domingo, 15 de maio de 2011

Entrevistas com Tariq Ali e Robert Fisk



Marcha contra Wall Street reúne milhares em Nova York


Marcha contra Wall Street reúne milhares em Nova York
Cerca de 10 mil pessoas participaram, quinta-feira, de um protesto nas imediações do coração do mundo financiero: a Bolsa de Valores de Nova York. Os manifestantes marcharam pelas ruas da cidade para exigir que os bancos e os empresarios ricos paguem os custos da crise econômica que eles causaram, e não os trabalhadores que enfrentam uma onda de demissões e um ataque político em nível nacional contra seus direitos trabalhistas.Um grupo de professores que participou da manifestação garantiu: “esta é a última vez que nos comportamos bem; na próxima, tomaremos a cidade”. O artigo é de David Brooks, do La Jornada.
David Brooks - La Jornada
Nova York, 12 de maio – “Fuck Wall Street”, gritava hoje um manifestante ao marchar pela área, enquanto que a polícia impedia que milhares de professores, funcionários públicos, de manutenção e de vários setores de serviços, imigrantes, estudantes e ativistas comunitários se aproximassem do monumento do mundo financeiro: a Bolsa de Valores de Nova York.
Os manifestantes – mais de 10 mil segundo alguns cálculos – marcharam pelas ruas ao redor do setor financeiro e político desta cidade para exigir que os bancos e os empresários ricos paguem os custos da crise econômica que eles mesmos detonaram, e não os trabalhadores que enfrentam uma onda de demissões e um ataque político em nível nacional contra seus direitos trabalhistas.
O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, quer demitir mais de 5 mil professores, fechar várias estações de bombeiros, reduzir serviços para crianças e programas para habitantes da terceira idade, entre outras medidas para equilibrar o orçamento. Por outro lado, nega-se terminantemente a aumentar os impostos para os ricos, sobretudo para o setor financeiro, com o argumento de que isso teria um efeito negativo na economia.
Mais emprego e mais serviços públicos
"Ouça, Bloomberg, o que diz disso? Quantos cortes ordenaste hoje?", gritava uma parte da marcha enquanto outros caminhavam desde vários pontos para deixar quase cercada a famosa rua de Wall Street. Acompanhados por bandas de metais e tambores, gritavam palavras de ordem contra a avareza empresarial e carregavam cartazes com demandas de emprego, escolas, serviços públicos e que os ricos paguem pelo desastre que criaram. “Nós pagamos impostos. Por que vocês não pagam?” – gritavam ao passar na frente de luxuosos edifícios. Poucos antes de partir, um contingente de professores advertiu entre aplausos e gritos: “esta é a última vez que nos comportamos bem; na próxima, tomaremos a cidade”.
Os governos em nível municipal, estadual e federal estão aplicando a mesma receita de austeridade por todo o país, acompanhada de um ataque feroz contra os sindicatos e, em alguns casos, contra os imigrantes. A história é a mesma: para resolver o déficit orçamentário provocado pela pior crise financeira e econômica desde a Grande Depressão, a decisão política é repassar o custo para os trabalhadores.
Ao mesmo tempo, os executivos e suas empresas desfrutam de uma prosperidade sem precedentes. O Wall Street Journal reportou que a remuneração para os principais executivos das 350 maiores empresas do país aumentou 11% e, em valor médio, chega a 9,3 milhões de dólares, um prêmio por seu grande trabalho em reduzir custos e elevar os rendimentos de suas empresas. Os líderes em receita são Phillipe Dauman, da Viacom, com 84,3 milhões de dólares anuais, seguido por Lawrence Ellison, da Oracle, com 68,6 milhões de dólares, e Leslie Monnves, da CBS, com 53,9 milhões de dólares.
Essa receita econômica é acompanhada de uma feroz ofensiva política contra trabalhadores e seus sindicatos. Forças conservadoras, tanto no âmbito político como no empresarial, promovem medidas com o propósito explícito de destruir sindicatos, em particular os do setor público. Iniciativas neste sentido foram promovidas em estados como Wisconsin, Michigan, Indiana e Ohio, entre outros, onde além de propor reduções de salários e direitos dos trabalhadores, incluem-se medidas para anular os direitos de negociação de contratos coletivos.
Dois estados, New Hampshire e Missouri, promoveram projetos de lei para somar-se aos 22 estados que têm leis com o nome orwelliano de “direito a trabalhar”, que, na verdade, limitam severamente a sindicalização ao permitir que os trabalhadores optem por não se filiar a sindicatos estabelecidos no setor privado. No total, 18 estados impulsionaram esse tipo de iniciativa somente no último ano, todos com a justificativa de que são necessárias para diminuir o déficit e quase todas promovidas por legisladores ou governadores republicanos, relatou ainda o Wall Street Journal.
As leis têm o objetivo de debilitar o poder político dos sindicatos que costumam apoiar o Partido Democrata e iniciativas liberais no país.
Isso levou a uma rebelião que reuniu centenas de milhares de trabalhadores em Wisconsin no início do ano, a qual se somaram estudantes, agricultores, imigrantes e organizações comunitárias que, durante várias semanas, tomaram o Capitólio doestado como parte de uma mobilização popular que gerou esperança neste país, e que muitos – incluindo os manifestantes – compararam com o que estava ocorrendo no Egito.
“Protesta como um egípcio”, foi uma das consignas da mobilização.
“Estamos com Wisconsin”, lia-se em cartazes e ouvia-se nas palavras de ordem nesta quinta-feira em Nova York. Do mesmo modo, surgiram expressões de resistência em Michigan, Ohio e Indiana contra medidas para debilitar os sindicatos.
