quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A democracia brasileira em risco

Sempre que ouço a palavra reforma política no Brasil (principalmente falada pela mídia) sinto um frio na espinha. O Brasil possui um longo histórico de problemas no seu sistema político, fruto do desenvolvimento histórico do país, com sua revolução burguesa tardia e incompleta, a ameaça constante de ditaduras militares para evitar qualquer movimento político que se aproximasse mais das massas, obrigando que os partidos de esquerda (mesmo com problemas imensos de compreensão da realidade nacional) vivessem na clandestinidade e perseguidos.
Com tudo isso a tranquilidade democrática, sem interrupções que o país vive desde 1985, é um fato inédito na história do país, tão inédito quanto um partido de esquerda que surgiu com uma base popular gigantesca como o PT chegar ao poder, governar oito anos e eleger uma sucessora.
Mesmo com esses três fatos inéditos, problemas que são inerentes da estrutura e superestrutura da sociedade, faz com que surjam casos de corrupção eleitoral, assim como a necessidade do governo negociar cargos ministeriais e das poucas estatais restantes para comprar o apoio no congresso, fora a eleição de figuras controversas para a câmara ou o senado.
Por isso vira e meche, surge algum arauto em defesa de uma “reforma política”. O fato que ninguém fala é que caso a redemocratização houvesse ocorrido muito mais com a participação popular, do que pelo acordo de comadres que transformou o Sarney em figura central da política nacional, talvez não precisássemos pensar em uma nova reforma política.
Como esse fato nunca é lembrado, veremos outra tentativa de mudança por cima, afinal os políticos não irão fazer uma audiência pública na Estação da Sé ou da Central do Brasil às 6 horas da tarde para perguntar o que a população quer. Como será papel de uma comissão do senado,elaborar o anteprojeto, quem irá se beneficiar será muito mais os partidos políticos, que provavelmente se fortalecerão, mas não num ponto em que os torne representantes de fato da sociedade.
Discutir uma reforma política na atual conjuntura do mundo[1] pode ter o efeito inverso, ao invés de aumentar a participação, tornar o país mais democrático, o que pode ocorrer é uma diminuição da representação da sociedade, fazendo com que os representantes diretos os deputados sejam escolhidos não pelo voto popular, mas pela liderança partidária.
Tirar a obrigatoriedade do voto num país sem cultura política pode fazer com que grupos minoritários mais bem organizados elejam mais representantes do que a população que não tem tempo para isso (os movimentos sociais são organizados, mas devido a sua crescente criminalização e pouco poder monetário, a CNA, elegeria mais deputados, do que o MST).
Financiamento público de campanha é necessário, mas o que vai impedir que durante o mandato o político vá mesmo se ater ao que for melhor ao seu eleitorado e não ao lobby de uma grande empresa. Caixa dois sempre existirá, mesmo por que a última campanha para presidente custou por volta de 200 milhões de reais para ambos os candidatos. O que precisa ser criado não é somente o financiamento público, é preciso acabar com os privilégios de casta aos quais os políticos brasileiros tem acesso, mas estar-se-ia falando de fazer uma revolução e não reforma.
Impor barreiras aos partidos políticos como necessidade de representação pode acabar com as famigeradas legendas de aluguel, mas podem também tornar o Partido Comunista Brasileiro ilegal novamente num momento em que ele tenta se refundar (após tantas cagadas feitas pelo Roberto Freire), ou mesmo o PSTU que vem crescendo aos poucos. Ou seja, ao invés de acabar com o fisiologismo tal medida pode diminuir a representatividade da esquerda.
O fato é que como as deficiências políticas brasileiras não foram resolvidas anteriormente, qualquer tentativa de se superar essas contradições feita por cima, e que não ataque suas raízes redundará em fracasso tornando a experiência democrática brasileira ainda mais cheia de falhas e sem representar de fato sua população.
João Vicente Nascimento Lins 23/02/2011


[1] Neoliberalismo, crise da esquerda, americanização da política.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

“É preciso respeitar a decisão do povo de cada país”


Internacional| 11/02/2011 | Copyleft http://www.cartamaior.com.br/templates/imagens/interface/icon_mail.gif

“É preciso respeitar a decisão do povo de cada país”
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e norte da África e suas possíveis repercussões. O ex-chanceler chama a atenção para o fato de que as revoltas populares ocorrem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de crítica ou sanção. “Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora”, diz Amorim, defendendo a postura adotada pela diplomacia brasileira nos últimos anos.
Marco Aurélio Weissheimer
- “Há algumas semanas, se fosse realizada uma consulta entre especialistas em política internacional pedindo que apontassem dez países que poderiam viver proximamente uma situação de conflito político-social, duvido que algum deles apontasse a Tunísia”.

