldo Alckmin. Não custa lembra que
embora a Apeoesp seja um dos maiores sindicatos da América Latina e do Brasil,
o que teoricamente a tornaria um dos mais poderosos sindicatos do mundo, isso
não se traduziu em número de greves, ou mesmo de atividades contrárias ao
governo do estado de São Paulo nos últimos 12 anos. Ao contrário, caso o PT de
fato quisesse atazanar a vida do tucanato paulista, ele poderia parar todos os
setores do funcionalismo público do estado que são filiados à CUT.
E
o PT não faz isso, porque não quer ir ameaçar seus vínculos estreitos com os
setores da burguesia nacional à nível nacional, ou alguém duvida que a FIESP
não olharia torto para o Palácio do Planalto caso houvesse greves de todos os
sindicatos filiados à CUT. Fora o alto grau de desmobilização que atinge a
categoria dos professores e todas as outras. Vivemos em um tempo em que a
solidariedade de classe, um elemento que une professor e metalúrgico foi
praticamente extinto pela disseminação da ideologia da desigualdade que o
jornal propaga.
Um
outro elemento que joga por terra essa afirmação é a condição de precarização
que atinge os professores, caso a Apeoesp usasse toda a força que possui, não
haveria bizarrices como as categorias de contrato temporário do estado, já
haveria a hora atividade, e muito provavelmente não haveria o fechamento de
salas, bem como as precárias condições de ensino que existem em todo o estado
de São Paulo, afinal, quando essas medidas fossem anunciadas, bastaria ao
sindicato decretar greve para derruba-las o que não é o caso. A luta por
melhores condições de trabalho, é algo puxado nos últimos anos pela oposição da
Apeoesp, e que quando não convém a direção, nem é encampada. Por fim:
“Para isso, não hesita em
usar as famílias de 4 milhões de alunos como peões no xadrez partidário.
Centenas de milhares deles são forçados a perder aulas, mesmo que a paralisação
não atinja os proclamados 60% da categoria. Ao cruzar os braços poucas semanas
depois de iniciado o ano letivo, os professores em greve deixam a seus alunos a
lição de que o ensino figura entre as últimas de suas prioridades.”
O
jornal passa ao ataque direto contra a categoria, visando sua criminalização,
lembra que foi dito que o jornal defende a desigualdade entre trabalhadores e o
individualismo, então, ele joga aqui com as famílias, apontando para um suposto
problema de falta de sensibilidade dos professores para com seus alunos. Quando
é justamente ao contrário.
Para
começar as condições de ensino na rede pública são tão catastróficas, que
interromper ou não as aulas, pouca diferença faz para a vida dos alunos, eles
não deixam de aprender por conta dos professores não estar em sala de aula, mas
sim pelas péssimas condições das escolas, que contam com poucos recursos
pedagógicos. E por fim, os professores não lutam apenas por melhores salários,
mas também contra as péssimas condições de trabalho que existem nas escolas, e
que impossibilitam o aprendizado dos alunos. Os professores não devem ser
atacados por lutarem, ao contrário, deveriam ser recompensados sejam pelas
péssimas condições que enfrentam todos os dias para exercer seu ofício, seja
por lutarem contra essas péssimas condições.
Como
dito anteriormente, a Folha e o Estadão cumprem uma função social estratégica
na sociedade, um texto de poucas linhas como esse, destila toda uma gama de
preceitos ideológicos, que terminam por cumprir um objetivo específico,
disseminar as bases da ideologia da burguesia, que são o individualismo e a
desigualdade, ou seja o jornal joga com coisas que eles utilizam em outras
colunas e reportagens, assim como nesse editorial, para fazer com que os
trabalhadores acreditem que a desigualdade social é natural, e que sua
superação também é obra do esforço individual, com isso o ataque aos
professores é uma manobra para algo maior, mas não deixa de cumprir dois
objetivos bem específicos.
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de
poderes e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2008.
FOLHA DE SÃO PAULO.
Editorial: Deseducação pela greve. 26 de março de 2015. Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/03/1608224-editorial-deseducacao-pela-greve.shtml>
Acessado em 26/03/2015.
João Vicente Nascimento
Lins
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