Na Califórnia, os professores da California Teachers Association lançaram esta semana um movimento chamado Estado de Emergência para pressionar os legisladores a por fim aos cortes na educação. O sistema educacional sofreu cortes de 20 bilhões de dólares em três anos e 30 mil professores foram demitidos neste Estado.
Esta semana uma funcionária federal que está por ser demitida enfrentou o
presidente Barack Obama em um fórum transmitido pela televisão e perguntou-lhe o que faria se estivesse em seu lugar. Obama respondeu que é um momento difícil e tentou dar explicações, mas não conseguiu responder a pergunta.
Noam Chomsky escreve que o que está ocorrendo nos Estados Unidos é parte de uma guerra entre Estado e corporações contra os sindicatos, que está sendo travada em nível mundial deixando os trabalhadores em uma condição de precariedade como resultado de programas de enfraquecimento dos sindicatos, flexibilização e desregulação.
Mas os manifestantes de Nova York, nesta quinta-feira, também falaram do surgimento de uma resposta de resistência e rebelião que, embora ainda não seja massiva, vem ganhando pouco a pouco dimensões surpreendentes. Tom Morelli, ex-integrante de Rage Agains the Machine (banda hardrock dos EUA, uma das mais influentes e polêmicas da década de 1990), afirmou que os sindicatos são um contraponto crucial contra a cobiça empresarial que afundou a economia e ameaça o meio ambiente e o futuro.
Depois de participar das mobilizações de trabalhadores na capital de Wisconsin, disse que, de Cairo a Madison, os trabalhadores estão resistindo e os tiranos estão caindo, e apresentou uma nova canção que, segundo ele, é uma trilha sonora para a lutanos EUA. A letra afirma: este é uma cidade dos sindicatos/mantenham a linha; se vocês vierem retirar nossos direitos/vamos enchê-los de porrada.
Tradução: Katarina Peixoto
Link da matéria original: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17787http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17787

sábado, 14 de maio de 2011

Union Town by Tom Morello: The Nightwatchman

A luta de classes no Winconsin


01 de Abril de 2011
ESTADOS UNIDOS
A luta de classes no Winconsin
O movimento dos trabalhadores nos Estados Unidos renasce com força em meio ao processo de destruição dos sindicatos do setor público. Em Los Angeles, São Francisco, Denver, Chicago, Nova York e Boston, Milhares de pessoas foram às ruas manifestar o apoio aos insurgentes.
por Rick Fantasia
De uma hora para outra e quase sem nenhum aviso, a cidade de Madison, no Wisconsin, tornou-se o centro do universo social dos Estados Unidos. Durante quatro semanas, centenas de funcionários públicos e estudantes ocuparam – com protestos pacíficos, mas barulhentos – o saguão do Capitólio de Wisconsin (sede do governo estadual), enquanto outros milhares de manifestantes rodeavam o edifício do lado de fora. Paralelamente, enormes protestos se levantavam contra os governos de outros estados, como na cidade de Harrisburg, capital da Pensilvânia; Richmond, na Virginia; Boise, em Idaho; Montpelier, em Vermont; e Columbus, em Ohio. E não parou por aí: em Los Angeles, São Francisco, Denver, Chicago, Nova York e Boston, milhares de pessoas foram às ruas manifestar o apoio aos insurgentes.
O chamado “walk like an egyptian” (“ande como um egípcio”, título de um hit musical dos anos de 1980) foi respondido por milhares de pessoas que, inspiradas pelo momento político mundial, se organizaram para expressar a indignação em relação a medidas políticas estaduais. A demanda era simples e clara: queriam a revogação da lei draconiana instituída pelo governador republicano que atingia diretamente o sindicalismo do setor público em Wisconsin. Apesar do projeto de lei ter sido aprovado pela maioria republicana no legislativo e de governadores de outros estados também levarem adiante medidas antissindicais parecidas, a batalha de Wisconsin cumpriu um papel: reavivou um movimento de classe em processo de destruição.
O conflito foi exitoso à medida que centenas de milhares de membros da classe trabalhadora estadunidense despertaram do sono da imobilidade e despolitização e incitaram uma onda de protesto coletivo adormecida por quase 75 anos – mas que agora dá sinais de não querer retroceder tão cedo. A ação do governador do Wisconsin, Scott Walker, teve efeito reverso: ao tentar solapar os direitos dos trabalhadores, ressaltou sua importância, ao mesmo tempo que decepcionou milhões de eleitores da classe trabalhadora (chamados de “democratas de Reagan”) há décadas manipulados para votar contra seus próprios interesses.
As medidas foram anunciadas como cortes no orçamento para regular a máquina pública, mas em última instância privavam os funcionários públicos de seus direitos sindicais. O cenário tornou-se claro para todos quando os sindicatos de funcionários públicos finalmente aceitaram atender às demandas econômicas de Walker, mas com a condição de manutenção dos direitos de negociação coletiva. Walker recusou categoricamente. “Este é o nosso momento”, afirmou ele para a voz do outro lado da linha, cujo dono era um ativista pró-sindicalismo que, com o desconhecimento do governador, se fez passar por um dos bilionários irmãos Koch.
Entre as famílias mais ricas do planeta, os direitistas David e Charles Kochforam benfeitores de diversas iniciativas antissindicais pelo país e, não por acaso, foram os maiores doadores da campanha eleitoral do governador Walker – como pessoa física e através da empresa da família, a Koch Industries. Na mencionada conversa telefônica – gravada e depois exibida para milhões de pessoas pela televisão, rádio e internet –, Walker explicitamente se compara ao presidente Ronald Reagan, que começou um governo presidencial com a audaciosa medida de demitir 12 mil controladores de voo em greve, em 1981. Três décadas depois, Walker arquitetou seu ataque inspirado no legado de Reagan e em função de suas grandes ambições políticas. Nessas circunstâncias, qualquer negociação ou compromisso com os trabalhadores estava fora de cogitação.
