sexta-feira, 8 de março de 2013

A raposa que cuida do galinheiro: uma crônica do dia em que a democracia mostra sua verdadeira cara



Sobre a eleição do fascista para a comissão de direitos humanos, há quem fale em situação inédita ou coisa do tipo, ela pode ser inédita à luz atual, mas nada mais é do que uma nova feição de algo que é comum no país que foi último da América a acabar com a escravidão, e tem por uma série de contradições e particularidades uma história sim de lutas das classes subalternas, mas que a classe dominante no poder sempre reprimiu e eliminou fisicamente, a estrutura social da ditadura, do pré ditadura pouco mudou.

Temos um arremedo de democracia representativa, que combinado com uma consolidação de alguns aspectos da ideologia burguesa, principalmente no que diz respeito à uma assimilação de poucos preceitos liberais (mais no terreno da livre iniciativa, do que propriamente dito dos aspectos mais progressistas dessa ideologia), e a uma ditadura da pequena política sobre a grande política temos o quadro que vemos agora, ou seja, as pessoas não ligam para a política “por que tem mais o que fazer”, dando vazão para que os pouquíssimos grupos organizados tais como igrejas protestantes consigam impor sua agenda, principalmente à custa da falta de cultura e da situação de pauperidade de uma imensa maioria da população.

A comissão de direitos humanos da câmara é como qualquer comissão de discussão política, ela precisa aprovar as matérias que envolve o tema, o presidente no fim é só um cargo simbólico, já que o que manda é a correlação de forças entre os membros, estes sim os que votam, ao presidente cabe presidir, tratorar, e retirar projetos da pauta e coisas do tipo.

Ela é apenas uma agulha em disputa dentro de um imenso palheiro que é o sistema político brasileiro, mas ela é uma daquelas conquistas dentro da democracia de cooptação (ou transformismo), ou seja, algo que foi dado às minorias historicamente deixadas de lado, para arrancar o falso consenso, mas diante da formação social brasileira é algo histórico. Assim sua entrega, ou melhor, dizendo o fato de ela ser utilizada quase como um troco para agradar a classe aliada, é mais uma das jogadas do PT para se manter no poder, mas ao mesmo tempo demonstra o peso que algo como os direitos humanos possui no nosso sistema político nacional, ou seja é uma moeda de troca, algo menor perto por exemplo da comissão da agricultura, da saúde, da educação.

A pergunta no fim, não é se o Brasil caminha para se tornar teocrático, a pergunta certa talvez seja, quando é que nos livraremos desse ranço conservador entre nossas elites e entre aqueles que supostamente deveriam representar os interesses das classes subalternas, e por ser retórica, a resposta já existe.

João Vicente Nascimento Lins 07/03/2013

quarta-feira, 6 de março de 2013

História...



Willian Waack: experimento ditatorial dos irmãos castro


Arnaldo Jabor: massas ignorantes e sem cultura da América Latina


E tem quem fale que o tempo das ideologias acabou, que as classes sociais não existem e que o imperialismo é um delírio. Não a luta de classes não acabou, a ideologia burguesa é uma realidade, o imperialismo ganha força todos os dias, e o capitalismo se consolida, enquanto as reformas neoliberais não são deixadas de lado, mas reafirmadas todos os dias, que o diga Grécia, Espanha, Síria, Líbia, Mali, Paraguai e Venezuela.

De fato tudo que é sólido se desmancha, mas sempre enquanto um produto da humanidade (principalmente as ignorantes e sem cultura) que por serem isso talvez se revoltem e queiram destruir o sólido com mais raiva do que qualquer outra coisa, afinal ninguém ensinou a elas que elas devem aceitar morrer de fome, serem enganadas, exploradas e mortas.

Então se a realidade que vivemos é uma ficção por que não deixamos de lado as ficções da propriedade privada dos meios de produção, do capital financeiro, dos juros, da religião, da ideologia. Talvez por que elas são frutos da realidade material tal qual a exploração...

Enquanto houver explorados, exploração, fome, o trabalho de muitos alimentando apenas poucos, haverão as massas ignorantes e sem culturas que ousam enfrentar o sólido e construir a humanidade, enquanto houver experimentos "ditatoriais" em Cuba, na Córeia, na Rússia, haverão pessoas ignorantes, e enquanto houver esses ignorantes, a humanidade terá esperanças de se efetivar, ao contrário de uma realidade em que só haja os cultos e intelectuais que tanto reafirmam a exploração de todos.

