sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Partido Liberal



O italiano Antonio Gramsci cunhou a categoria de intelectual orgânico para explicar o papel de destaque que alguns intelectuais assumiam dentro do processo produtivo, papel esse que se tornaria fundamental na adequação da população há hegemonia dominante, como articulistas de jornais impressos ou televisivos, ou a um papel fundamental dentro do processo produtivo, como um alto executivo de um banco.

Dito tudo isso, Armínio Fraga possui uma trajetória que o coloca como um dos mais importantes intelectuais orgânicos do capital financeiro no Brasil. Ele foi presidente do Banco Central no segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2003), liderando o processo de desvalorização cambial (câmbio livre) e de aumento da taxa básica de juros, impondo assim um programa extremamente recessivo. Após deixar o governo manteve-se na esfera de influência do PSDB, contribuindo nos programas econômicos dos candidatos dos partidos, e lidando no mercado de capitais com fundos. Ganhou um destaque novamente durante as eleições de 2014, quando despontou como possível Ministro da Fazenda de Aécio Neves.
Seu currículo e ações são insuspeitas, no entanto, em entrevista para a Folha de São Paulo, em 17 de novembro de 2015, ele deixa transparecer a agenda que o capital financeiro, em suas frações internacionais – da qual ele é um dos principais intelectuais orgânicos – passa por uma possível troca de presidentes no país. De acordo com ele na entrevista:
“O impeachment é uma solução?
Pode ser. Qualquer coisa que aconteça dentro das regras do Estado de Direito vale. O importante é ser feito assim, para que ninguém possa dizer que é golpe. E é assim que está acontecendo. Se for isso, se os fatos em geral levarem nosso Congresso, democraticamente eleito, a tomar essa decisão, ou nosso TSE tomar uma decisão nessa área, que assim seja. Pode eventualmente contribuir para uma solução. Mas não é algo em que se possa dizer "eu quero isso". Pode acontecer porque somos um Estado democrático, aberto, e as instituições vão funcionar, e, se for isso, que assim o seja. Poderia, sim, poderia destravar alguma coisa, com certeza.”

De alguma maneira ainda resta resquícios da opção golpista para algumas frações do capital, dentre as quais a financeira internacional, ele não fala abertamente dessa opção, mas entrega em outros trechos da mesma entrevista que o PMDB pode torna-se uma opção, haja em visto o comprometimento que o partido traça com a agenda dessa fração do capital em seu recente documento “Ponte para o futuro”, documento esse que é tratado como um programa de governo. Ainda segundo Fraga:
“O fato de que a produtividade do Brasil está estagnada há muitos anos não é tão limitante quanto não ter uma perna?
É o meu ponto. Mesmo depois do ciclo -supondo que ele seja superado e que venha só um ciclo/crise-, há muitos problemas. Mesmo que se supere esse momento de incerteza e medo, nada garante que o país vai crescer do jeito que está. Ao contrário. Tudo indica que não vai.
O país precisa, primeiro, mobilizar mais capital e, segundo, ser mais produtivo. Fazer mais com menos. É uma mudança de mentalidade.
Tem que ter mais concorrência, mais integração, melhor alocação do capital, uma evolução ainda mais pronunciada no mundo da educação. As pessoas estão alfabetizadas, mas a realidade não é boa. O garoto tem seis anos de escola, mas não absorve a leitura.
Pelo menos existe esse debate no Brasil.
Aliás, o debate em geral existe. A mudança no PMDB, em particular, sugere que há possibilidade de uma articulação de ideias que superficialmente seriam um grande sacrifício -eu não acho que são; ao contrário, o sacrifício é ficar do jeito que está- e começam a ser viáveis até no meio político, que em geral opera com um horizonte de tempo mais curto.
O sr. parece bem otimista com o PMDB.
Não. É que acho que foi, pode-se dizer, um pequeno passo. Mas foi. Merece registro. Sou pessimista de que isso vá ser posto em prática. Muito pessimista. Mas hoje o quadro é tal que a chance de isso acontecer é maior.”