A nova lei foi desenhada para debilitar as organizações sindicais a partir de mudanças nos mecanismos básicos de manutenção de suas estruturas. Por exemplo, institui a necessidade de eleições anuais para determinar o apoio dos membros ao sindicato, acaba com a dedução automática da contribuição sindical e torna qualquer contribuição ao sindicato facultativa. Além dessas medidas, a lei limitou severamente os pontos negociáveis com os sindicatos. Apenas o direito de negociação salarial foi mantido integralmente, mas veio acompanhado estrategicamente de uma obrigação estatutária que restringe a indexação dos salários à inflação, virtualmente anulando uma moeda de troca chave dos sindicatos. Outros temas de negociação foram sumariamente proibidos.
Vale lembrar que a sociedade estadunidense goza de pouquíssimos benefícios sociais por parte do Estado e a consequência disso é que as negociações coletivas se tornaram determinantes na conquista de mais provisões sociais. Tanto no setor público como no privado, a ausência de um sindicato fortalecido para negociar com o empregador tende a estagnar os salários, manter as condições precárias de trabalho e reafirmar a quase inexistência de políticas de apoio social. Em outras palavras, isso significa que, sem o respaldo de um sindicato, a maioria dos trabalhadores braçais e não profissionalizados simplesmente não pode arcar com os custos de uma aposentadoria decente, de um seguro de saúde familiar acessível, férias remuneradas, licença-maternidade ou qualquer outro benefício disponível para cidadãos de uma sociedade industrializada.1
As medidas de Walker e de outros governadores republicanos para enfraquecer os núcleos de reivindicação do setor público buscam, na realidade, atingir os últimos bastiões da força sindical nos Estados Unidos. No setor privado, os salários e as condições de trabalho vêm decaindo há décadas. A participação sindical foi reduzida a 7% (contra 33% na década de 1950) por uma combinação de fatores, como medidas corporativas para dificultar as ações dos sindicatos, terceirização do trabalho e desindustrialização (incluindo a redução de capital em fábricas sindicalizadas em benefício das não sindicalizadas). Essas medidas implicam no aumento imediato dos lucros de acionistas.
A situação no setor público é bem diferente. Os empregadores públicos (governantes e dirigentes municipais e estaduais) tradicionalmente sempre contaram com o apoio eleitoral do funcionalismo público e, em troca, garantiram contratos sindicais com ênfase em custos de longo prazo (como saúde, pensão e benefícios), em vez de privilegiar o aumento imediato dos salários – que aplicado no curto prazo pode criar rombos no orçamento. O resultado desse arranjo é a garantia de benefícios e respaldo social a milhões de pessoas que correspondem a 36% do funcionalismo público de todo o país, como professores de escolas públicas, trabalhadores de serviços municipais, médicos, motoristas, escrivães, funcionários de universidades e repartições jurídicas, policiais, bombeiros. Os ataques ao setor público visam restringir os benefícios desses trabalhadores e destruir uma importante fonte de organização política que apoia o Partido Democrata. Se os objetivos forem alcançados, o resultado será uma sociedade completamente sem sindicatos e sem contraponto ao poder das corporações.
Antes dessas investidas, o governador Scott Walker era um político praticamente desconhecido fora de sua jurisdição e ascendeu ao poder nas eleições de novembro de 2010 como membro do Tea Party, facção de republicanos de ultradireita que ganhou o pleito em vários municípios e Estados do país.2 Na campanha, o discurso de Walker enfatizava os cortes no orçamento, mas o então candidato nunca mencionou qualquer coisa sobre os sindicatos. Em três meses desde que tomou posse, diminuiu os impostos de empresas, e as cobranças sobre a renda de pessoas físicas abastadas antes de decretar uma “crise no orçamento”. Essa crise seria resolvida, segundo ele, não apenas com cortes no crédito destinado aos mais pobres e com o aumento dos impostos pagos pelo funcionalismo público para saúde e pensão (aumento de 5,8% e 12%, respectivamente), mas também com a redução dos direitos reivindicativos dos funcionários públicos. Os sindicatos da polícia e dos bombeiros, porém, ficariam de fora das novas medidas, já que foram setores-chave no apoio à sua candidatura durante as eleições. Walker parece seguir minuciosamente o roteiro da “doutrina do choque”, pois logo ficou evidente que a falsa crise do orçamento estaria sendo evocada com outro objetivo: desmantelar os sindicatos do setor público, a única força política organizada e que só no Estado de Wisconsin representa 300 mil funcionários públicos.
“walk like an egyptian”
O extraordinário drama social produzido pelas medidas governamentais e a resposta inesperada da população foram o grande tema nacional por semanas. Slogans como “Kill the Bill” (“matem a lei”, também trocadilho para o célebre filme “Kill Bill”) e “walk like an egyptian” ecoavam entre as multidões. Os manifestantes ganharam o apoio de 14 senadores democratas do congresso estadual, que trataram de sair de Wisconsin para impedir a formação de quorum na votação do projeto de lei e não serem forçados legalmente a participar do plenário. Durante a batalha, o grupo apelidado de “Wisconsin 14” permaneceu do outro lado da fronteira, no Illinois, onde não podiam ser alcançados pelas leis de seu estado, nem pela polícia, que já havia deslocado efetivos para monitorar a casa dos senadores caso voltassem ao país. Após três semanas dessa tentativa de neutralização, os republicanos realizaram uma manobra: tiraram da lei as partes que restringiam e impunham medidas para a negociação salarial com os sindicatos – o que tornou ainda mais explícita a tentativa do governo de desmantelar o sindicalismo público – e permitiu a votação e a aprovação do projeto sem o quorum legal. Foi uma vitória para Walker e os republicanos, mas com um custo político altíssimo.
