Charge de Carlos Latuff |
Na "política de massa", que emerge no fim do século XIX
para o inicio do século XX, o slogan ganha uma importância gritante (assim como
outras ferramentas de agitação), tanto que o marketing cresce de sobremaneira e
termina por tornar-se dominante no cenário político solidificando o processo de
mercantilização da própria política. Dessa maneira é impossível pensar que o
slogan "não vai ter copa" teve algum fundo de verdade mesmo para o
mais otimista do manifestante de esquerda.
A Copa naquele momento realizara-se para as grandes empreiteiras,
seguradoras, investidores, bancos, publicitários, prestadores de serviço e
empresas de uma variada gama de setores: de material bélico a alimentos e
bebidas etc. Mas, ela também ocorreu para todos aqueles que perderam seu lar
para as grandes obras, bem como outras vítimas do processo de higienização que
veio junto da reforma urbana que a copa promoveu. Não podemos esquecer que a
realidade acima de tudo é dialética e dessa maneira para que o lucro das
empresas se concretizasse era preciso expropriar alguém.
Ou seja, para o mau ou para o bem a copa ocorreu sem a bola
rolar, assim o slogan "não vai ter copa" não passava disso, um
slogan, mas isso obviamente não acabava com a necessidade da luta, nem tampouco
tornava os manifestantes, pessoas indignas, ao contrário.
Quem tornou a propagação do slogan maior do que supunha seus criadores
não foram eles e suas ações, nem tampouco os black blocks ou a mídia em sua
tentativa de criminalizar os movimentos sociais para acalmar os ânimos do
capital. Quem potencializou o slogan foi o próprio governo, que caiu numa
armadilha que fez com que o PT despisse de vez qualquer vestígio que ainda
existisse de esquerda em si e nos seus intelectuais orgânicos mais diretos (com
exceção de sua linha de frente política, que em nome da realpolitk enterrara
essa carapuça há tempos).
Emir Sader que se reivindica marxista e vez ou outra ainda
escreve coletâneas de enxertos de Marx (sem lê-los provavelmente) foi o maior
expoente, tal qual a tropa de choque de Alckmin chamou os militantes do MTST de
vândalos à palavras de baixo calão piores, que este escriba se recusa a por na
mesma sentença que a desses bravos lutadores. Preso em uma armadilha, o governo
reuniu sua equipe de marketeiros (ao invés da política) e criou o contra slogan
(ridículo) de ser a "copa das copas".
O Clima de copa que parecia não existir antes do começo do mundial
de fato não existia por uma série de fatores correlatos cuja manifestações de
ruas são apenas um dos sintomas. O Brasil não é o país do futebol, é hoje em
dia apenas um grande exportador de jogadores, de resto o futebol brasileiro
vive uma profunda crise financeira, tática, organizativa e de torcedores.
A torcida insípida da copa é seu lado mais latente, já que ela
não consegue criar gritos de torcida que empolguem o time, ou seja a principal
função do torcedor. Essa torcida que é a face visível do processo de
higienização do futebol, talvez o grande legado da copa para o futebol nacional
(e que os estádios são apenas consequência). Afasta-se aquela torcida mais
popular e que fazia barulho, mas também o incômodo que tornou-se as torcidas
organizadas.
As torcidas organizadas surgem no contexto da ditadura militar
para tentar pressionar os dirigentes corruptos que se eternizavam no poder com leniência
dos militares. Com o tempo elas foram cooptadas, tornando-se base política para
os dirigentes que critivam e fontes de um grande elemento fascistizante com sua
ideia fixa de eliminar fisicamente a torcida rival, ou seja as torcidas serviam
para disseminar algo que é o motor da rivalidade esportiva, mas que ultrapassou
suas fronteiras tornando-se mais um elemento ideológico, não era preciso bater
na classe trabalhadora, quando ela mesmo batia em si mesmo.
Fechando esse pequeno parênteses há o elemento do afastamento da
própria seleção brasileira, que não custa nunca deixar de lembrar é propriedade
de uma empresa privada, a CBF, que nesses quatro anos entre o fracasso na Copa
da Africa do Sul e a Copa em sua casa realizou apenas amistosos pontuais no
exterior, com a maioria dos jogadores atuando em clubes do exterior, afastados
da torcida sazonal (a que torce apenas pela seleção), mas também da qualificada
torcida dos clubes.