O embaixador Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores do Brasil por mais de oito anos (dois mandatos do governo Lula e mais um período no governo Itamar Franco), iniciou a conversa telefônica, direto da embaixada do Brasil em Paris, chamando a atenção para a complexidade e o dinamismo do cenário internacional e para o baixo nível de conhecimento que se tem sobre a situação de muitos países. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida no início da tarde desta sexta-feira, Celso Amorim analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e no norte da África e suas possíveis repercussões. Como que para ilustrar o dinamismo mencionado por Amorim, quando a entrevista chegou ao fim, Hosni Mubarak não era mais o presidente do Egito.

Na entrevista, o ex-chanceler brasileiro chama a atenção para o fato de que as revoltas populares que o mundo assiste agora, especialmente na Tunísia e no Egito, acontecem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de sanção por parte da comunidade internacional. “Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada”, avalia. Amorim acredita que uma mudança política no Egito terá impacto em toda a região, cuja extensão ainda é difícil de prever. E defende a política adotada pelo Brasil nos últimos anos apostando na capacidade de diálogo do país, reconhecida e requisitada internacionalmente.

CARTA MAIOR: Qual sua avaliação sobre a rebelião popular no Egito e seus possíveis desdobramentos políticos e geopolíticos na região?

CELSO AMORIM: Uma primeira característica que considero importante destacar é que os protestos que estamos vendo agora são movimentos endógenos. É claro que eles se valem de novas tecnologias e de alguns valores modernos, mas são motivados pela situação interna destes países. O Egito e a Tunísia, cabe assinalar também, não estavam sob sanções por parte do Ocidente. Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada. Sanções só reforçam internamente um regime. Uma das expectativas das sanções contra o Irã era atingir a Guarda Revolucionária. Na verdade, só atingem o povo. O Iraque foi submetido a sanções durante anos e Saddam só ficava mais forte. Não havia, repito, sanções contra a Tunísia e o Egito, países considerados amigos do Ocidente e aliados inclusive na guerra contra o terrorismo, implementada pelos Estados Unidos.

Acredito que uma mudança política no Egito terá certamente um impacto em toda região, podendo inclusive provocar uma mudança de relacionamento com países como Israel e Síria. Mas isso dependerá da evolução dos acontecimentos.

CARTA MAIOR: A sucessão de acontecimentos semelhantes em países do Oriente Médio e do Norte da África já pode ser considerada como uma onda capaz de expandir para outros países também?

CELSO AMORIM: Potencialmente, sim. Mas é difícil prever. Depende dos desdobramentos do Egito. Não há dúvida que Mubarak sairá [enquanto concedia a entrevista, a renúncia do ditador egípcio foi confirmada]. A questão é saber como ele sairá. Certamente haverá uma mudança no regime político do Egípcio. Não sabemos ainda em que intensidade. Mas é importante ter em mente que as duas forças organizadas no país são as forças armadas e a Irmandade Islâmica. A Irmandade Islâmica não é nenhum bicho papão. Cabe lembrar que muita gente tem citado a Turquia (que tem um partido islâmico no poder) como um modelo de caminho possível para o Egito.

A influência dos acontecimentos no Egito deve se manifestar em ritmos e intensidades diferentes, dependendo da realidade de cada país. Como a Tunísia nos mostrou, é preciso esperar o inesperado.

CARTA MAIOR: A diplomacia ocidental foi pega de surpresa por esses episódios?

CELSO AMORIM: Certamente que sim. O próprio presidente Obama admitiu isso ao falar dos relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Ninguém estava esperando o que aconteceu na Tunísia que acabou servindo de estopim para outros países como Yemen e Egito. Nos mais de oito anos que trabalhei como chanceler nunca ouvi uma palavra de crítica sobre a Tunísia. E alguns conceitos fracassaram. Entre eles o de que se o país é pró-ocidental é necessariamente bom. Os Estados Unidos seguem poderosos no cenário internacional, mas frequentemente superestimam essa influência.

Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora. As revoltas que vemos agora (na Tunísia e no Egito) iniciaram dentro destes países contra governos pró-ocidentais e não nasceram com características antiocidentais ou anti-imperialistas.

CARTA MAIOR: O Oriente Médio é hoje uma das regiões mais conflituosas do planeta. Os levantes populares que estamos vendo podem ajudar a melhorar esse quadro?

CELSO AMORIM: Creio que teremos agora um quadro mais próximo da realidade. Há uma certa leitura simplificada do Oriente Médio que não leva em conta o que o povo desta região pensa. Não é possível ignorar a existência de organizações como a Irmandade Islâmica ou o Hamas. Se ignoramos fica muito difícil traçar uma estratégia que leve a uma paz estável.

CARTA MAIOR: O jornalista israelense Gideon Levy escreveu ontem no Haaretz dizendo que o Oriente Médio não precisa de estabilidade, referindo-se de modo à crítica à suposta estabilidade atual, que seria, na verdade, sinônimo de pobreza, desigualdade e injustiça. Qual sua opinião sobre essa avaliação?

CELSO AMORIM: De fato, a desigualdade social é uma das causas muito fortes dos problemas que temos nesta região. É um fermento muito grande para revoltas. A verdadeira estabilidade não se resume a ter um determinado governante no poder. Não basta ter eleição. É preciso aceitar o resultado da eleição. Estamos falando de uma região muito complexa, com sentimentos anticoloniais muito fortes. Esse quadro exige uma flexibilidade muito grande e capacidade de diálogo com diferentes interlocutores.

CARTA MAIOR: Qual sua análise sobre a evolução dos acontecimentos no Oriente Médio à luz da política externa praticada durante sua gestão no Itamaraty?

CELSO AMORIM: Como referi antes, nós procuramos manter uma relação ampla com diferentes interlocutores. As críticas que sofremos vieram mais da mídia brasileira do que de outros países. Nossa política em relação ao Irã, por exemplo, não foi para mudar esse país. O objetivo era contribuir para a paz, tentando encontrar uma solução para a questão nuclear. Quem mudou de ideia no meio do caminho foram os Estados Unidos. O próprio El Baradei (ex-diretor geral da Agência de Energia Atômica), que agora voltou a cena no Egito, chegou a dizer, comentando a Declaração de Teerã, que quem estava contra ela é porque, no fundo, não aceitava o sim como resposta.

Acredito que nós precisamos de países com capacidade de ver o mundo com uma visão menos maniqueísta. Agora, todo mundo está chamando Mubarak e Ben Ali de ditadores. Até bem pouco tempo não assim. A maioria da imprensa internacional não os chamava de ditadores. O importante é saber respeitar a vontade e a decisão do povo de cada país. O Brasil tem essa capacidade reconhecida mundialmente. Várias vezes fomos requisitados para ajudar na interlocução entre países. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por exemplo, nos pediu para ajudar a retomar o diálogo com a Síria. O Brasil tem essa capacidade de diálogo que não demoniza o outro. Essa é a pior coisa que pode acontecer na relação entre os países: demonizar o outro. Não se pode, repito, ignorar a presença da Irmandade Islâmica ou do Hamas. Podemos não gostar destas organizações. Isso é outra coisa. Mas estamos que estar prontos para conversar.

Espero que o Brasil faça jus às expectativas que existem sobre ele, sobre sua capacidade de diálogo e interlocução. Não se trata de mania de grandeza. Nós temos essa capacidade de diálogo e ela é requisitada. Seguramente o Brasil tem a possibilidade, e eu diria mesmo a necessidade, de ter essa participação e ajudar a construir a paz. Até porque esses fatos nos afetam diretamente. Basta ver o preço do petróleo que está aí aumentando em função dos conflitos.

