quinta-feira, 26 de março de 2015

Desmascarando o editorial da Folha contra a greve dos professores

Assembléia dos professores em 20/03/2015
“Mas, além dessa distinção funcional, as duas esferas distinguem-se ainda por uma materialidade (social) própria: enquanto a ‘sociedade política’ tem seus portadores materiais nos ‘aparelhos coercitivos de Estado’, os portadores materiais da sociedade civil são o que Gramsci chama de ‘aparelhos ‘privados’ de hegemonia’. Enquanto os primeiros como o nome indica, implicam um constrangimento do qual o governado não pode escapar (se suas determinações não são cumpridas, isso tem como efeito uma sanção coercitivamente aplicada), os segundos são organismos sociais ‘privados’, o que significa que a adesão aos mesmos é voluntaria e não coercitiva, tornando-os assim relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito; mas deve-se observar que Gramsci põe o adjetivo ‘privado’ entre aspas, querendo com isso significar que – apesar desse seu caráter voluntário ou ‘contratual’ – eles têm uma indiscutível dimensão pública, na medida em que são parte integrante das relações de poder em dada sociedade.” (COUTINHO, 2008, 54-55).

A mídia, faz parte daquilo que Antonio Gramsci define como “aparelhos privados de hegemonia”, ela portando, como diz essa pequena citação, cumpre um papel fundamental na sociedade, que é o de transmitir valores e ideias que por sua vez justificam e reafirmam aspectos de dominação de uma classe pela outra.

A grande mídia nesse ponto, possui um papel estratégico, além de garantir a reprodução do capital, sendo ela mesma uma cadeia produtiva dentro do capitalismo, ela cumpre um papel de disseminação ideológica para a burguesia como um todo, e para a fração da burguesia representada pelos donos dos jornais, canais de tv, etc.

Não é de se estranhar então, posicionamentos como os editoriais de “O Estado de São Paulo” de 25 de março de 2015, e da Folha de São Paulo de 26 de março de 2015, que são os dois principais jornais do país. Neles há um posicionamento frontal, contrário à greve dos professores da rede pública no estado de São Paulo.

Posicionamento que serve especificamente à um objetivo, criminalizar o movimento grevista, jogando a culpa nos professores, classificando-os praticamente de vagabundos por lutarem por seus direitos e dos alunos. Senão vejamos como é o caso de manipulação da folha:
“Em cinco dias, 232 mil servidores da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo começarão a receber R$ 1 bilhão em bônus salariais. O valor supera em 42% o distribuído em 2014. Apesar disso, a Apeoesp (sindicato dos professores) deflagrou mais uma greve. A bonificação abrange todos os funcionários porque a rede estadual superou metas pedagógicas em todos os níveis de ensino. Metade da categoria receberá ao menos R$ 3.500, cifra significativa diante do salário-base de R$ 2.416 para a jornada de 40 horas semanais. A remuneração mensal é 26% maior que o piso nacional do magistério. Não pode ser considerada atraente, contudo.”

O governador, que decidiu não negociar com a categoria, joga no pagamento dos bônus de produtividade, a esperança de minar o movimento grevista. Os bônus foram criados na linguagem da Secretaria de Educação, para na prática, incentivar as escolas a melhorarem seus índices de “produtividade” (embora não usem esse linguajar da esfera privada, na prática o desempenho acadêmico dos alunos em provas que não medem essa capacidade, mas sim a capacidade de decorar, equivale à uma produtividade média do saber, como se ele fosse igual à um outro produto da educação, tipo o lápis). Além de se utilizarem metodologias arbitrárias, há todo um estigma que perseguem as escolas que não atingem às metas, que passam a ser “vigiadas” pela secretária da educação.