Para completar havia o elemento pessimista, tanto em relação à
organização do mundial, na qual o governo claramente se atropelou e perdeu a
oportunidade de realizar ainda mais o capital com as obras de mobilidade
urbana, mas também com a construção dos estádios. E o elemento pessimista com
relação ao próprio futebol que jogado no mundial. Com o retrospecto de 2006 e
2010, e com relação ao péssimo futebol praticado por estas bandas (táticas medíocres
de técnicos que não se modernizam e são muito mais “grifes” do que pensadores
da pelota), havia o temor de ter um mundial com um péssimo futebol, ou com
partidas sonolentas ao estilo “Barcelona” (o famoso tiki-taka da seleção
espanhola). O que se viu com a bola rolando foi uma fórmula anti-tiki-taka, e
jogos que souberam contagiar a população que antes se via pessimista.
Mas no fim, e os manifestantes que cunharam o slogan “copa para
quem”?
Esses continuam nas ruas, apanhando da polícia, porque, assim
como os desabrigados pela Copa, eles têm contato com o verdadeiro legado do
mundial que é o aparato repressivo criado para garantir a segurança do evento,
mas que caiu como uma mão na roda para o Estado e o Capital, que foi
surpreendido em seu eterno confronto contra o mundo do trabalho. As grandes
manifestações de junho encontraram a Polícia Militar (o braço cotidiano de ação
do Estado) despreparada, havia aquela sensação do período de refluxo da
esquerda, ou seja, era só bater que os manifestantes iriam voltar para casa,
ser criminalizados pela mídia, e o capital vencer a batalha.
Como junho de 2013 provou, havia chance de uma massificação de
demandas, e revolta contra o Estado e contra a própria repressão, que no
momento de virada havia atingido com força “os filhos da classe média”. Como
desde junho, a cada vitória da classe trabalhadora, há em contraponto uma
vitória do capital, se o MPL consegue baixar a tarifa de um lado, de outro o
Estado corta investimentos, salários. Se a massa vai para a rua, a policia se
arma com equipamentos melhores e também táticas novas (há relatos de que a
policia consegue derrubar servidores de streaming de ativistas durante os
últimos atos no período da Copa). Se os garis vencem em sua pauta de greve, o
mesmo não ocorreu com os metroviários, que foram derrotados de todas as
maneiras possíveis pelo governo (legalmente, fisicamente e psicologicamente com
as demissões). E foram atacados dessa maneira para não abrir o estranho precedente
de que todas as categorias poderiam entrar em greve durante a copa que seriam
atendidos.
A Copa do Mundo é apenas um mês, um mês no qual dependendo das
condições do futebol mundial é possível ocorrer um espetáculo em campo. No
entanto como toda mercadoria, ela carrega em si um grande elemento
contraditório e alienado. Ela representa o máximo da monopolização do futebol
em torno de grandes clubes que atraem para si os melhores jogadores, técnicos e
profissionais, e que comercializa essa marca. O mesmo ocorre com as seleções e
com a competição em si. E nesse processo ela se torna uma mercadoria cara aos
espectadores de todo o mundo e que cobra um preço em carne e sangue gigantesco
para o país sede do evento.
Quando a copa terminar, o grande legado dela será também um
slogan que a esquerda também puxa, no caso é o “copa para quem?”, que traz em
si uma indagação mais concreta a cerca do grande legado dela, que é a realização
do capital em um processo gigantesco de expropriação física e de mais-valor dos
trabalhadores brasileiros. Para ocorrer o show em campo, foi preciso derrubar
sangue, que continuará a ser derrubado com mais força, mas também acarreta mais
esperança, pois maximizou durante um período uma parte da opinião pública, seja
achando que não haveria a copa por uma série de fatores, ou pela concretude de
seu legado, já que após o fim do reinado da FIFA, permanece o reinado da
burguesia, e desse a luta ainda pode nos livrar.
João Vicente Nascimento Lins - 25/06/2014