terça-feira, 16 de novembro de 2010

Um tapa na cara como poucos


Existem poucos tapas na cara tão bem dados quanto o filme “Nascido em quatro de julho” de Oliver Stone. O filme conta a história de Ron Kovic ativista pacifista, que ficou paraplégico no Vietnã.
O filme começa mostrando sua infância, quando brincava com seus amigos de soldado nas florestas de sua cidade Massapequa, mal imaginando que seu futuro seria transformado totalmente em outra floresta alguns anos depois.
Antes outro fato mudou sua vida, o discurso da posse de John Kennedy no qual ele disse "Ask not what your country can do for you, but what you can do for your country", ao escutar isso ele decide que seu futuro é se alistar no exercito, o que ele faz entrando no corpo de fuzileiros navais na aurora da Guerra do Vietnã.
No Vietnã é mostrado aos espectadores o quão insano uma guerra pode ser, assassinando inocentes camponeses, mas uma das cenas mais impactantes é quando Kovic fere seu amigo Wilson. A guerra no cinema é retratada na maior parte das vezes na perspectiva dicotômica, onde sempre há um lado representando o bem, e outro representando o mal, e no lado do bem, os heróis sempre são mortos pelo inimigo. Stone subverte totalmente esse padrão ao mostrar uma ocorrência do sempre encoberto fogo amigo.
Um combate demanda que o ser humano abra mão de todas as suas convenções sociais para matar outro ser humano, é algo insano, e de tão insano é natural que erros aconteçam e pessoas sejam pegas em fogo amigo. O cinema de Hollywood em sua perspectiva dicotômica abafa isso, um “mariner” não pode ser mostrado cometendo erros, não pega bem na hora de recrutar novos combatentes.
Mas o diretor não subverte o cinema de guerra apenas nesse aspecto, ele mostra os cadáveres dos camponeses vietnamitas pegos no fogo cruzado, e nas cenas que talvez sejam mais chocantes, o descaso com os “heróis de guerra” que são tratados no hospital dos veteranos.
Nesse ponto é feito outra desmistificação, a Guerra do Vietnã demandou muito dinheiro dos EUA, seus gastos cada vez maiores eram em sua maioria canalizada na compra de armamentos, alimentando o complexo industrial militar. O dinheiro para cuidar dos sobreviventes deveria ser escasso, e o número de feridos aumentava todos os dias, sobrecarregando os hospitais militares que ficavam em acima de sua capacidade.
Deveria ser horrível o dia a dia num desses hospitais, homens feridos, transformados totalmente por uma guerra, o filme retrata esse cotidiano de forma estupenda. Pode até ser meio nojento, mas a realidade não é fofinha como em um filme de romance.
Após sobreviver aos seus ferimentos e ao hospital dos veteranos, Ron Kovic retorna à sua cidade e sua família, e precisa aprender a conviver com sua paralisia (ele perdeu os movimentos da cintura para baixo), e com a estranheza das pessoas, e o clima de divisão que a Guerra e o racismo havia levado ao país. Essa cisão ocorria em todas as partes, até mesmo dentro de sua família.
Ele precisa, no entanto antes confrontar seus próprios demônios oriundos da guerra, que o tornam alcoólatra, depois de uma temporada no México com outros veteranos, ele visita a família de Wilson, e confessa que foi ele quem matou seu amigo, a família que havia lutado em todas as guerras dos EUA até então, compreende, pois sabe o quanto duro é uma guerra.
Após esse fato ele se volta ao movimento dos veteranos do Vietnã contrários a Guerra, o clímax do filme é o protesto feito por esse movimento durante a convenção nacional republicana que aclamou a reeleição de Richard Nixon, na qual foi utilizada de força excessiva contra os veteranos muitos deles em cadeiras de rodas, e no qual eles foram hostilizados pelos republicanos recebendo gusparadas na cara.
O filme foi feito numa época de revisionismo da Guerra do Vietnã com obras como Apocalipse Now de Francis Ford Copolla, Nascido para matar de Stanley Kubrick e Platoon do próprio Oliver Stone, Nascido em quatro de julho mantém as críticas que esses filmes fizeram à Guerra do Vietnã e a leva a um novo patamar desmistificando muitas ideias que todo o mundo possuía do confronto.
Ele serve de alerta não só para Guerras movidas por motivos econômicos como a do Iraque e do Afeganistão, mas a qualquer tipo de confronto bélico, violência só gera mais violência, e sempre é por motivos não racionais, não existe guerra justificada, ela sempre é um ato de insanidade, não há mocinhos e nem bandidos, somos todos humanos, somos iguais, um afegão não merece morrer, assim como um estadunidense, não é isso que vai gerar um mundo melhor, muito pelo contrário, é a compreensão que leva a avanços, e não a intolerância.