Em 12 de março, o dia seguinte à aprovação da lei, os integrantes do Wisconsin 14 voltaram a Madison e foram recebidos como heróis, ovacionados por mais de 150 mil trabalhadores dos setores público e privado e suas famílias, além de trabalhadores de fazendas (numa comitiva de 50 tratores) e milhares de estudantes da Universidade de Wisconsin. Eclodiram ameaças de greve geral por parte não de trotskistas, mas de líderes sindicais dos bombeiros e dos professores, tática avaliada por especialistas na televisão como uma resposta razoável ao ocorrido.

A situação poderia ser apenas um clichê em muitas sociedades, mas no contexto estadunidense é extraordinária. Dela também resultou a ação programática de organizar uma petição para cassar o mandato de oito senadores republicanos, esforço inédito de modificar o cenário político na legislatura estadual. O governador não pode ser deposto até completar um ano no cargo, mas é provável que a futura data seja incontornável nos calendários de Wisconsin. Enquanto os republicanos empreendem uma campanha contra alguns dos democratas “fugidos”, a opinião pública está firme do lado do grupo Wisconsin 14. A situação permitiu que muitas pessoas testemunhassem pela primeira vez e com muita clareza, o que os republicanos têm reservado para elas. Sondagens de opinião mostraram o apoio da população aos sindicatos e à preservação dos direitos coletivos de negociação (entre 60% e 70% no Estado do Wisconsin e nacional).
Nos estados da Flórida e Nova Jersey, governadores republicanos estavam afiando suas facas contra os sindicatos públicos, mas retrocederam ao ver a resposta dessa política em Wisconsin. Em Indiana, legisladores democratas seguiram o exemplo dos colegas de Wisconsin e voaram para Illinois na tentativa de inviabilizar em seu próprio estado a votação de leis contra os sindicatos públicos. Projetos de lei desse teor estão avançando em Michigan e Idaho; em Ohio, o debate sobre o tema toma conta do plenário. A luta é nacional.
Se os esforços políticos estão claramente orientados contra os sindicatos, essa batalha está longe do fim. Sim, o antissindicalismo está profundamente enraizado nas instituições e na cultura estadunidense, e o poder das corporações está infiltrado no sistema político como nunca esteve na história do neoliberalismo. Por outro lado, nem o movimento sindical estadunidense nem o Partido Democrata têm muita experiência e interesse em manter uma ação coletiva, a não ser que esteja estritamente sob seu controle, orientada unicamente para seus horizontes sociais estreitos. No entanto, a batalha em Wisconsin se espalhou rapidamente como um incêndio, ultrapassando os limites imaginados pela sociedade estadunidense. Todos sabem o que está em jogo daqui para a frente.
Trinta anos atrás, a ousada atitude antissindical de Reagan pareceu lançar um feitiço sobre a população dos Estados Unidos, que mergulhou num longo sono de desarticulação social. A ironia é que, ao imitar Reagan, o governador Walker talvez tenha, ele mesmo, desfeito esse encanto.
Ilustração: Darren Hauck / Reuters
1 R ick Fantasia e Kim Voss, Sindicatos domésticos:repressão patronal e resistência sindical nos EUA,Raisons d’Agir, Paris, 2003.
2 R ick Fantasia, “Ces deux gauches américaines qui sígnorent”, Le Monde Diplomatique, nº 681, dez/2010, p.6-7.
Palavras chave: EUA, Protesto

Matéria originalmente publicada em http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=913

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Como os socialistas construíram a América















Como os socialistas construíram a América
Os Estados Unidos não seriam o que são hoje se não tivessem tido a influência positiva de revolucionários, radicais, socialistas, socialdemocratas e seus companheiros de viagem. Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Franklin Roosevelt, Dwitht Eisenhower e John Kennedy não eram socialistas. Mas a nação se beneficiou de seus empréstimos às ideias socialistas e social democratas. Ideias como seguridade social, financiamento público da moradia, investimento público, proteção legal para direitos trabalhistas e outros atributos do Estado de Bem Estar”. O artigo é de John Nichols.
John Nichols
(*) Excerto da obra The “S” Word: A Short History of an American Tradition… Socialism, publicado em março, pela Verso.
Se há uma constante no discurso da elite [dos EUA] nacional nestes dias é a afirmação de que a América foi fundada como um país capitalista e que o socialismo é uma importação perigosa que, a despeito de nossa não autorizada fé no livre mercado, deve ser barrada na fronteira.
Essa “sabedoria” mais convencional – cada vez mais aceita ao menos até as recentes mobilizações de massa no Wisconsin, em Ohio, no Michigan e no Maine – tem defendido que tudo o que é público é inferior a tudo o que é privado, que as corporações são sempre boas e que os sindicatos sempre são ruins, que a tributação progressiva é intrinsecamente má e que o melhor modelo econômico é aquele que permite que os ricos fiquem cada vez mais ricos, assim como a República, que então distribuirá migalhas da sua riqueza para a imensa maioria dos estadunidenses. Rush Limbaugh informa-nos regularmente que as propostas de taxação de pessoas ricas como ele, com o objetivo de financiar assistência em saúde para crianças e empregos para os desempregados são “antiéticas” frente aos propósitos originais da nação e que as reformas de Barack Obama estão “destruindo o modo como este país foi fundado”.
Quando Obama apresentou sua tímida proposta de organização de um sistema de assistência médica privado mais humano, Sean Hannity, da Fox, denunciou que “a Constituição foi rasgada, injuriada, o estado de direito foi afastado”. Newt Gingrich disse que a administração Obama estava “preparada para fundamentalmente violar a Constituição” e estava governando para “30% do país [que] de fato é a favor de um sistema socialista secular de esquerda”.