O trabalho acadêmico, assim como o processo de ensino e aprendizagem não são mercadorias, como os lápis, mas tanto a Secretária de Educação, como a ideologia dominante nos quer fazer acreditar nisso. Eles são processos complexos, que dependem também de pontos subjetivos, não são iguais para todos, não podem ser aumentados através da pressão de chicotes. Assim, não é uma simples bonificação que torna a vida dos professores melhores (muito embora exista todo um discurso ideológico por trás que tente fazer os professores aceitarem o bônus como se fosse algo natural), são uma gama de coisas, como valorização profissional, condições de trabalho dignas, os alunos vivendo em condições de vida dignas também, assim como um salário condizente com sua atividade. Não há nenhuma linha que critique o valor do salário, ou mesmo do piso dos professores, apesar de ser um estado rico, isso não torna os preços mais baixos, o custo de vida, aliás tende a ser maior. O descalabro do jornal continua:
“Esta Folha há muito defende a valorização salarial da carreira docente, para que se torne capaz de recrutar e manter os melhores talentos egressos das universidades. Parte dessa melhoria deve vir na forma de premiação por desempenho, como tem feito o governo paulista, mas também é crucial elevar as quantias de referência. Trata-se, afinal, de profissão decisiva para o futuro do país. Quem trabalha duro para educar e qualificar a população merece contrapartida adequada.”

É difícil compreender, o jornal defende melhores condições de trabalho para o professor, mas ao mesmo tempo ataca a greve que luta pela melhoria dessas condições de trabalho, o objetivo aqui é claro, é não incentivar que trabalhadores lutem, afinal de contas, faz parte do discurso burguês defender como natural a diferenciação social originária da organização da produção, e tomar isso como motor da sociedade, já que o objetivo de vida do trabalhador deve ser, o de sempre se tornar patrão. Continuando:

“A Apeoesp, no entanto, ultrapassa todas as medidas do razoável. Nesta paralisação, reivindica reajuste de 75,33% nos proventos, de maneira a equipará-los com os ganhos de outras categorias estaduais que exigem nível superior. O pleito é descabido. O professorado tem obtido reajustes anuais; o último começou a ser pago em agosto. A inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (IPCA).”

Contrariando o próprio discurso no parágrafo anterior, o jornal que defende que os professores recebam bons salários, se coloca contrário à reinvindicação da categoria de ter seus ganhos equiparados com outras nobres profissões do estado, que assim, como professores exigem diplomas de cursos universitários.

Um exemplo cabal é que um juiz estadual ganhe por volta de 23 mil reais por mês, enquanto o professor deve se virar com no máximo 2300 reais por mês em jornada de carga cheia com 40 horas semanais em sala de aula, e precisando preparar nas suas poucas horas de descanso, aulas, com poucos recursos didáticos.

Lembra que o jornal acha natural a desigualdade na sociedade? Então, a resposta desse paradoxo é justamente isso, se o professor não está satisfeito com sua condição de trabalho, ele, que possui supostamente as mesmas condições a que o juiz teve acesso, deve estudar, passar em um concurso e virar um juiz.

O jornal faz uma defesa do governo estadual tão linda, que faria a assessoria de imprensa do governo ficar com vergonha, afinal, em um momento de fragilidade do governo, o sindicato dos professores tem a pachorra de exigir melhores salários, o país está em crise, muito embora ela não atinja o setor bancário, que deve investir em títulos da dívida do governo federal e estadual. O país de fato vive uma crise econômica, o que não impede dos trabalhadores irem atrás de seus direitos, ou coisas do tipo, afinal de contas, não há nada no contrato social, assinado por todos que impeça isso, muito pelo contrário, a constituição federal assegura greve para quase todas as categorias de trabalhadores (a exceção são os militares). Mas continuando:

“Até um desvairado militante esquerdista tem de reconhecer que nenhum governo, com a crise aguda da economia e a inevitável queda na arrecadação de impostos, pode dispor de recursos para expandir gastos de forma desmesurada. O irrealismo patente do movimento reforça a conclusão de que seu objetivo seja menos corporativista que político. Satélite da CUT e do PT, a Apeoesp se mostra inclinada a manobrar a categoria para fustigar o governo estadual do PSDB.”