Tanto o documento “Ponte para o Futuro”, como as ações do PMDB durante os últimos messes, sugere uma mudança substancial da ação do partido. A começar por assumir uma agenda liberal de modo aberto. O PMDB surge como Movimento Democrático Brasileiro em 1965, após a edição do Ato Institucional nº2 por parte da ditadura militar, ato que suspendeu o registro de todos os partidos criando um sistema bipartidário no qual duas agremiações congregariam todos os opositores e defensores (pelo menos os que não foram caçados pelo A.I 1 ou os outros Atos Institucionais). Sua liderança durante toda a ditadura coube a setores progressistas da burguesia nacional e da pequena burguesia, que se tornaram bastiões da defesa da democracia como Tancredo Neves e Ulisses Guimarães.

O Fim do sistema bipartidário em1979 e a Lei da Anistia, fez com que o PMDB perdesse muito de seus quadros, principalmente os mais próximos aquilo que poderia se chamar de socialdemocracia brasileira, para o PT e posteriormente PSDB. Outros quadros fisiológicos entram e saem do partido para atender aos seus interesses eleitorais mais imediatos.

Mas o que não se altera há 50 anos é o compromisso do PMDB com ideais liberais no campo da economia, e mesmo nos costumes. Mas desde que a ala socialdemocrata e desenvolvimentista foi derrotada no Governo Sarney, o partido perdeu a liderança política, ficando relegado a um fiel da balança, vendo o PT e PSDB digladiarem-se como defensores da pauta liberal, e por isso mesmo representantes das diversas frações da burguesia nacional e internacional no comando político do país.

Ele aceitou esse papel de coadjuvante, sendo também representante dessas frações, mas sem “dar a cara a tapa”, pelo menos esse foi o arranjo até 2015, na esteira do enfraquecimento de PT e PSDB em relação às diversas frações do capital (o PT perdeu o apoio de quase todas pelo enfraquecimento da liderança moral e política do partido no congresso e governo; o PSDB por sua vez perdeu o apoio incondicional da fração financeira internacional ao liderar uma disputa no âmbito da pequena política, que envolve o enfraquecimento de bases e reformas já colocadas que beneficia essa fração, como o fim do fator previdenciário). Como o poder não aceita vacância, o PMDB enxergou nessa hipótese uma possibilidade de se colocar como chefe do executivo e legislativo, desfraldando as bandeiras liberais, conquistando para si o apoio da fração hegemônica do capital que é a financeira.

Para tanto vale-se de fiador da “Agenda Brasil” e de seu programa político liberal “Ponte para o Futuro”. O resultado pode ser visto já, quando um dos principais intelectuais orgânicos do capital financeiro internacional, coloca o partido como possibilidade de solução para os impasses de reprodução do capital no país. Resta saber se o protagonismo enquanto “Partido Liberal” será possível ao PMDB, bem como a chefia do bloco de poder burguês. O ponto é que se os ataques aos trabalhadores continuar, essa chefia do bloco tende a ser tensionada pelos trabalhadores, resta saber se as franjas de poder deles que estão sendo gestadas, conseguirão bater de frente com a mais poderosa máquina política que a burguesia arma para colocar no comando político do executivo e legislativo.

Fonte da entrevista:

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Os atentados de Paris, a Guerra na Síria e a Esquerda anticapitalista



Karl Marx começa seu livro “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” com uma celebre frase: “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” (MARX, 2011, p. 25).

O significado da frase não é uma regra de repetição dos fatos históricos, mas sim que como na sequência Marx cunha que a história é feita pelos homens não do modo como eles querem, mas sim do modo pelo qual as condições históricas dadas refletem nas suas ações. Dito isso, a repetição falada é que a não solução de contradições históricas, faz com que se repitam as mesmas condições históricas, o surgimento de Luís Bonaparte como líder da França após um golpe de Estado, guarda assim semelhanças grandes com o golpe que colocou seu suposto tio no poder francês.

Dito tudo isso, os ataques terroristas em Paris na noite do dia 13 de novembro, ameaçam empurrar novamente um país para o atoleiro sem fim que se tornou a Síria. Mas guardando-se as devidas situações, lembram bastante o pretexto que jogou a Europa dentro da primeira guerra mundial, e como tal torna-se uma questão central para toda a esquerda anticapitalista, tal qual foi a primeira guerra mundial para os socialdemocratas, anarquistas e comunistas.

Os dilemas representados pelo desordem síria são grandes, o conflito civil na Síria ameaça empurrar as principais potências mundiais para uma ofensiva de guerra todas no mesmo campo, mas com aliados diferentes – a Rússia com Bashar Al-Assad, e França, Estados Unidos e Inglaterra com forças rebeldes que lutam contra Assad, para completar há ainda as forças curdas próximas ao anarquismo, que lutam de modo autônomo – contra um inimigo em comum, o Estado Islâmico, mas que no frigir dos ovos não consegue ser um denominador em comum para congregar os diversos atores no campo de batalha.

