Max
Weber, o sociólogo alemão, considerado um dos principais da história da
disciplina, via na burocracia um traço importante da vida social moderna, que
permeava desde as relações sociais mais básicas, até principalmente as
relacionadas ao poder. De fato, a burocracia aparenta ser uma forma de
organizar a sociedade de um modo mais racional, eliminando discrepâncias
individuais e se estabelecendo como algo capaz de tratar todos de modo igual e
racional (sem emoções).
Não
é fortuito que uma exacerbação do caráter impessoal da burocracia, seja sempre
uma das facetas mais retratadas em romances distopicos no século XX. Basta
lembra que esses autores viveram de perto a burocracia ser utilizada para por
exemplo esquematizar um sistema de eliminação física em massa dos judeus e
outras minorias pelos nazistas. Ou então do caráter vigilante que essa mesma estrutura
poderia assumir em determinados períodos pelas mãos de certos governos.
Um
dos maiores exemplos é o mundo criado por George Orwell em sua obra “1984”.
Nele um Estado autoritário utilizava de uma enorme máquina burocrática para
vigiar a população e manter-se no poder, perseguindo e reeducando aqueles que
se posicionavam de modo contrário.
Mas
a impessoalidade e suposta razão da burocracia também é exacerbada nas críticas
feitas aos governos dos países do chamado “Socialismo real”, com grande
destaque para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e sua “polícia secreta,
a KGB; e a República Democrática da Alemanha (Alemanha Oriental) com a “Stasi”. Nesse caso, as máquinas estatais
são retratadas quase como um “tipo ideal weberiano” no que diz respeito ao estereótipo
delas. Os filmes e obras literárias, as pintam como tendo um controle de
vigilância extremo sobre sua população, adiantando coisas que somente numa
sociedade hiperconectada, como a de agora seria crível.
É
o caso do filme alemão de 2006, “Das
Leben der Anderen”, traduzido aqui no Brasil como “A vida dos outros”. A
película ganhadora do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é primoroso no que diz
respeito aos seus aspectos técnicos. Possui um roteiro muito bom, bem como a
direção. Utiliza de uma fotografia que retrata o mundo com tons mais sombrios,
exatamente como um mundo oprimido e vigiado, por uma estrutura burocrática tão
forte quanto a Stasi do filme,
deveria ser.
A
história fala de como essa estrutura de vigilância poderia ser utilizada de
modo corrupto por algum alto dirigente do Estado. No caso um Ministro (Thomas
Thieme) manda vigiar o dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch), tentando
achar qualquer brecha para prendê-lo, e assim afasta-lo de sua namorada, a
atriz Chista-Maria (Martina Gedeck), para torná-la amante somente do ministro.
Mas o centro do filme não reside nesse triangulo amoroso, e sim, em como a
máquina burocrática termina por desumanizar as pessoas, e o modo como a arte
faz exatamente o contrário, ou seja, contribui para humanizar o burocrata, e
nisso a personagem central é o investigador Hauptmann Gerd Wiesler (vivido por
Ulrich Muhe).
Wiesler
é o típico burocrata, vive por e para seu trabalho, acreditando servir o país e
seu partido da melhor maneira. Ele começa o filme ensinando técnicas de
tortura, como se ensina a tabuada do 2, ou seja, como algo natural e sem
consequências nefastas para os torturados. Tanto que não titubeia em assumir a
vigilância sobre o casal em nenhum momento, acreditando tal como seu chefe, de
que eles podem vazar informações para a Alemanha Ocidental. Mas, seu contato
com a interessante vida do dramaturgo, o faz começar a ver possibilidades
diferentes para sua vida que não seja o seu trabalho.
Há
um contraste visual muito grande entre o apartamento do escritor, com livros,
pianos, muitos móveis, adereços e o “espartano” apartamento do investigador. A
vida de Dreyman é mais leve, ele é rodeado de amigos, enquanto o contato mais
próximo de Wiesler é seu chefe. A própria afetividade entre Mara e Dreyman é
contrastada com Wiesler, que precisa pagar uma prostituta, caso queira algum
carinho.
O
investigador é bombardeado por duas quebras na sua rotina, a alegre vida de
Dreyman, com toda sua cultura e pela utilização particular do aparelho do
Estado pelo Ministro, o que o faz repensar e leva à sua redenção final. É sintomático
para essa mudança, que Wiesler comece a ler os livros de Dreyman, e ajude Mara
em um momento na qual ela era chantageada pelo ministro. Nesses momentos o
burocrata se humaniza, quando justamente se vê livre do cabresto que o era
imposto.
Como
ressaltado logo acima, o filme é um primor em sua parte técnica, mas não
poderia ser considerado um clássico se ficasse preso só nesses aspectos, é
justamente a contraposição entre a burocracia e arte, e seus papéis dentro da
sociedade que ocasiona elementos interessantes para compreendermos o mundo
atual, ainda que o filme erre por assim como seus semelhantes retratar o Estado
socialista da Alemanha de modo estereotipado.
Ficha
técnica
A vida dos outros (Das Leben der Anderen, Alemanha, 2006)
Direção: Florian Henckel
von Donnersmarck
Roteiro: Florian Henckel
von Donnersmarck
Com: Ulrich Muhe, Martina
Gedeck, Sebastian Koch, Thomas Thieme
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