Link original da Matéria: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17426  
Fonte: Carta Maior

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

“Uma sinuca de bico”

Uma das plataformas que o PT mais utilizou em suas propagandas eleitorais nos últimos anos foi a de conseguir um aumento real do salário mínimo nos oito anos do governo Lula. Todos os anos o salário era reajustado em um nível até maior do que a inflação, e para nadar em céu de brigadeiro, foi feito um acordo com as centrais sindicais por volta de 2007 no qual o reajuste seria feito utilizando o PIB do ano retrasado, somado o índice de inflação do ano anterior.
Apesar de algumas ameaças o aumento foi mantido, mas em 2007, ninguém imaginava que o mundo seria tragado por uma crise econômica sem paralelos na história recente, e como o Brasil foi afetado pela crise em 2009 o crescimento do PIB foi de certa forma negativo (a crise no Brasil foi mais ocasionada pelo pânico gerado pela mídia do que por problemas econômicos tais como dívida externa grande, queda de exportações, e fuga de investimentos financeiros).
Até 2011 o PIB negativo de 2009 ainda não havia entrado nos cálculos do reajuste, mas como os problemas sempre nos atingem em algum momento, essa hora chegou, e em um momento de certa forma chave. Afinal ocorre bem no início de um novo governo, o Governo Dilma, e no que pese a experiência administrativa da presidente, falta ver como ela agirá em questões políticas.
A economia brasileira se recuperou em 2010, de um PIB negativo no ano anterior, há expectativa de ter atingido mais de 7% de crescimento, com uma economia aquecida, os salários precisam subir em um ritmo semelhante, por que onde tem crescimento, sempre há o velho mal da inflação.
A inflação que ameaça a economia brasileira não é oriunda apenas do aquecimento da economia, ela tem uma origem na necessidade do “mercado” controlar a nova presidente. Dilma é uma incógnita, mas ela dá todos os sinais de que seguirá os passos do governo Lula, mas para não haver riscos, de ela abandonar as velhas medidas ortodoxas de juros altos brasileiros, que garantem imensos lucros aos bancos, e investidores (principalmente dos que investem nos papéis de dívidas brasileiros), o movimento do mercado é garantir que o Banco Central continue com os juros altos, mesmo que isso atravanque o crescimento do país como o terremoto do Haiti fez com o país caribenho.
Assim com um mês e meio de governo Dilma se vê em um dilema imenso, as centrais sindicais têm pressionado para que o aumento desse ano seja maior, afinal a inflação mesmo que seja uma medida do “mercado” é real, o poder de compra brasileiro diminuiu os preços dos alimentos, seguindo uma tendência mundial não dão sinais de que irão parar de subir tão cedo (outro problema que o mundo precisa enfrentar é a monopolização da cadeia produtiva dos alimentos que está ocorrendo atualmente, as redes de varejo já possuem o controle total das cadeias de vários alimentos).
Não bastasse a ameaça dos trabalhadores, os juros altos brasileiros criam outro problema, o Brasil precisa gastar grandes somas do seu orçamento, para pagar os títulos de dívida, e como a soberania brasileira funciona até certo ponto, o país sofre a pressão de outras potências e de seus credores para haver cortes nos gastos correntes do país, para que sejamos um “ambiente seguro para investimentos externos”. A isso somasse o fato de que nossa moeda está valorizada, com isso nossas exportações se tornam menos atraentes, aumentando a desindustrialização brasileira.
Com todos esses componentes, Dilma precisa escolher, se irá ficar do lado dos trabalhadores, mantendo a tradição do seu partido de defender os trabalhadores, ou se manterá o caminho já seguido por Lula de ficar do lado dos “patrões”. Não deixa de ser uma grande ironia que o Partido dos Trabalhadores, uma vez no poder faça mais pela classe burguesa, do que por seus eleitores históricos, os trabalhadores.
João Vicente Nascimento Lins 09/02/2011

Florestan Fernandes - Evocações na Contramão


Florestan Fernandes - Evocações na Contramão from Ester Fer on Vimeo.
Na Praça da Sé, um repentista canta, em forma de cordel, a vida de Florestan Fernandes, importante sociólogo brasileiro. O repente abre caminho para os depoimentos dos companheiros de cátedra, de gabinete e de militância de Florestan. Contam de suas idéias, sua visão crítica sobre o Brasil, seus ideais e decepções durante a vida pública. Imagens que marcaram a vida de Florestan: o senado, a universidade, a família. O cordel revela o ponto de vista do povo sobre a história recente do Brasil, com suas lutas e desafios, que como Florestan, insistia em lutar contra as correntes.



Documentário realizado como Projeto de Conclusão de Curso na UFSCar, Bacharelado em Imagem e Som.