Em 2009, Sarah Palin mostrou preocupações constitucionais parecidas, quanto à proposta de Obama de desenvolver uma “legislação universal de energia para construções verdes” com o objetivo de promover a eficiência energética. “Nosso país poderia vir a se tornar algo que sequer reconheceríamos, certamente que isso está muito distante do que os pais fundadores de nosso país tinham em mente para nós”; gravemente preocupada, informou Palin a Hannity, que respondeu com uma pergunta de uma palavra: “Socialismo?”. “Bem”, disse ela, “é para onde estão nos conduzindo”.
Na verdade, não é. Palin está errada quanto aos perigos da eficiência energética, e está errada a respeito de Obama. O presidente disse que não é um socialista, e os maiores porta-vozes socialistas do país concordam veementemente. De fato, as únicas pessoas que parecem acreditar que Obama apresenta uma tendência minimamente socialdemocrata são aqueles que imaginam que qualquer menção à palavra “socialismo” poderia inspirar uma reação como a do vampiro confrontado com a hóstia.
Infelizmente, Obama pode ser mais assustado pela letra "S" do que por Palin. Quando um repórter do New York Times perguntou ao presidente em março de 2009 se suas politicas internas sugeriam que ele fosse um socialista, um Obama relaxado respondeu: “A resposta seria não”. Ele disse que estava sendo criticado simplesmente porque estava “tendo de fazer algumas escolhas difíceis” quanto ao orçamento. Mas depois que conversou com seus assessores hiper cautelosos, ele começou a se preocupar. Então chamou o repórter de volta e disse: “para mim é difícil acreditar que você estava realmente falando sério quando fez a questão sobre o socialismo”.
Então, como se estivesse lendo as marcações de um discurso, Obama declarou: “Não foi sob o meu governo que se começou a comprar um bando de ações de bancos. E não foi sob o meu comando que se concedeu subvenção massiva, a receita da drogadição, sem fontes de recursos para arcar com isso. Temos na verdade operado de uma maneira que tem sido inteiramente consistente com os princípios do livre mercado”, disse Obama, que concluiu atacando: “alguns dos que andam me chamando por aí de ‘socialista’ não podem dizer o mesmo”.
Há mais do que um pingo de verdade nessa declaração. Obama de fato está evitando a adjetivação de socialista, ou mesmo de um social democrata médio, nas respostas aos problemas que o confrontam. Ele afastou a opção do pagador único no início do debate sobre a reforma da saúde, rejeitando o tratamento que em outros países promoveu assistência em saúde de qualidade aos cidadãos, a custos baixos. Sua resposta supostamente “socialista” ao colapso da indústria automobilística foi dar dezenas de bilhões de dólares no resgate dos fundos da GM e da Chrysler, que usaram o dinheiro para despedir milhares de trabalhadores e então realocar dúzias de plantas industriais no exterior – uma abordagem o mais distante possível que um país pode ter do modelo social democrata de aplicação dos investimentos e de políticas públicas na promoção de empregos e na dinamização econômica da sociedade.
Quando a plataforma em águas profundas da British Petroleum (BP) explodiu, ameaçando toda a costa do Golfo, em vez de dispor dos engenheiros das Forças Armadas e de outras agências do governo encarregadas de lidarem com crises, Obama deixou a gestão do problema a cargo da corporação que tinha mentido a respeito da extensão do vazamento de petróleo, que tomou decisões com base na sua disponibilidade de tempo, em detrimento das necessidades humanas e ambientais, e fracassou até nas tarefas mais básicas.
Então deveríamos levar o presidente ao pé da letra quando ele diz que age com base nos princípios do livre mercado. O problema, claro, é que a rigidez de Obama quanto a isso está conduzindo-o a rejeitar ideias mais seguras do que aquelas fixadas pelo setor privado. Emprestar ideias e abordagens de socialistas não tornaria Obama em nada mais socialista do que Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Franklin Roosevelt ou Dwight Eisenhower. Todos esses presidentes anteriores misturaram ideias de traços marxistas ou emprestados das plataformas dos partidos socialistas com tanta frequência que o New York Times observou, num perfil publicado em 1954, a fé de um velho Norman Thomas de que “ele tinha dado uma grande contribuição no pioneirismo de ideias que hoje ganharam o apoio dos dois maiores partidos” – ideias como “seguridade social, financiamento público da moradia, investimento público, proteção legal para direitos trabalhistas e outros atributos do Estado de Bem Estar”. O fato é que muitos dos homens que ocuparam o Salão Oval antes de Obama souberam que a implementação de ideias de cunho socialista ou social democrata não os colocaria em conflito com a experiência estadunidense ou com a Constituição.
O ponto aqui não é defender o socialismo. O que deveríamos estar defendendo é a história – a história dos EUA, que tem tons ricos e vibrantes, e alguns do vermelho. O passado deveria ser consultado não somente para anedotas ou factóides, mas para fornecer uma perspectiva no presente. Essa perspectiva empodera os estadunidenses que buscam um debate robusto, que compreenda um amplo espetro ideológico – um empreendimento apropriado para um país em que Tom Paine imaginou cidadãos que “lançando seu olhar sobre um vasto campo, tomariam um caminho igualmente vasto, e então, aproximando-se cada vez mais do universo, sua atmosfera de pensamento se expanderia e sua liberalidade preencheria um espaço mais amplo”.
A América sempre sofreu com os idiotas que teriam feito definhar o debate ao nível de uma série de opiniões estreitas o suficiente para abarcar os editos de um potentado, uma prece ou um dono de plantation. Mas a história real da América nos diz que a única coisa a respeito da qual nossa situação presente corresponde é que temos padecido com os idiotas tão completamente que uma boa parte dos estadunidenses – não apenas os Tea Partisans ou os Limbaugh Dittoheads, mas cidadãos da grande classe média - na verdade levam Sarah Palin a sério quando ela vocifera que o socialismo, na forma do código de construção civil verde é antitético ao americanismo.