Imagem: homenagem de Carlos Latuff no Opera Mundi ao Comandante Chávez

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Os embates culturais e ideológicos no Brasil contemporâneo: um pequeno esboço



Há duas semanas a revista carta capital teve como reportagem de capa um suposto vazio cultural no Brasil,* com destaque para o editorial escrito por Mino Carta com o título de “Imbecialização doBrasil” onde o editor discorre sobre a falta de nomes e produções culturais de peso no país, retomando os intelectuais do passado como Gilberto Freyre, Guimarães Rosa ou Candido Portnari. A matéria e o editorial chamam a atenção para a importante produção nacional – atualmente nos cinemas – “o som ao redor” de Kléber Mendonça.

Por mais totalizantes e afirmativos que a reportagem e o editorial sejam, eles possuem um fundo de verdade. Retomando a um debate puxado pela intelectualidade da USP (grande parte dela ligadas ao PT) durante as eleições do ano passado principalmente como um esforço da campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, filósofos como VladmirSafatle e Marilena Chauí destacaram a perda da hegemonia cultural da esquerda para principalmente as igrejas de culto neopentecostais.

A cultura, assim como a política e mesmo a economia são campos da vida social que se influenciam, com um destaque para a economia onde se situa a base da reprodução social, nesse sentido há a influência, é impossível pensar a erosão cultural sem identificar nele um processo global mais amplo de construção da hegemonia de pensamento econômico político neoliberal, e sem pensar também o processo no sentido da produção cultural mercadológica.

Esse processo colocado em campo mais amplo implica na contraofensiva do capital na destruição dos direitos trabalhistas e reconfiguração da produção naquilo que veio a se chamar toyotismo, ou seja, a erosão cultural é subproduto de um processo iniciado nos anos 70 nas economias ditas centrais e que tem aplicação nas economias periféricas sobretudo nos anos 80 e 90. Pensando na realidade brasileira justamente quando a esquerda perde sua dita hegemonia cultural.

Como processo ideológico ele encontra espaço na academia, e pode se dizer que as ciências sociais sejam uma das áreas onde se encontra com mais força esse processo. Notória por nos anos 60 e 70 construir grandes teorias sobre o processo de formação social do país – é só pensar nas obras de Florestan Fernandes sobre a Revolução Burguesa no Brasil, assim como as de Nelson Werneck Sodré sobre a história militar, da imprensa, sobre a própria Revolução Burguesa, a pesquisa de Chasin sobre o integralismo de Plínio Salgado, de Carlos Nelson Coutinho sobre o estruturalismo – a partir dos anos 80 as ciências sociais já profundamente inseridas em um processo de institucionalização e expansão, viverá assim como as outras áreas da academia, um processo de precarização.

Crescerão em número as pesquisas de conteúdo mais imediatista, em detrimento das grandes discussões nacionais e epistemológicas, caminha-se muito mais na direção do irracionalismo do que das discussões racionais ou mesmo revolucionárias. Os professores serão obrigados a entrar em uma lógica produtivista de produção incessante de artigos e livros em claro detrimento da pesquisa. O abismo cultural sentido pela clara alienação em forma de conteúdos de puro entretimento da vida social, ganha na academia contornos mais sofisticados, mas tão alienantes quanto.

Pensando na suposta perda da hegemonia cultural da esquerda para as seitas neopentecostais é preciso retomar historicamente o processo de implementação das reformas de cunho neoliberal, e também a trajetória política do PT. Enquanto as condições do país iam se deteriorando, primeiro com a crise da dívida nos anos 80 e depois com o ataque especulativo e as medidas de abertura econômica que ajudaram no aumento da inflação nos anos 90, o Partido dos Trabalhadores, o partido hegemônico na esquerda brasileira dava inicio ao seu processo de constituição de ator apenas da pequena política (melhor dizendo sua institucionalização).

As seguidas crises monetárias, solucionadas pelos acordos de implantação do plano real, que trouxeram uma estabilidade cambial, a renegociação da dívida externa, e por consequências as reformas neoliberais e os ataques aos direitos trabalhistas. A população pobre, de trabalhadores informais foi a que mais sofreu com as seguidas crises, sofrimento de posses materiais que levam quase à não sobrevivência física, possibilitam um grande dano psicológico, além de encaminharem essas populações para uma própria desumanização, o que consequentemente as empurra para alternativas mais irracionais, ou seja empurra para a religião em suas formas mais fundamentalistas.