(mini-DV, 25 min, 2002)



Direção – Lucas Ferreira

Roteiro - Lucas Ferreira e Dinha da Silva

Argumento original e pesquisa - Pietro Picolomini



Produção Executiva – Ester Fér

Produção - Ester Fér e André Pereira



Direção de Fotografia – Cid Machado dos Santos Jr

Assistente de Fotografia – Silvio da Silveira

Direção de Arte – Dinha da Silva e Kátia Arruda



Som – Luis Gustavo Sguissardi e Rui Maricato

Trilha Sonora – Luis Gustavo Sguissardi



Montagem – André Pereira



Produção Digital – Luciano Panepucci





Orientação – Prof. Dr.José Gatti

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A esquerda existe nos EUA


01 de Dezembro de 2010      
ESTADOS UNIDOS
A esquerda existe nos EUA
A esquerda estadunidense continua viva, tanto no interior como do lado de fora do sistema bipartidário. Mas está dividida: enquanto uma parte organizou o Fórum Social Mundial de Detroit, outra protestou contra os conservadores em Washington
por Rick Fantasia
Ainda existe uma oposição de esquerda nos Estados Unidos? Obrigado a ir cada vez mais à direita pela concorrência do “Tea Party”, o Partido Republicano procura eliminar seus últimos elementos moderados. Já o Partido Democrata, mais propenso a renunciar do que a combater, assiste ao crescimento em  própria estrutura de uma corrente conservadora, enquanto a sua ala progressista tem as mãos atadas pelas pressões do sistema financeiro. Então, aonde foi parar a esquerda?
Ela continua viva, tanto no interior como do lado de fora do sistema bipartidário. Mas, na realidade, existem duas esquerdas nos Estados Unidos.
Uma delas é a que esteve em junho passado no Fórum Social de Detroit, no Michigan, onde 15 mil militantes vindos do país inteiro se reuniram durante cinco dias para “reavivar o espírito dos fóruns sociais mundiais”, “consolidar os laços entre os movimentos” e “aprofundar a solidariedade internacional e a luta comum”.
Embora nem todos esses objetivos talvez tenham sido alcançados, o evento conseguiu colorir um pouco as ruas desoladoras de Detroit com uma passeata de 10 mil em seu último dia. Ele também ofereceu a um número considerável de pequenas organizações sindicais oportunidades para confrontar suas experiências. Dentre essas, estavam presentes o Congresso dos Trabalhadores Excluídos, a Aliança dos Trabalhadores Domésticos, a Aliança dos Motoristas de Táxis, a Aliança dos Trabalhadores Imigrantes e a Rede Sindical dos Operários da Festa Nacional, além de grupos de trabalhadores agrícolas e de assalariados de hotéis e restaurantes. Nas 30 assembleias populares que foram realizadas no decorrer do fórum, centenas de operários relataram a brutalidade das suas condições de vida e de trabalho.
A esquerda representada em Detroit existe no mundo inteiro, exceto por um pequeno detalhe que faz toda a diferença: nos Estados Unidos, ela é escrupulosamente mantida afastada do debate político. Nenhum dos grandes veículos de comunicação estadunidenses sequer mencionou a existência do Fórum Social de Detroit, ao passo que durante mais de dois meses eles dedicaram uma cobertura intensiva a toda e qualquer reunião do “Tea Party”.
Contudo, o caráter marginal dessa esquerda específica não se deve apenas ao cordão sanitário que lhe é imposto pelo sistema político e midiático. Já que o Fórum estava sendo realizado em Detroit, o berço histórico da indústria automobilística, poderíamos nos perguntar por onde andaram os operários desse setor naquele momento. É verdade, o número de assalariados da indústria automobilística diminuiu de maneira drástica nos últimos anos, mas, no Michigan, ainda há 50 mil deles em atividade, sem contar os aposentados, avaliados em 128 mil. Contudo, não havia sinal algum da presença de operários da Ford ou da General Motors nas dependências do Fórum e nenhuma flâmula sequer simbolizando o UAW (United Auto Workers), o principal sindicato do setor. De fato, todos os grandes sindicatos tradicionais não apareceram.