* * *
Palin não é a primeira deste tipo. Não há nada de novo na acusação de um presidente que está dirigindo um “grande governo” voltado a outros projetos que não a invasão de algum país distante é socialista. Na primavera de 2009, alguns meses após Obama e o novo congresso democrático tomarem posse, vinte e três membros da oposição reapresentaram um velho projeto, em que propõem que “nós, os membros do Comitê Nacional Republicano convocamos o Partido Democrata a ser verdadeiro e honesto com o povo americano, ao reconhecerem que eles evoluíram de um partido que apoiava a tributação e os gastos para um partido de tributação e nacionalização e que, portanto, deveriam concordar em se renomearem de Partido Socialista Democrático”.
As cabeças frias prevaleceram. Por sorte. Num encontro de emergência do comitê – cuja história remonta à primeira convenção republicana, em 1856, em que seguidores do socialista francês Charles Fourier, o editor de Karl Marx e seus camaradas abolicionistas iniciaram a mais radical reestruturação dos partidos políticos na história dos EUA – foi sugerido que a proposta de impor um novo nome para os democratas poderia fazer com que o “Partido Republicano parecesse vulgar e sectário”. O plano foi derrubado, mas uma resolução denunciando a “marcha para o socialismo” passou. Assim, os membros da RNC [Convenção Nacional Republicana, em sua sigla em inglês] agora oficialmente “reconhecem que o Partido Democrata é dedicado a reestruturar a sociedade americana junto aos ideais socialistas” e que os democratas têm como sua “clara e óbvia intenção... propor, aprovar e implementar programas socialistas por meio da legislação federal”.
O Partido Republicano está atualmente mais firme em sua acusação de que os democratas estão conduzindo a nação “para o socialismo” do que estava durante a Ameaça Vermelha de Joe McCarthy nos anos 50, quando o senador do Wisconsin acusou Harry Truman de abrigar células do Partido Comunista no governo. Truman reagiu ao ultraje conservador, argumentando que o governo tinha a autoridade para impor leis antilinchamento nos estados e propondo um plano nacional de saúde. Mas o que incomodava mesmo os republicanos era que Truman, que se esperava fosse perder a disputa em 1948, tinha não só acabado de vencer a eleição como restaurado o controle do Congresso. Para contraatacar essa tendência eleitoral afrontosa, os republicanos conservadores, liderados pelo senador do Ohio Robert Taft, anunciaram em 1950 que seu slogan daquelas eleições para o congresso seria “Liberdade contra o Socialismo”. Eles então produziram um adendo a sua plataforma nacional, cuja maior parte era devotada à histeria de McCarthy acusando o plano de reformas Fair Deal, de Truman, de ser “ditado por um pequeno, mas poderoso grupo de pessoas que acreditam no socialismo, que não tem um conceito da verdadeira fundação do progresso americano, e cujas propostas estão completamente em desacordo com os verdadeiros interesses e verdadeiros desejos dos trabalhadores, agricultores e homens de negócio”.
Truman reagiu, lembrando aos republicanos que suas políticas foram apresentadas na plataforma eleitoral de 1948, que tinha obtido vasta maioria dentre o eleitorado. “Se nosso programa foi ditado, como dizem os republicanos, foi ditado pela votação em novembro de 1948. Foi ditado por um “pequeno mas poderoso grupo de 24 milhões de eleitores”, disse o presidente, que acrescentou: “Eu penso que eles sabiam melhor que o Comitê Nacional Republicano quais os desejos verdadeiros dos trabalhadores, agricultores e homens de negócios”.
Truman não deu cabimento à menção da palavra “socialismo’, que naqueles dias era distinguida na mente da maioria dos estadunidenses como o stalinismo soviético, com o qual o presidente – um péssimo guerreiro da guerra fria - estava disputando. Nem vociferou Truman, que contava dentre seus aliados essenciais com sindicalistas como David Dubinsky, Jacob Potofsky e Walter Reuther, todos eles ligados a causas socialistas e em muitos casos ao partido socialista de Eugene V. Debs e Norman Thomas, contra os males da social democracia. Antes, debochou: “Fora o grande progresso deste país, fora os grandes avanços na conquista de uma vida melhor para todos, fora a ascensão para uma liderança mundial, os líderes republicanos não aprenderam nada. Confrontados pelo grande recorde deste país, e pela tremenda promessa de futuro que ele porta, tudo o que eles fazem é coaxar ‘socialismo’”.
Os republicanos mais espertos abandonaram a campanha. O retorno ao realismo foi liderado pela senadora do Maine, Margaret Chase Smith, que temia que o seu partido fosse prejudicado não só nos prospectos eleitorais, mas no país. No verão ela lançou a sua “Declaração de Consciência” – o primeiro desafio sério ao McCartismo a partir do GOP [Antigo Grande Partido, em sua sigla em inglês, como muitos republicanos chamam] – no qual ela rejeita a histeria anticomunista do momento:
“Aqueles de nós que gritam mais alto a respeito do americanismo, encenando características ferozes, também são os que mais frequentemente, em suas próprias palavras e atos, ignoram alguns dos princípios americanos básicos: o direito de criticar, o direito de defender crenças impopulares, o direito de protestar e o direito ao pensamento independente".