O resultado será um claro impasse, que ameaça jogar o mundo em um banho de sangue que faria com que os bárbaros atentados da última sexta parecerem meros efeitos colaterais. Ou seja, um conflito direto entre as maiores potências nucleares do planeta que poderia empurrar o mundo para novamente uma guerra mundial.

Nesse ponto a esquerda encontra-se novamente dividida, sem compreender muito bem todas as possibilidades impostas, por um lado, há comunistas que em nome da “autodeterminação” dos povos defende a continuidade de Bashar Al Assad no comando do país com o apoio russo, por trás desse argumento há que a população síria em sua maioria apoiaria Assad. Por sua vez, parte dos trotskistas (principalmente ligados à LIT) que defendem que as potências ocidentais armem os rebeldes sírios para promover uma revolução socialista no país. Por fim há os anarquistas que defendem que os curdos devem continuar sua luta autodeterminante contra o Estado Islâmico e contra as forças do governo.

A barbárie que o Estado Islâmico representa é algo tão perigoso quanto a barbárie de uma guerra mundial, o EI retoma em seus preceitos uma visão reacionária do credo islâmico, que se assemelha em muito à ideologias fascistas do século XX, pode-se pensar que o conjunto de normas que o EI tenta impor ao mundo são o fruto mais bem acabado de uma ideologia regressiva, desenvolvida em países de constituição burguesa e capitalista hipertardia, que criou esse conjunto de ideias reacionárias como um princípio nacionalista, mas que se propõem universal, haja visto que sua imposição é colocada por seus defensores tal qual o liberalismo capitalista é colocado como ideal em seus países pelas potências imperialistas.

A esquerda já viveu o mesmo dilema, na emergência da Primeira Guerra mundial, quando os socialdemocratas optaram por defender a guerra, dividir o movimento trabalhista e afastar de vez a perspectiva revolucionária de seus já reformistas programas. A defesa de posições erradas pode sim significar um novo banho de sangue com as consequências mais nefastas possíveis, haja em vista a possibilidade de emergência de grupos fascistas contra os imigrantes na Europa. Não ajuda em nada não fazer as mediações em determinados momentos e ficarem criando uma balança valorativa de tragédias internacionais versus tragédias nacionais. A humanidade como um todo falhou em Mariana e em Paris, nosso papel enquanto esquerda é mostrar as linhas que ligam o desastre em Minas Gerais e Espírito Santo, com os ataques terroristas de Paris, e caso paremos para pensar, essas linhas são enormes.

Como Marx disse: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram.” (MARX, 2011, p.25). Dentre essas condições históricas, transmitidas pelo passado, estão os erros cometidos, um dos nossos papéis enquanto sujeitos históricos é aprender com o passado, para justamente evitar que a farsa se repita em relação à tragédia. A concretização disso, caso se coloque, revela novamente nossa falência enquanto humanidade.

MARX, Karl. O 18 Brumáro de Luís Bonaparte. Tradução Nélio Scheneider. São Paulo: Boitempo, 2011.

sábado, 14 de novembro de 2015

Sobre o desastre ambiental em Minas Gerais


Fonte: Corpo de Bombeiros - MG

Nos últimos 40 anos a humanidade viveu alguma de suas principais tragédias ambientais, em comum entre todas estava a ganância como motor delas, foram os casos por exemplo do acidente com a usina nuclear de Chernobyl na Ucrânia em1986; o de Bhopal na Índia em 1984; o derrame de petróleo na costa do Golfo do México em 2010; o acidente com o navio petroleiro Exxon Valdez no Alasca em1989; a Usina Nuclear de Fukushima em 2011; e agora o acidente do rompimento dos diques de contenção da Vale em Minas Gerais.

De fato. são casos no qual o número de vítimas humanas diretas foi diminuto, no entanto suas consequências para todo o planeta foram nefastas e perdurarão durante anos, afinal não é todo dia que um rio inteiro é morto, por conta de um desastre como foi o caso do Rio Doce. Acostumados que estamos com os noticiários de mortes, que ocupam boa parte dos telejornais (a diferença entre o José Luiz Datena e o Chico Pinheiro, é que o segundo é mais polido na fala, mas noticia tantas mortes e desastres como o primeiro), as tragédias parecem impactar apenas quando ultrapassa a escala dos milhares.

