segunda-feira, 11 de junho de 2012

Relato visita ao Centro de Educação Popular Paulo Freire em Lins e ao Acampamento Independente em Sabino



Viver em uma família padrão de classe média termina por criar seres que vivem em uma bolha, muito embora nossa classe média viva momentos de crise econômica, as crianças criadas no modelo clássico de família, com pai e mãe, terminam por reproduzir quando não são abaladas por nenhum cataclismo os mesmos padrões de comportamento e de preconceitos expostos por seus pais, e pelo ambiente que o cerca.
Acontece que a criança vai crescendo e incorporando vivências, assim como o próprio processo de aprendizagem, o que pode levar ela a fugir do padrão imposto pelos seus pais e pela sociedade, e nesse ponto a bolha é rompida. Mas mesmo que a bolha de certos comportamentos seja rompidas, ainda vivemos com vários tabus e terminamos por reproduzi-los ad eternun vide nosso machismo velado, ou mesmo o preconceito em relação a pessoas pobres, ou sem cultura.
Mesmo o ambiente universitário termina por sua vez sendo uma extensão da casa de nossos pais, e ele nos isola do resto do mundo, isso fica claro na extrema e dificultosa relação de uma universidade com a comunidade externa, sendo a comunidade sempre classificada como fascista e a universidade como “antro de baderneiros”.
Dito tudo isso a visita ao Centro de Educação Popular Paulo Freire representou um “belo estouro de bolha”. Muito se discute sobre o papel da educação enquanto emancipação do individuo ou mesmo o seu papel de integrar os indivíduos quaisquer que sejam à sociedade (para falar bem a verdade o único papel que a educação cumpre atualmente é o de integrar a pessoa a sociedade). Nos cursos de licenciatura, por exemplo, somos apenas obrigados a reproduzir o sistema educacional sem refleti-lo, os alunos são entregues a nós devendo aos pedagogos fazerem o papel de fazer a integração inicial (a tão dita alfabetização), e nós a continuarmos e os preparar para os outros funis da vida (vestibular, concursos, universidade, cursos técnicos, empregos).

Entra-se em uma contradição gritante, vivemos em uma sociedade na qual o individuo é potencializado de forma ideológica (e negativa), mas ele é sempre tratado enquanto algo diluíd,o para o Estado, ele é apenas o cidadão sem identidade, e para o mercado a força de trabalho (seja ela material ou intelectual), exclui-se qualquer experiência individual dentro do processo de aprendizado, a educação só emancipa os mais capazes, o resto é treinado apenas para engrossar as fileiras do exercito industrial de reserva, ou do lupem proletariado.
Hoje em dia aos excluídos ainda é dado a chance de tentar integrar-se as exigências de mercado com os cursos de educação de jovens e adultos, ou mesmo de pessoas com necessidades especiais. Quando nós educadores licenciados somos obrigados a lidar com essas situações terminamos por cometer o mesmo erro que fazemos com nossos alunos “normais”, excluímos suas individualidades e particularidades e nesse caso especifico até a humanidade é esquecida.
Sem nem os alunos normais são vistos enquanto iguais, o que dizer daqueles que terminam por serem os mais excluídos. É um choque muito grande lidar com tal situação, o choque é ainda maior ao ver uma experiência educacional que termina por destoar do resto, e ir ao enfrentamento ideológico e mercadológico na hora de construir uma educação que de fato emancipa mais do que a praticada em toda a rede de ensino seja ela privada ou pública.
Esse é o caso do Centro de Educação Popular Paulo Freire em Lins, o Centro que conta com vários projetos trata seus alunos vistos como excluídos totalmente da sociedade, como humanos, e ao fazerem isso recuperam para a humanidade casos totalmente perdidos, pessoas com HIV, analfabetos, ex-trabalhadores rurais, mulheres oprimidas, deficientes mentais e físicos. E não se trata apenas de uma educação básica voltada para a simples integração ou inclusão, é uma educação que termina por levar esses indivíduos a se tornarem emancipados, e que termina por utilizar a experiência individual e a particularidade para ajudar nessa integração, recuperando e inserindo na sociedade de forma melhor, aqueles casos que viviam na derrota e na exclusão.