Os republicanos devem estar determinados a terminar com o controle democrata do congresso”, sugere Smith em sua declaração:
“Mas fazer isso com um regime republicano que abraça uma filosofia carente de integridade política ou de honestidade intelectual seria igualmente desastroso para esta nação. A nação precisa seriamente de uma vitória republicana. Mas eu não quero ver o Partido Republicano obter vitória política cavalgando sobre os Quatro Cavaleiros da Calúnia – Medo, Ignorância, Intolerância e Difamação. Eu tenho dúvidas se o partido republicano pode fazer isso – simplesmente porque eu não acredito que o povo americano apoie um partido político que ponha a exploração política acima do interesse nacional”.
A maioria dos republicanos não teve coragem para confrontar McCarthy tão diretamente. Mas a sabedoria de Smith prevaleceu entre os líderes do Comitê Nacional Republicano e dos velhos membros do GOP nas comissões do congresso, que largaram o slogan “liberdade contra o socialismo” e reduziram o número de palavras do manifesto de 1950 para um resumo com 99, que os repórteres do Washington [Post] explicaram que tinham sido remendados para “pegar leve” na coisa toda do “liberdade contra o socialismo”. O congressista James Fulton, que como muitos outros moderados do GOP da época na verdade sabiam e trabalhavam com membros do Partido Socialista e com radicais de várias colorações, foi o mais direto. O slogan barato, argumentou, tinha afastado o partido da questão fundamental do GOP na era do pós-guerra: “se voltamos a ser Matusalém ou oferecemos um programa alternativo para o progresso social no quadro de um orçamento equilibrado”.
Imagine se hoje um proeminente republicano iria dizer algo parecido. A ira de Limbaugh, Hannity, Palin e do movimento Tea Party iria cair sobre ele. O Clube para o Crescimento iria se organizar para derrotar “os republicanos só no nome”, e a limpeza ideológica do partido de Lincoln, Teddy Roosevelt, Eisenhower e Margaret Chase Smith aceleraria. Alguns dos meus amigos democratas estão bastante contentes com o prospecto; como hoje os republicanos estão beirando ao extremismo que evitaram, mesmo nos dias de McCarthy, sugerem esses democratas, as possibilidades de vitória ficarão claras para candidatos do tipo. Mas isso menospreza o dano causado à democracia quando o discurso degenera, quando a única luta real se dá entre a franja de um partido e outro que assume o caminho da vitória para se mover para a centro direita e então espera que os medos de uma direita totalitária manterão todo mundo à esquerda, votando na linha democrata.
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Se legislações universais de construções verdes e proteções à saúde das crianças podem ser usados com sucesso por nossa mídia degenerada como um ataque aos valores americanos e ao estado de direito, então a direita já venceu, não importa qual o resultado no dia da eleição. E uma nação fundada na revolta contra o império, uma nação que alimentou a resposta republicana radical ao pecado da escravidão, uma nação que confrontou o colapso econômico e a injustiça com um New Deal e uma Guerra contra a Pobreza, uma nação que gerou um movimento pelos direitos civis e que ainda recita uma Prece da Aliança (escrita em 1892 pelo socialista cristão Francis Bellamy) ao ideal de uma América “com liberdade e justiça para todos” está desprovido do que sempre em nossa história tem sido o elemento essencial de nosso progresso.
Esse elemento – uma crítica social frequentemente combinada com um partido político socialista e mais recentemente ligado ao ativismo socialista independente no mundo do trabalho e na militância por direitos iguais entre homens e mulheres, pelas minorias étnicas, imigrantes, gays e lésbicas, e pessoas portadoras de necessidades especiais – tem desde os primeiros dias de nação sido parte de nossa vida política. Este país não seria o que é hoje – de fato, poderia inclusive não ser – não tivesse tido a influência positiva de revolucionários, radicais, socialistas, socialdemocratas e seus companheiros de viagem. O grande cientista político Terence Ball nos lembra que “no auge da guerra fria uma forma limitada de assistência em saúde – o Medicare – passou no Congresso ganhando das objeções da Associação Médica Americana e da indústria de seguros, e foi parar na mesa do presidente Johnson.”
Isso não aconteceu por acaso. Um jovem escritor reconheceu que era possível rejeitar o totalitarismo soviético, enquanto ainda se aprende com Marx e abraça a esquerda democrática socialista do movimento católico Dorothy’s Day para se juntar à Liga da Juventude Socialista. Michael Harrington queria mudar o rumo do debate sobre a pobreza na América, e talvez notável ou profeticamente, ele presumiu que se ligar ao outrora forte mas naquela altura aliado partido socialista era a maneira de fazer isso. Num artigo de 1959, para a então liberal Commentary Magazine, Harrington buscou, nas palavras do seu biógrafo, Maurice Isserman, “superar a sabedoria convencional de que o Estados Unidos tinha se tornado uma sociedade majoritariamente de classe média. Usando o critério da linha da pobreza da renda de 3 mil dólares anuais para uma família de 4 pessoas, ele demonstrou que quase um terço da população vivia ‘abaixo desse padrão que fomos ensinados a observar como o mínimo decente para comer, morar, vestir e ter saúde’”.
Harrington foi além dos seus sonhos mais radicais. O artigo levou a um livro, “A outra América: Pobreza nos Estados Unidos”, que se tornou leitura obrigatória para os políticos, vendendo 70 mil cópias no seu primeiro ano. “Dentre os leitores célebres do livro estavam John F. Kennedy, que no outono de 1963 começou a pensar em propor uma legislação antipobreza”, rememora Isserman. “Depois do assassinato de Kennedy, Lyndon Johnson tomou para si a tarefa, convocando em seu discurso à nação em 1964 uma “incondicional guerra contra a pobreza”. Sargent Shriver liderou a força tarefa responsável pelo projeto de legislação e convidou Harrington a Washington como consultor”. As propostas de Harrington de renovar os projetos de trabalhadores públicos do New Deal nunca foram plenamente abarcadas. Mas a defesa dele e de outros de que o governo deveria intervir por aqueles que não podiam cuidar de si mesmos ou de suas famílias contava com o que o autor descreveu como uma “Seguridade Social completa”, ao prover assistência em saúde para os idosos. Isso demandou da administração Johnson o projeto “Great Society”, incluindo o projeto de lei do Social Security Act de 1965 – ou Medicare. Johnson fez o seu combate, mas os estadunidenses concordaram com seu presidente quando ele argumentou que “o plano de assistência em saúde, pelo qual o presidente Kennedy tanto lutou para implementar, é o modo americano; é prático, é sensível, é igualitário e é justo”.