Em Chernobyl por exemplo, as toneladas de material radioativo liberadas pelo reator após o incêndio, equivale à algumas vezes a quantidade de radiação das bombas nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki, mas enquanto as bombas mataram por volta de 300 mil pessoas diretamente, o acidente com o reator, em si, matou apenas 31 pessoas. O problema foi o elevado número de canceres provocados pela nuvem radioativa que se espalhou por toda a região do Leste europeu.

Outro exemplo de seletividade foi o que ocorreu em Bophal na Índia em 1984, quando 40 toneladas de gases químicos (isocianato de metila e hidrocianeto) vazaram da fábrica da Union Carbide Corporation, atual propriedade da Dow Química, estima-se que nos dias posteriores ao acidente, mas de 8 mil pessoas morreram, fora as consequências que influenciam as pessoas da região, mais de 30 anos após o desastre. Parece que 8 mil almas indianas, valem menos para comoção mundial do que 12 chargistas de um jornal francês.

Por último é preciso destacar o caso brasileiro, o desastre da barragem de rejeitos químicos que rompeu na última semana em Minas Gerias. As duas barragens eram de responsabilidade de uma Joint Venture entre Vale e BHP Bilton (respectivamente as duas maiores mineradoras do mundo), tal estratagema é utilizado pelas grandes corporações para as vezes se livrar dos ônus de desastres do tipo, repassando para uma terceira empresa os encargos, livrando a companhia principal. O caso do rompimento das barragens, localizadas no município de Mariana é sintomático, pois, as consequências vão muito além das 20 vítimas diretas, está se falando da morte inteira de um dos maiores rios do país, que atravessa o estado de Minas Gerais e o do Espírito Santo.

Milhões de vidas dependem direta e indiretamente desse rio, não se trata apenas dos empregos diretos, mas toda a dinâmica natural de uma macrorregião que foi dizimada pelaganância de uma empresa. Nesse cômputo é preciso também colocar a responsabilidade dos governos estaduais e federal. Ambos receberam vultosas somas de dinheiro para financiar as campanhas eleitorais, tanto de oposição quanto de situação. O resultado é que as fiscalizações e comprometimentos dos mesmos com as contrapartidas ambientais é mínimo, prova disso é que poucas semanas antes do desastre, discutia-se no Congresso Nacional um novo marco, que relaxa as exigências ambientais de grandes projetos de infraestrutura.

E mais, um governo na corda bamba, como o de Dilma atualmente, faz cada vez mais vistas grossas à esses compromissos ambientais, por meio de chantagem de empresários e de seus representantes no congresso. Por último é preciso destacar que a Vale foi privatizada por preço de banana durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB, tudo para anos depois virar uma das maiores mineradoras do mundo, com filiais espalhadas por todo o planeta, mas, no contrato de venda, havia uma cláusula chamada de “Golden Share” na qual o antigo dono poderia desfazer-se do negócio, ou seja, foram quase 14 anos de governos ditos “nacionais populares”, que não desfizeram o negócio, garantindo que os lucros sempre crescentes da vale fossem distribuídos entre os acionistas (inclusive o governo federal via BNDES e fundos de pensão), lucros obtidos da exploração das riquezas minerais do país.

É preciso ressaltar que todos esses desastres aqui citados, ocorreram dentro da chamada “era industrial”, e não é possível esquecer daquele que pode se tornar o maior de todos os tempos que é a mudança climática resultante do aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, o resultado final será catastrófico para a humanidade, alterando a dinâmica climática do planeta em sua totalidade, tudo novamente por conta da ganância.

Não se trata obviamente de pensar um retorno para os níveis produtivos pré-industriais, alguns dos avanços indiretos tornaram a humanidade melhor, basta pensar nos avanços da medicina e da química. É preciso pensar em uma nova maneira de se pensar a produção da humanidade, que leve em conta não a ganancia desmedida, nem o desperdício, mas sim uma equalização dos ganhos produtivos e dos frutos do trabalho, para que o ser humano tenha uma relação direta com o planeta que não passe pela sua destruição, mas sim um intercâmbio melhor equacionado que retome a essência do trabalho, que é justamente a transformação do seu ambiente para sua sobrevivência, enquanto não realizar essa obra coletiva, o ser humano está fadado a repetir seus erros.