Agora o jornal tenta jogar a culpa no PT (ajudando a divulgar aquela velha ideia de que tudo de ruim no país é culpa da Dilma), ou seja, a greve é uma suposta manobra do PT para enfraquecer o santo Geraldo Alckmin. Não custa lembra que embora a Apeoesp seja um dos maiores sindicatos da América Latina e do Brasil, o que teoricamente a tornaria um dos mais poderosos sindicatos do mundo, isso não se traduziu em número de greves, ou mesmo de atividades contrárias ao governo do estado de São Paulo nos últimos 12 anos. Ao contrário, caso o PT de fato quisesse atazanar a vida do tucanato paulista, ele poderia parar todos os setores do funcionalismo público do estado que são filiados à CUT.

E o PT não faz isso, porque não quer ir ameaçar seus vínculos estreitos com os setores da burguesia nacional à nível nacional, ou alguém duvida que a FIESP não olharia torto para o Palácio do Planalto caso houvesse greves de todos os sindicatos filiados à CUT. Fora o alto grau de desmobilização que atinge a categoria dos professores e todas as outras. Vivemos em um tempo em que a solidariedade de classe, um elemento que une professor e metalúrgico foi praticamente extinto pela disseminação da ideologia da desigualdade que o jornal propaga.

Um outro elemento que joga por terra essa afirmação é a condição de precarização que atinge os professores, caso a Apeoesp usasse toda a força que possui, não haveria bizarrices como as categorias de contrato temporário do estado, já haveria a hora atividade, e muito provavelmente não haveria o fechamento de salas, bem como as precárias condições de ensino que existem em todo o estado de São Paulo, afinal, quando essas medidas fossem anunciadas, bastaria ao sindicato decretar greve para derruba-las o que não é o caso. A luta por melhores condições de trabalho, é algo puxado nos últimos anos pela oposição da Apeoesp, e que quando não convém a direção, nem é encampada. Por fim:

“Para isso, não hesita em usar as famílias de 4 milhões de alunos como peões no xadrez partidário. Centenas de milhares deles são forçados a perder aulas, mesmo que a paralisação não atinja os proclamados 60% da categoria. Ao cruzar os braços poucas semanas depois de iniciado o ano letivo, os professores em greve deixam a seus alunos a lição de que o ensino figura entre as últimas de suas prioridades.”

O jornal passa ao ataque direto contra a categoria, visando sua criminalização, lembra que foi dito que o jornal defende a desigualdade entre trabalhadores e o individualismo, então, ele joga aqui com as famílias, apontando para um suposto problema de falta de sensibilidade dos professores para com seus alunos. Quando é justamente ao contrário.
Para começar as condições de ensino na rede pública são tão catastróficas, que interromper ou não as aulas, pouca diferença faz para a vida dos alunos, eles não deixam de aprender por conta dos professores não estar em sala de aula, mas sim pelas péssimas condições das escolas, que contam com poucos recursos pedagógicos. E por fim, os professores não lutam apenas por melhores salários, mas também contra as péssimas condições de trabalho que existem nas escolas, e que impossibilitam o aprendizado dos alunos. Os professores não devem ser atacados por lutarem, ao contrário, deveriam ser recompensados sejam pelas péssimas condições que enfrentam todos os dias para exercer seu ofício, seja por lutarem contra essas péssimas condições.

Como dito anteriormente, a Folha e o Estadão cumprem uma função social estratégica na sociedade, um texto de poucas linhas como esse, destila toda uma gama de preceitos ideológicos, que terminam por cumprir um objetivo específico, disseminar as bases da ideologia da burguesia, que são o individualismo e a desigualdade, ou seja o jornal joga com coisas que eles utilizam em outras colunas e reportagens, assim como nesse editorial, para fazer com que os trabalhadores acreditem que a desigualdade social é natural, e que sua superação também é obra do esforço individual, com isso o ataque aos professores é uma manobra para algo maior, mas não deixa de cumprir dois objetivos bem específicos.


COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2008.
FOLHA DE SÃO PAULO. Editorial: Deseducação pela greve. 26 de março de 2015. Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/03/1608224-editorial-deseducacao-pela-greve.shtml> Acessado em 26/03/2015.


João Vicente Nascimento Lins

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