Poderia um plano descrito como “medicina socializada” pela Associação Médica Americana, porque era, de fato, verdadeiramente medicina socializada ser “o modo americano”? É claro. Durante o debate sobre o Medicare no começo dos anos 60, o senador do Texas e candidato George H.W.Bush condenou a proposta como “estranhamente socialista”. Ronald Reagan, então fazendo a transição de garoto propaganda na televisão para garoto propaganda televisivo do senador conservador Barry Goldwater, alertou os cidadãos de que se esse projeto fosse aprovado os estadunidenses poderiam ver a si mesmos “dizendo às nossas crianças e aos filhos de nossos filhos como foi um dia a América, quando os homens eram livres”. Mas Bush e Reagan administraram o programa quando de suas gestões na presidência, e os ativistas do Tea Party hoje, nos seus encontros nas salas de estar das cidades, ameaçam qualquer legislador que ouse mexer no seu amado Medicare.
Os estadunidenses não teriam tido o Medicare se Harrington e os socialistas que vieram antes dele – de candidatos presidenciais como Debs e Thomas a dirigentes como Mary Marcy e Margaret Sanger e como a militante do partido comunista Elizabeth Gurley Flynn – não tivessem por décadas pressionado os limites do debate sobre a assistência em saúde. Tampouco um ativista como o Senador Edward Kennedy teria declarado: “Eu vejo Michael Harrington como fazendo o Sermão da Montanha à América”. O mesmo foi verdade nos dias dos debates abolicionistas, quando os socialistas – inclusive amigos de Marx que imigraram para os Estados Unidos depois que as revoluções de 1848 foram esmagadas na Europa – energizaram o movimento contra a escravidão e ajudaram a dar-lhe expressão política na forma do Partido Republicano.
O mesmo foi verdade nos primórdios do século XX, quando editores do partido socialista, como Victor Berger combateu as tentativas de destruição das liberdades civis e definiu nosso moderno entendimento de liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito de reconversão processual. O mesmo foi verdade quando o longevo socialista A. Philip Randolph convocou em 1963 a Marcha em Washington por Empregos e Liberdade e convidou o jovem pregador Martin Luther King Jr., que tinha muitos conselheiros socialistas além do respeitável Randolph, para fazer o que viria a ser conhecido como o discurso “I Have a Dream” [Eu tenho um sonho].
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Em cada momento crítico da nossa jornada nacional, os pensadores socialistas e os militantes, assim como candidatos e burocratas, empurraram o governo para uma direção progressista. Pode ser verdade, como sugere o historiador Patrick Allitt, que “milhões de estadunidenses, inclusive muitos desses críticos [da administração Obama], sejam defensores ardentes do socialismo, mesmo que eles não entendam isso ou sequer usem na verdade a palavra” para descrever os serviços públicos que são “organizados segundo linhas diretivas socialistas”, como escolas e autoestradas. De fato, socialistas contemporâneos e militantes do Tea Party podem na verdade encontrar um fundo comum (talvez desconfortável) na asserção de Allitt de que “o socialismo como um princípio organizacional está vivo e bem aqui, assim como o estava ao longo do mundo industrializado” – mesmo que eles não concordem que isso seja uma boa coisa. Programas “organizados segundo linhas diretivas socialistas” não tornam um país socialista. Mas a América sempre foi e deve continuar sendo informada pelos ideais socialistas e pela crítica socialista das políticas públicas.
Vivemos em tempos complexos, em que profundos desafios econômicos, sociais e ambientais exigem um conjunto de respostas. Os socialistas certamente não têm todas as respostas, mesmo que as pesquisas indiquem que mais americanos encontram apelo na palavra “socialismo”, do que em décadas. Mas sem ideias e sem militância socialista, não teremos uma contrabalança suficiente para o impulso anti-governo que tem menos a ver com libertarianismo do que manipulação do debate pelas todas poderosas corporações. Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Franklin Roosevelt, Dwitht Eisenhower e John Kennedy não eram socialistas. Mas a nação se beneficiou de seus empréstimos às ideias socialistas e social democratas. Barack Obama certamente não é um socialista. Mas ele, e a nação que ele comanda, seriam bem servidos por um empréstimo similar ao povo que um dia imaginou o Social Security, o Medicare, o Medicaid e a Guerra contra a Pobreza.
(*) Jonh Nichols é correspondente em Washington do The Nation e editor associado do The Capital Times (http://host.madison.com/ct/), Wisconsin. Seu livro mais recente é “A Letra S: uma breve história na tradição americana ( The “S” Word: A Short History of an American Tradition). É co-fundador da organização pela reforma da liberdade de imprensa e co-autor, junto com Robert W. McChesney de A morte e a vida do jornalismo americano: a revolução midiática que dará origem ao mundo de novo ( The Death and Life of American Journalism: The Media Revolution that Will Begin the World Again) e de Tragédia e Farsa: Como a mídia americana vende a guerra, corrompe eleições e destrói a democracia( Tragedy & Farce: How the American Media Sell Wars, Spin Elections, and Destroy Democracy). Os outros livros de Nichols incluem: Dick: o homem que é presidente ( Dick: The Man Who is President).

Tradução: Katarina Peixoto