Nascido em quatro de julho (Born on the fourth of July, EUA – 1989)
Direção: Oliver Stone.
Roteiro: Oliver Stone, Ron Kovic.
Elenco: Tom Cruise, Raymond J. Barry, Caroline Kava, Tom Berenger, Frank Whaley, Kyra Sedgwick, Willem Dafoe.
João Vicente Nascimento Lins, 16/11/2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Escolas privatizadas, desempenho pífio

01 de Outubro de 2010
EDUCAÇÃO / ESTADOS UNIDOS
Escolas privatizadas, desempenho pífio
    
Em depoimento, a autora, que já defendeu princípios como o da remuneração por mérito para os professores e a generalização dos testes de avaliação, critica o sistema em que se encontram as chamadas chartes schools estadunidenses e as opções de Bush e Obama para a educação
http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gifpor Diane Ravitch http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gif
Quando eu entrei para o governo de George Bush (pai) em 1991, na qualidade de assistente do secretário de Estado da Educação, Lamar Alexander, eu não tinha uma ideia formada sobre a questão da chamada “livre escolha” ou sobre a da responsabilização dos professores. Mas, quando saí do governo, dois anos depois, defendia o princípio da remuneração por mérito: considerava que os professores, cujos alunos obtivessem melhores resultados, deveriam ser mais bem pagos que os demais. Também defendia a generalização dos testes de avaliação, que me pareciam úteis para determinar com precisão quais escolas deveriam receber uma ajuda suplementar. Por isso, em 2001, aplaudi com entusiasmo quando o Congresso votou um texto que defendia essas ideias: a Lei No Child Left Behind (NCLB – nenhuma criança deixada para trás) , assim como também celebrei, em 2002, quando o presidente George W. Bush sancionou-a.
Mas, hoje em dia, observando os efeitos concretos de tais políticas, acabei mudando de opinião: considero que a qualidade do ensino que as crianças recebem atualmente peca por problemas de gestão, de organização ou de avaliação dos estabelecimentos.
A Lei NCBL exige que cada Estado avalie as capacidades de leitura e de cálculo matemático de todos os alunos, do segundo ao quarto ano da escola elementar. Em seguida, os resultados são ventilados a partir de vários critérios; um primeiro identifica a origem étnica, outro, a língua materna, um terceiro a presença de uma eventual deficiência e um último, os alunos oriundos de lares modestos. Os integrantes de cada um desses grupos devem atingir 100% de sucesso nos testes. Se em uma escola, um único grupo não conseguir progressos constantes na direção desse objetivo, o estabelecimento vê-se submetido a sanções cuja severidade é progressiva. No primeiro ano, a escola recebe uma advertência. Em seguida, todos os alunos (mesmo os que tiveram bons resultados) têm a possibilidade de mudar de estabelecimento. No terceiro ano, os alunos mais pobres podem se beneficiar de cursos suplementares gratuitos. Se a escola não conseguir atingir seus objetivos em um período de cinco anos, ela corre o risco de ser privatizada, de se tornar uma charter school1, de passar por uma reestruturação completa ou simplesmente de ser fechada. Nesse caso, os funcionários podem ser despedidos. Atualmente, cerca de um terço das escolas públicas do país (mais de 30 mil) foi identificado como não cumpridor de “progressos anuais satisfatórios”.
Avaliação
Ponto crucial: a Lei NCLB deixou que cada Estado definisse seus modos de avaliação, o que levou alguns deles a reduzir o nível de exigência para que os alunos atinjam com mais facilidade os objetivos. Como consequência, as melhoras do nível escolar, divulgadas localmente, nem sempre se traduzem em melhor desempenho nos testes federais.
O Congresso obriga as escolas a submeter, aleatoriamente, alguns de seus alunos ao National Assessment of Educational Progress (NAEP), visando comparar os resultados com os fornecidos pelos Estados. Assim, no Texas, onde se fala de um verdadeiro milagre pedagógico, os resultados de leitura estagnaram há anos. Do mesmo modo, enquanto o Tennessee contabilizava que 90% de seus alunos atingiram as metas de 2007, a estimativa do NAEP era menos envaidecedora: chegava a apenas 26%.
Milhares de dólares foram gastos para instituir – e em seguida aprovar – as baterias de testes necessárias para esses diferentes sistemas de avaliação. Em inúmeras escolas, o ensino ordinário foi interrompido durante vários meses para dar lugar à preparação intensiva dedicada a esses exames. Vários especialistas disseram que todo esse trabalho não beneficia os alunos, que aprendem prioritariamente a fazer tais testes, e não as matérias a eles ligadas. Tanto que quando eles precisam fazer uma prova para a qual não foram preparados, seus resultados caem.