Ocorre que essa população mais pobre tinha antigamente na igreja católica e nas comunidades eclesiais de base uma grande base social e de ligação. Essas comunidades eclesiais de base eram hegemonizadas pelo PT nos anos 80, fato que perdurou nos anos 90. Mas os anos 90 trouxeram a institucionalização do PT, em um processo onde o partido ainda na oposição encaminhou seu centro ideológico da esquerda para a centro direita. Não foi um simples processo de mudança ideológica, o PT nos anos 90 dava inicio à construção da máquina eleitoral que permitiu seu sucesso na eleição de 2002, além de abrandar posições, o partido passou a receber doações de grandes empresas, e se afastar de sua base militante, que passou a ser base eleitoral. De um partido que propunha grandes transformações, ou seja, um partido da grande política, ele passou a um partido da pequena política só preocupado com os arranjos eleitorais para ganhar e se manter no poder.

As comunidades eclesiais de base sofreram, assim como outros movimentos sociais os reflexos dessa mudança de postura, sendo chamados cada vez menos para discutir os rumos, programas e pontos do partido, criando um terreno propício para não mais conseguirem responder as demandas de sua base. A base insatisfeita, desumanizada por razões econômicas, e alienadas pela falta de educação e cultura era empurrada para as soluções irracionais, a teologia da prosperidade sobe em número de fiéis na mesma proporção que a teologia da libertação sofria uma sangria publica – incentivada pela igreja católica diga-se de passagem – para matar o pensamento progressista religioso de esquerda na América Latina e assim diminuir as resistências ao neoliberalismo.

É claro há quem resista dentro das universidades ao produtivismo, dentro das comunidades eclesiais de base, a produção cultural no Brasil de obras de arte é pequena, ainda que haja exceções em todos os campos mesmo dentro do mercado. Ou seja, a situação é catastrófica como pintada pela revista sim. Talvez faltasse relacionar a situação particular que o Brasil vive, com a situação universal que se encontra, ou seja, o vazio cultural, a imbecialização, fazem parte da ideologia do capital e de sua contra ofensiva atual contra os trabalhadores, ou seja faz parte da luta de classes, e ganha no Brasil esses contornos, concorde-se ou não com a revista, ela terminou por chamar atenção, ainda que não fazendo uma conjuntura ampla para um debate necessário e do qual a esquerda tem negligenciado perdida que está em discussões da pequena política.

João Vicente Nascimento Lins 11/02/2013
*A edição da revista citada é a de número 734 de 31 de janeiro de 2013

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A defesa do individualismo em "A Guerra dos Tronos"



A literatura de fantasia é focada no mito do herói, sua trajetória até a redenção e a salvação da sociedade a qual pertence, por sua semelhança com os mitos redentores religiosos, a sua sensibilização com o leitor se torna mais fácil. Ao mesmo tempo ela se molda ao tempo histórico no qual ela é escrita e publicada, de Rei Arthur até Harry Potter, e terminam por representar as ideias da classe dominante.

Os romances de cavalaria como Rei Arthur eram dedicados aos destacados senhores feudais do período como os reis, ou serviam para manter a esperança de unificação através da construção de uma identidade nacional para ficar no exemplo de Rei Arthur novamente. Com o desenvolvimento da imprensa, a literatura será fundamental na construção das línguas modernas e sua disseminação, muito embora até meados do século XX a alfabetização ainda foi um luxo para boa parte da população mundial.

Com o aumento da alfabetização após a Segunda Guerra Mundial (como uma das conquistas dos trabalhadores, e para tentar combater o comunismo), a literatura de fantasia se tornará um dos nichos de mercado com mais leitores.

O maior expoente dessa literatura de fantasia moderna será o sul africano J. R. R. Tolkien, em suas principais obras, o Hobbit, e os três livros da série o Senhor dos Anéis, Tolkien criará um mundo fantástico com criaturas fantásticas, povos com uma história própria, e até mesmo uma língua (Tolkien era especialista em inglês arcaico). Serão obras lidas por milhões de pessoas, mas não isentas de polêmicas, principalmente no que diz respeito aos homens. A Terra Média, o mundo criado por Tolkien, era um retrato da própria Europa do período da Segunda Guerra Mundial, os orientais e os negros,por exemplo, são vistos de forma preconceituosa e por serem inferiores são dominados por Sauron o Senhor da Escuridão (que pode representar tanto os soviéticos como os nazistas), principalmente quando comparados à raça dos reis dos homens, nativos da Ilha de Numenor (uma clara analogia com a Inglaterra), e descendentes da união carnal entre elfos e homens.

