Há duas semanas a revista carta capital
teve como reportagem de capa um suposto vazio cultural no Brasil,* com destaque
para o editorial escrito por Mino Carta com o título de “Imbecialização doBrasil” onde o editor discorre sobre a falta de nomes e produções culturais de
peso no país, retomando os intelectuais do passado como Gilberto Freyre,
Guimarães Rosa ou Candido Portnari. A matéria e o editorial chamam a atenção
para a importante produção nacional – atualmente nos cinemas – “o som ao redor”
de Kléber Mendonça.
Por mais totalizantes e afirmativos
que a reportagem e o editorial sejam, eles possuem um fundo de verdade. Retomando
a um debate puxado pela intelectualidade da USP (grande parte dela ligadas ao
PT) durante as eleições do ano passado principalmente como um esforço da
campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, filósofos como VladmirSafatle e Marilena Chauí destacaram a perda da hegemonia cultural da esquerda
para principalmente as igrejas de culto neopentecostais.
A cultura, assim como a política e
mesmo a economia são campos da vida social que se influenciam, com um destaque
para a economia onde se situa a base da reprodução social, nesse sentido há a
influência, é impossível pensar a erosão cultural sem identificar nele um
processo global mais amplo de construção da hegemonia de pensamento econômico político
neoliberal, e sem pensar também o processo no sentido da produção cultural
mercadológica.
Esse processo colocado em campo mais
amplo implica na contraofensiva do capital na destruição dos direitos
trabalhistas e reconfiguração da produção naquilo que veio a se chamar
toyotismo, ou seja, a erosão cultural é subproduto de um processo iniciado nos
anos 70 nas economias ditas centrais e que tem aplicação nas economias
periféricas sobretudo nos anos 80 e 90. Pensando na realidade brasileira
justamente quando a esquerda perde sua dita hegemonia cultural.
Como processo ideológico ele encontra
espaço na academia, e pode se dizer que as ciências sociais sejam uma das áreas
onde se encontra com mais força esse processo. Notória por nos anos 60 e 70
construir grandes teorias sobre o processo de formação social do país – é só
pensar nas obras de Florestan Fernandes sobre a Revolução Burguesa no Brasil, assim
como as de Nelson Werneck Sodré sobre a história militar, da imprensa, sobre a
própria Revolução Burguesa, a pesquisa de Chasin sobre o integralismo de Plínio
Salgado, de Carlos Nelson Coutinho sobre o estruturalismo – a partir dos anos
80 as ciências sociais já profundamente inseridas em um processo de
institucionalização e expansão, viverá assim como as outras áreas da academia,
um processo de precarização.
Crescerão em número as pesquisas de
conteúdo mais imediatista, em detrimento das grandes discussões nacionais e
epistemológicas, caminha-se muito mais na direção do irracionalismo do que das
discussões racionais ou mesmo revolucionárias. Os professores serão obrigados a
entrar em uma lógica produtivista de produção incessante de artigos e livros em
claro detrimento da pesquisa. O abismo cultural sentido pela clara alienação em
forma de conteúdos de puro entretimento da vida social, ganha na academia contornos
mais sofisticados, mas tão alienantes quanto.
Pensando na suposta perda da hegemonia
cultural da esquerda para as seitas neopentecostais é preciso retomar
historicamente o processo de implementação das reformas de cunho neoliberal, e
também a trajetória política do PT. Enquanto as condições do país iam se
deteriorando, primeiro com a crise da dívida nos anos 80 e depois com o ataque
especulativo e as medidas de abertura econômica que ajudaram no aumento da
inflação nos anos 90, o Partido dos Trabalhadores, o partido hegemônico na
esquerda brasileira dava inicio ao seu processo de constituição de ator apenas
da pequena política (melhor dizendo sua institucionalização).
As seguidas crises monetárias,
solucionadas pelos acordos de implantação do plano real, que trouxeram uma
estabilidade cambial, a renegociação da dívida externa, e por consequências as
reformas neoliberais e os ataques aos direitos trabalhistas. A população pobre,
de trabalhadores informais foi a que mais sofreu com as seguidas crises,
sofrimento de posses materiais que levam quase à não sobrevivência física,
possibilitam um grande dano psicológico, além de encaminharem essas populações
para uma própria desumanização, o que consequentemente as empurra para
alternativas mais irracionais, ou seja empurra para a religião em suas formas
mais fundamentalistas.
Ocorre que essa população mais pobre
tinha antigamente na igreja católica e nas comunidades eclesiais de base uma
grande base social e de ligação. Essas comunidades eclesiais de base eram
hegemonizadas pelo PT nos anos 80, fato que perdurou nos anos 90. Mas os anos
90 trouxeram a institucionalização do PT, em um processo onde o partido ainda
na oposição encaminhou seu centro ideológico da esquerda para a centro direita.
Não foi um simples processo de mudança ideológica, o PT nos anos 90 dava inicio
à construção da máquina eleitoral que permitiu seu sucesso na eleição de 2002,
além de abrandar posições, o partido passou a receber doações de grandes
empresas, e se afastar de sua base militante, que passou a ser base eleitoral. De
um partido que propunha grandes transformações, ou seja, um partido da grande
política, ele passou a um partido da pequena política só preocupado com os
arranjos eleitorais para ganhar e se manter no poder.
As comunidades eclesiais de base
sofreram, assim como outros movimentos sociais os reflexos dessa mudança de
postura, sendo chamados cada vez menos para discutir os rumos, programas e
pontos do partido, criando um terreno propício para não mais conseguirem
responder as demandas de sua base. A base insatisfeita, desumanizada por razões
econômicas, e alienadas pela falta de educação e cultura era empurrada para as
soluções irracionais, a teologia da prosperidade sobe em número de fiéis na
mesma proporção que a teologia da libertação sofria uma sangria publica – incentivada
pela igreja católica diga-se de passagem – para matar o pensamento progressista
religioso de esquerda na América Latina e assim diminuir as resistências ao neoliberalismo.
É claro há quem resista dentro das
universidades ao produtivismo, dentro das comunidades eclesiais de base, a
produção cultural no Brasil de obras de arte é pequena, ainda que haja exceções
em todos os campos mesmo dentro do mercado. Ou seja, a situação é catastrófica
como pintada pela revista sim. Talvez faltasse relacionar a situação particular
que o Brasil vive, com a situação universal que se encontra, ou seja, o vazio
cultural, a imbecialização, fazem parte da ideologia do capital e de sua contra
ofensiva atual contra os trabalhadores, ou seja faz parte da luta de classes, e
ganha no Brasil esses contornos, concorde-se ou não com a revista, ela terminou
por chamar atenção, ainda que não fazendo uma conjuntura ampla para um debate
necessário e do qual a esquerda tem negligenciado perdida que está em
discussões da pequena política.
João Vicente Nascimento Lins 11/02/2013
*A edição da revista citada é a de número 734 de 31 de janeiro de 2013