Não foi apenas a explosão da bolha que nos separa do mundo real, foi um verdadeiro soco no estomago, ao ver que uma pequena experiência com poucos recursos, com acesso a poucos instrumentos e aparelhos, consegue fazer aquilo que estruturas gigantes e complexas como universidades nem sonham em fazer com seus alunos, que é retomar a essência primordial do ensino, a integração na sociedade via emancipação, nossas universidades presas em sua aristocracia dos doutores e na reificação da ideologia dominante termina por se afastar a cada dia mais da sociedade, obedecendo apenas às necessidades do mercado, afastando-se cada vez mais da humanidade.
Mas essa aula de humanidade não ficou apenas na experiência de luta e de educação do Centro de Educação Popular Paulo Freire, ela continuou nas lições de luta política, ideológica e econômica dos trabalhadores rurais sem terra do Acampamento Independente em Sabino. São trabalhadores que apesar de toda a série de adversidades não se esquecem da lição mais duradora e concreta da luta por um mundo melhor “a luta continua e é contínua”, ou seja, por mais demorada e dolorosa que seja o caminho para um trabalhador é sempre esse, lutar por um mundo melhor, por uma vida melhor.
Dentro do modo de produção capitalista, e suas contradições reificadas todos os dias, apenas lutando por sua superação que aqueles que não possuem terras ou qualquer outro meio de reprodução social as conquistarão. É reconfortante para alguém que acredita na superação dessa sociedade burguesa podre, ver pessoas que acreditam e lutam por um mundo melhor, cada um a seu jeito, os trabalhadores desse acampamento com toda sua experiência de vida, conseguem passar para um estudante uma verdadeira aula de agroecologia, ou mesmo de economia política, ou de sociologia.

Alias é desesperador ter que confessar a alguém que luta tanto, que o Estado mesmo com todas as condições jamais fará a reforma agrária nesse país, não apenas pela vontade contrária da elite agrária do país, mas por que isso geraria um êxodo para o campo, ou seja, representaria uma quebra paradigmática do modelo de vida pregado pela superestrutura jurídico política cultural. Um campo no qual o modelo de produção defendido fosse o comunitário agroecológico é totalmente contrário ao individualista burguês mesquinho urbano, as pessoas sairiam da cidade, para ir viver com melhor qualidade no campo, e de forma diferente, e isso é pior do que qualquer perda econômica provocada aos grandes latifundiários. E por isso mesmo mais doloroso de se constatar.

Ao mesmo tempo em que, ver um trabalhador rural que vive em um barraco na beira de estrada com todas as dificuldades do mundo, as vezes vive melhor que você, ou mesmo que seus pais, ou então que sabe mais sobre teoria econômico política que vários de seus professores da universidade é algo único, um tipo de experiência que transforma totalmente um individuo (em todo os seus aspectos seja enquanto político, intelectual e humano).
A visita ao Centro de Educação Popular Paulo Freire e ao Acampamento Independente me transformou de um calouro em relação à sociedade em alguém agora com equivalente a um mestrado, a maior felicidade, no entanto é ver que mesmo com tantas dificuldades ainda é possível encontrar no mundo pessoas dispostas a lutar ideologicamente e politicamente contra a ordem vigente, contra o Estado, contra o Modo de Produção capitalista, por um mundo melhor, e pela humanidade.
Para todos aqueles do CEP Paulo Freire e do Acampamento Independente e todos aqueles que lutam pela humanidade:
Dissidência ou a arte de dissidiar
Há hora de somar
e hora de dividir.
Há tempo de esperar
e tempo de decidir

Tempos de resistir.
Tempos de explodir.
Tempos de criar asas, romper as cascas
porque é tempo de partir.

Partir partidos,
parir futuros,
partilhar amanheceres
há tanto tempo esquecidos.

Lá no fundo tínhamos um futuro
lá no futuro tem um presente
pronto para nascer
só esperando você se decidir.

Porque são tempos de decidir,
dissidiar, dissuadir,
tempos de dizer
que não são tempos de esperar.

Tempos de dizer:
não mais em nosso nome!
Se não pode se vestir com nossos sonhos
não fale em nosso nome.

Não mais construir casas
para que os ricos morem.
Não mais fazer o pão
que o explorador come.

Não mais em nosso nome!
Não mais nosso suor, o teu descanso.
Não mais nosso sangue, tua vida.
Não mais nossa miséria, tua riqueza.

Tempos de dizer
que não são tempos de calar
diante da injustiça e da mentira.
É tempo de lutar

É tempo de festa, tempo de cantar
as velhas canções e as que vamos inventar.
Tempos de criar, tempos de escolher.
Tempos de plantar os tempos que iremos colher.

É de dar nomes aos bois,
de levantar a cabeça
acima da boiada,
porque é tempo de tudo ou nada.

É tempo de rebeldia.
São tempos de rebelião.
É tempo de dissidência.
Já é tempo dos corações
pularem fora do peito
em passeata, em multidão
porque é tempo de dissidência
é tempo de revolução.

Mauro Luis Iasi Meta amor fases.

João Vicente Nascimento Lins 11/06/2012