Os Hobbits ,por exemplo, representam a aversão do autor à opressão moderna representada pelo mundo industrial, seu modo de vida simples, idílico, contrasta bem com a modernidade imposta à força por Saruman. Os cavaleiros de Rohan, fundamentais para ajudar os descendentes dos reis, os gondorianos, representam a ajuda dos estadunidenses na guerra aos ingleses para derrotar os alemães.

Colega de Tolkien, e convertido ao cristianismo, C.S Lewis outro inglês expoente da literatura de fantasia, em suas Crônicas de Nárnia, fazia uma analogia com o cristianismo. A adaptação de sua obra ao cinema, embora visando lucros semelhantes ao de Senhor dos Anéis e Harry Potter foi financiado por uma organização de cristãos fundamentalistas dos EUA, que queriam disseminar os ensinamentos cristãos presentes nas analogias das passagens da obra de Lewis.

Em Harry Potter, por mais que se dê uma nova roupagem ao mito do herói, o mal representado por Voldemort, e combatido por Potter o escolhido, lembra o nazismo, já que o antagonista defendia um mundo no qual os “não mágicos” fossem subordinados aos “mágicos”, apelando para uma pureza na “raça” dos mágicos.

Em Senhor dos anéis, Harry Potter e Crônicas de Nárnia é possível traçar principalmente no núcleo desses romances, ainda que uma tímida luta contra a opressão e contra a desigualdade, a defesa da ideia do mito do herói, da redenção, estimula por outro lado a individualidade, a luta pela liberdade, e a crença de crescimento individual como motor do sucesso do indivíduo na sociedade burguesa, alguns dos cernes da ideologia liberal propagada pela burguesia. Além de seu caráter mercadológico, já que são produtos inteiramente inseridos na moderna indústria cultural.

Recentemente a literatura de fantasia ganhou um novo fenômeno mercadológico, a série de fantasia, criada pelo estadunidense George R. R. Martin, a Guerra dos Tronos. A Guerra dos Tronos representa uma quebra paradigmática dentro desse nicho de vários conceitos, além de se constituir em uma obra que representa a consolidação dos ideais pós modernos e neoliberal pela literatura.

Na obra, a intestina e realista luta pelo poder, permeada por traições, incesto, corrupção, sexo, quebra os ideais de bondade presente no mito do herói, os protagonistas do livro, que representam a honra, um dos atributos essenciais do herói são sempre penalizados por essa honra. Como no mercado, onde o individualismo e a ânsia pela conquista de mais poder (na sociedade capitalista, assim como em Westeros, capital é poder, não à toa a casa dos banqueiros, a Lannister é a mais poderosa, e faz dos honrados Starks, gato e sapato deles) é o que move todos os personagens, todas as casas.

A destruição de crença, de valores, de paradigmas, representadas pelo pós modernismo é uma constante, apenas o individuo mais astuto, e com capital consegue vencer e prosperar, os Starks, os honrados podem ser protagonistas, mas sua honra os impede de serem ótimos competidores, ao contrário dos Lannister, que além de possuírem a base material de poder, o capital, são excelente competidores por jogarem fora qualquer acordo, amizade, laço de parentesco, em nome do poder, do capital.

Tamanha semelhança com a sociedade burguesa atual faz da obra um exemplar do realismo, e não da literatura fantástica. Ao invés da identificação direta com os ideais do mito do herói e com a religião, é justamente o que o afasta dela que torna a obra um sucesso. Como disse Karl Marx na Ideologia Alemã:

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio.[1]

A literatura, assim como o cinema, pinturas, fotografia, música, não são separadas da sociedade, mas antes de tudo um produto direto da sociedade e da época histórica na qual são criadas. A literatura de fantasia, muito embora possua características claras de mercadoria, possui como outras obras culturais esse caráter duplo de mercadoria e de reprodução ideológica das ideias. Assim mesmo que dentro de analogias, a literatura de fantasia termina por disseminar as ideias da burguesia. Em sua fase de explosão com Tolkien e Lewis, ela ocorria de forma indireta, agora, com Martin e sua Guerra dos Tronos ela é latente, a busca por poder, por capital, pelo sucesso é o que vale, camaradagem, honra, solidariedade por sua vez é algo ruim, que atrapalha o individuo, que o leva ao fracasso, não importa que em uma sociedade onde o individualismo reine, a barbárie impere, afinal com tal grau de individualismo o meu sucesso permite comprar proteção contra a barbárie dos outros.

João Vicente Nascimento Lins 02/01/2013


[1] Karl Marx, Friedrich Engels - Ideologia Alemã - http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/index.htm acessado em 02/01/2013.