Viver em uma família padrão de
classe média termina por criar seres que vivem em uma bolha, muito embora nossa
classe média viva momentos de crise econômica, as crianças criadas no modelo
clássico de família, com pai e mãe, terminam por reproduzir quando não são
abaladas por nenhum cataclismo os mesmos padrões de comportamento e de
preconceitos expostos por seus pais, e pelo ambiente que o cerca.
Acontece que a criança vai
crescendo e incorporando vivências, assim como o próprio processo de
aprendizagem, o que pode levar ela a fugir do padrão imposto pelos seus pais e
pela sociedade, e nesse ponto a bolha é rompida. Mas mesmo que a bolha de
certos comportamentos seja rompidas, ainda vivemos com vários tabus e terminamos
por reproduzi-los ad eternun vide
nosso machismo velado, ou mesmo o preconceito em relação a pessoas pobres, ou
sem cultura.
Mesmo o ambiente universitário
termina por sua vez sendo uma extensão da casa de nossos pais, e ele nos isola
do resto do mundo, isso fica claro na extrema e dificultosa relação de uma
universidade com a comunidade externa, sendo a comunidade sempre classificada
como fascista e a universidade como “antro de baderneiros”.
Dito tudo isso a visita ao Centro
de Educação Popular Paulo Freire representou um “belo estouro de bolha”. Muito
se discute sobre o papel da educação enquanto emancipação do individuo ou mesmo
o seu papel de integrar os indivíduos quaisquer que sejam à sociedade (para
falar bem a verdade o único papel que a educação cumpre atualmente é o de
integrar a pessoa a sociedade). Nos cursos de licenciatura, por exemplo, somos
apenas obrigados a reproduzir o sistema educacional sem refleti-lo, os alunos
são entregues a nós devendo aos pedagogos fazerem o papel de fazer a integração
inicial (a tão dita alfabetização), e nós a continuarmos e os preparar para os
outros funis da vida (vestibular, concursos, universidade, cursos técnicos,
empregos).
Entra-se em uma contradição
gritante, vivemos em uma sociedade na qual o individuo é potencializado de
forma ideológica (e negativa), mas ele é sempre tratado enquanto algo diluíd,o para
o Estado, ele é apenas o cidadão sem identidade, e para o mercado a força de
trabalho (seja ela material ou intelectual), exclui-se qualquer experiência individual
dentro do processo de aprendizado, a educação só emancipa os mais capazes, o
resto é treinado apenas para engrossar as fileiras do exercito industrial de
reserva, ou do lupem proletariado.
Hoje em dia aos excluídos ainda é
dado a chance de tentar integrar-se as exigências de mercado com os cursos de
educação de jovens e adultos, ou mesmo de pessoas com necessidades especiais.
Quando nós educadores licenciados somos obrigados a lidar com essas situações
terminamos por cometer o mesmo erro que fazemos com nossos alunos “normais”, excluímos
suas individualidades e particularidades e nesse caso especifico até a
humanidade é esquecida.
Sem nem os alunos normais são
vistos enquanto iguais, o que dizer daqueles que terminam por serem os mais excluídos.
É um choque muito grande lidar com tal situação, o choque é ainda maior ao ver
uma experiência educacional que termina por destoar do resto, e ir ao
enfrentamento ideológico e mercadológico na hora de construir uma educação que
de fato emancipa mais do que a praticada em toda a rede de ensino seja ela
privada ou pública.
Esse é o caso do Centro de
Educação Popular Paulo Freire em Lins, o Centro que conta com vários projetos
trata seus alunos vistos como excluídos totalmente da sociedade, como humanos,
e ao fazerem isso recuperam para a humanidade casos totalmente perdidos, pessoas
com HIV, analfabetos, ex-trabalhadores rurais, mulheres oprimidas, deficientes
mentais e físicos. E não se trata apenas de uma educação básica voltada para a
simples integração ou inclusão, é uma educação que termina por levar esses indivíduos
a se tornarem emancipados, e que termina por utilizar a experiência individual e
a particularidade para ajudar nessa integração, recuperando e inserindo na
sociedade de forma melhor, aqueles casos que viviam na derrota e na exclusão.
Não foi apenas a explosão da
bolha que nos separa do mundo real, foi um verdadeiro soco no estomago, ao ver
que uma pequena experiência com poucos recursos, com acesso a poucos
instrumentos e aparelhos, consegue fazer aquilo que estruturas gigantes e
complexas como universidades nem sonham em fazer com seus alunos, que é retomar
a essência primordial do ensino, a integração na sociedade via emancipação,
nossas universidades presas em sua aristocracia dos doutores e na reificação da
ideologia dominante termina por se afastar a cada dia mais da sociedade, obedecendo
apenas às necessidades do mercado, afastando-se cada vez mais da humanidade.