Vale reconhecer que eles não haviam sido convidados de verdade para essa festa. Nesse contexto, profundamente envolvido com a juventude e a contracultura, o fórum preferiu concentrar suas atenções antes nas grandes problemáticas do meio ambiente e da globalização do que nos operários do setor automobilístico. Nas bancadas de imprensa abarrotadas de pilhas de livros e revistas, aficionados da new age e vendedores de produtos orgânicos vindos da economia solidária rivalizavam com os micropartidos de extrema esquerda e os coletivos de militantes de todas as tendências.  O mundo do trabalho foi representado majoritariamente pelos empregados pobres e precários da indústria de serviços, a maior parte dos quais era de negros, latinos e asiáticos. Negligenciado pelas grandes agremiações sindicais, esse “povo no pé da escada social” apareceu aos olhos dos organizadores como um composto fértil apto a revitalizar a esquerda radical.
Mas o que foi feito com os outros assalariados, aqueles que ainda dispõem de um status? E qual sentido pode ser conferido a esse status quando as convenções que o enquadram (emprego estável, reconhecimento do direito sindical, proteções sociais etc.) vêm perdendo todo efeito em consequência dos ataques incessantes dos empregadores? Ao manter uma distinção sempre menos significativa entre precários e estatutários, os responsáveis  pelo fórum talvez tenham dado um tiro no próprio pé.
Com visibilidade
Em outubro, a outra esquerda estadunidense, mais institucional, chamou a atenção por ocasião de uma grande manifestação em Washington. Atendendo à convocação de várias organizações progressistas – dentre as quais a maior confederação sindical do país, a AFL-CIO, a Associação Nacional para a Promoção das Pessoas de Cor (NAACP), o Conselho Nacional de La Raza e o Centro de Ação Nacional Gay e Lésbico (NGLTF) –, cem mil pessoas se reuniram dentro do parque do National Mall e roubaram temporariamente o show do “Tea Party”. Os operários do setor automobilístico dessa vez compareceram em peso. A UAW, o seu sindicato, destacou-se na passeata promovendo uma enxurrada de camisetas e de bandeirinhas da organização.
A multidão ali reunida comportou-se de maneira muito diferente daquela de Detroit. Aqui, ela ficou sossegada, tranquilamente sentada, feliz por conhecer novas pessoas e acompanhou os discursos com uma atenção escrupulosa. Na tribuna do Memorial Lincoln, se sucederam políticos democratas, personalidades midiáticas e dirigentes sindicais, numa coreografia perfeitamente orquestrada que admitia apenas repentes de cólera esporádicos dirigidos exclusivamente aos republicanos, nunca ao capitalismo. Parecia ser preciso evitar a todo custo inflamar as mentes.
Ao longo das últimas décadas, enquanto a sua base enfrentava os fechamentos de usinas, as transferências de sedes para o exterior e as práticas antissindicais do patronato, esses sindicatos e associações se mostraram pouco dispostos a ações ofensivas. Muito ligados ao Partido Democrata, eles frequentaram demais o poder para assumir o risco de um confronto com os seus representantes.
A ampla repercussão com a qual conta essa esquerda institucional não significa, contudo, que aquela do Fórum Social, não marque presença: os grupos que a constituem desempenham um papel não menosprezível em centenas de cidades pelo país afora, desenvolvendo redes ativas e implantando contrapoderes locais.
A força desses movimentos coletivos reside na sua autonomia e numa combatividade imbuída de pragmatismo, que lhes permitem concentrar-se em objetivos precisos e mobilizar uma vasta rede de militantes de horizontes variados. Em contrapartida, o seu ponto fraco vem de que eles limitam excessivamente as suas ambições a combates setoriais desconectados de uma visão social de conjunto. Esse defeito ilustra certa tendência, herdada da Guerra Fria, a desconhecer a realidade das relações entre classes nos Estados Unidos e a contentar-se com uma análise social superficial.
A dificuldade principal das duas esquerdas estadunidenses diz respeito à sua sobrevivência em meio a uma cultura política dominada pelas maiores multinacionais do planeta. Mas, numa certa proporção, a sua fraqueza também pode ser explicada pelos limites das suas próprias perspectivas sociais. Para a primeira, os trabalhadores têm por vocação lutar contra a exclusão, e não contra a exploração; já para a outra, mais vale curtir um piquenique do que lutar...
Palavras chave: EUA, esquerda, Tea Party