Mas essa aula de humanidade não
ficou apenas na experiência de luta e de educação do Centro de Educação Popular
Paulo Freire, ela continuou nas lições de luta política, ideológica e econômica
dos trabalhadores rurais sem terra do Acampamento Independente em Sabino. São
trabalhadores que apesar de toda a série de adversidades não se esquecem da
lição mais duradora e concreta da luta por um mundo melhor “a luta continua e é
contínua”, ou seja, por mais demorada e dolorosa que seja o caminho para um
trabalhador é sempre esse, lutar por um mundo melhor, por uma vida melhor.
Dentro do modo de produção
capitalista, e suas contradições reificadas todos os dias, apenas lutando por
sua superação que aqueles que não possuem terras ou qualquer outro meio de
reprodução social as conquistarão. É reconfortante para alguém que acredita na
superação dessa sociedade burguesa podre, ver pessoas que acreditam e lutam por
um mundo melhor, cada um a seu jeito, os trabalhadores desse acampamento com
toda sua experiência de vida, conseguem passar para um estudante uma verdadeira
aula de agroecologia, ou mesmo de economia política, ou de sociologia.
Alias é desesperador ter que
confessar a alguém que luta tanto, que o Estado mesmo com todas as condições
jamais fará a reforma agrária nesse país, não apenas pela vontade contrária da
elite agrária do país, mas por que isso geraria um êxodo para o campo, ou seja,
representaria uma quebra paradigmática do modelo de vida pregado pela superestrutura
jurídico política cultural. Um campo no qual o modelo de produção defendido
fosse o comunitário agroecológico é totalmente contrário ao individualista burguês
mesquinho urbano, as pessoas sairiam da cidade, para ir viver com melhor
qualidade no campo, e de forma diferente, e isso é pior do que qualquer perda econômica
provocada aos grandes latifundiários. E por isso mesmo mais doloroso de se
constatar.
Ao mesmo tempo em que, ver um
trabalhador rural que vive em um barraco na beira de estrada com todas as
dificuldades do mundo, as vezes vive melhor que você, ou mesmo que seus pais,
ou então que sabe mais sobre teoria econômico política que vários de seus
professores da universidade é algo único, um tipo de experiência que transforma
totalmente um individuo (em todo os seus aspectos seja enquanto político,
intelectual e humano).
A visita ao Centro de Educação
Popular Paulo Freire e ao Acampamento Independente me transformou de um calouro
em relação à sociedade em alguém agora com equivalente a um mestrado, a maior
felicidade, no entanto é ver que mesmo com tantas dificuldades ainda é possível
encontrar no mundo pessoas dispostas a lutar ideologicamente e politicamente
contra a ordem vigente, contra o Estado, contra o Modo de Produção capitalista,
por um mundo melhor, e pela humanidade.
Para todos aqueles do CEP Paulo Freire e do Acampamento
Independente e todos aqueles que lutam pela humanidade:
Dissidência ou a arte
de dissidiar
Há hora de somar
e hora de dividir.
Há tempo de esperar
e tempo de decidir
Tempos de resistir.
Tempos de explodir.
Tempos de criar asas, romper as cascas
porque é tempo de partir.
Partir partidos,
parir futuros,
partilhar amanheceres
há tanto tempo esquecidos.
Lá no fundo tínhamos um futuro
lá no futuro tem um presente
pronto para nascer
só esperando você se decidir.
Porque são tempos de decidir,
dissidiar, dissuadir,
tempos de dizer
que não são tempos de esperar.
Tempos de dizer:
não mais em nosso nome!
Se não pode se vestir com nossos sonhos
não fale em nosso nome.
Não mais construir casas
para que os ricos morem.
Não mais fazer o pão
que o explorador come.
Não mais em nosso nome!
Não mais nosso suor, o teu descanso.
Não mais nosso sangue, tua vida.
Não mais nossa miséria, tua riqueza.
Tempos de dizer
que não são tempos de calar
diante da injustiça e da mentira.
É tempo de lutar
É tempo de festa, tempo de cantar
as velhas canções e as que vamos inventar.
Tempos de criar, tempos de escolher.
Tempos de plantar os tempos que iremos colher.
É de dar nomes aos bois,
de levantar a cabeça
acima da boiada,
porque é tempo de tudo ou nada.
É tempo de rebeldia.
São tempos de rebelião.
É tempo de dissidência.
Já é tempo dos corações
pularem fora do peito
em passeata, em multidão
porque é tempo de dissidência
é tempo de revolução.
Mauro Luis Iasi Meta amor fases.
João Vicente Nascimento Lins 11/06/2012