Apesar do tempo e do dinheiro investidos, os números do NAEP não cresceram. Em alguns casos, eles simplesmente estagnaram. Em matemática, os progressos eram inclusive mais significativos antes da adoção da Lei NCLB. No quesito leitura, a situação parece ter melhorado entre os alunos que cursam o segundo ano da escola fundamental (crianças de 9 anos). Já para os estudantes do quarto ano, os resultados de 2009 foram os mesmos que os de 1998.
Todavia, o principal problema não vem dos próprios resultados ou da maneira pela qual os Estados e as cidades manipulam os testes. A verdadeira “vítima” dessa obstinação é a qualidade do ensino. Como a leitura e o cálculo se tornaram prioritários, os professores, conscientes de que essas duas matérias podem decidir o futuro de sua escola (e de seu emprego), acabam negligenciando as demais. Dessa forma, são relegadas à posição de matérias secundárias disciplinas como história, literatura, geografia, ciências, arte, línguas estrangeiras e educação cívica.
Há cerca de 15 anos, uma outra ideia tem despertado a imaginação nas poderosas fundações e na cabeça dos opulentos representantes do setor patronal : a “livre escolha”, que é bem-vinda especialmente nas charter schools, cujo conceito apareceu no final dos anos 1980. Desde então, esses estabelecimentos formaram um vasto movimento, que agrupa 1,5 milhão de alunos e mais de 5 mil escolas. Financiadas pelo dinheiro público, mas administradas como instituições privadas, elas não precisam adotar a maioria das regulamentações em vigor no sistema público. Assim, mais de 95% delas se recusam a aceitar professores sindicalizados. E quando a administração do Estado de Nova York quis auditar as charter schools, elas recorreram à Justiça para impedir: o Estado precisava confiar nelas e deixar que elas mesmas fizessem essa auditoria.
Resultados
O nível dessas escolas é desigual. Algumas são excelentes, outras são catastróficas. A maioria fica entre esses dois extremos. A única avaliação de escala nacional foi feita por Margaret Raymond, economista da Universidade de Stanford 2 . Apesar de ser financiada pela Walton Family Foundation, ferrenha defensora das charter schools, ela revela que só 17% desses estabelecimentos têm realmente um nível superior ao de uma escola pública. As 83% restantes conseguem resultados similares ou inferiores. Nos exames de leitura e matemática do NAEP, os alunos que frequentam as charter schools obtêm os mesmos pontos que os demais, sejam eles negros, hispânicos, pobres ou alunos que moram nas grandes cidades. Ainda assim, o modelo tem fama de ser o “remédio milagroso” para todos os problemas do sistema educacional americano. Para a direita, é claro, mas também para um bom número de democratas. Esses últimos chegaram, inclusive, a formar um grupo de pressão: os Democrats for Education Reform (Os Democratas pela Reforma da Educação). Seu modelo de funcionamento se baseia em uma forte taxa de renovação do pessoal, pois os professores são obrigados a trabalhar muito (às vezes 60 ou 70 horas por semana) e a deixar o telefone celular sempre ligado, para que os alunos possam localizá-los a qualquer momento. A ausência de entidades de classe facilita esse tipo de condição de trabalho e é impensável que se possa estender esse funcionamento ao conjunto do país, mesmo que seja porque ele impede que os professores se ocupem da própria família.
Quando a mídia se interessa pelo assunto, ela costuma focar os estabelecimentos excepcionais. Intencionalmente ou não, passa-se, então, à imagem de verdadeiros “paraísos”, povoados de professores jovens e dinâmicos, de alunos usando uniforme e de comportamento impecável, todos capazes de entrar na universidade. Mas essas reportagens desprezam alguns fatores determinantes. Em primeiro lugar, os estabelecimentos de bom nível selecionam seus alunos por sorteio e, dessa forma, têm a certeza de atrair os pais mais motivados, os mais comprometidos com a escolaridade dos filhos. Além disso, eles aceitam menos alunos de língua materna estrangeira, portadores de algum tipo de deficiência ou sem domicílio fixo, o que lhes confere uma vantagem em relação às escolas públicas. E, finalmente, eles têm o direito de mandar para o ensino público os elementos que “mancham” sua imagem.
Quando o movimento em favor das charter schools ganhou impulso, no final dos anos 1980, ele
baseava-se na certeza de que esses estabelecimentos seriam fundados e coordenados por professores corajosos, que apoiariam os alunos que tivessem mais dificuldade. Com a liberdade de inovar, eles poderiam aprender como ajudar melhor esses alunos e contribuiriam para que toda a comunidade se beneficiasse dos conhecimentos adquiridos quando eles reintegrassem o sistema público. Mas, atualmente, esses estabelecimentos competem abertamente com as escolas públicas. Em algumas cidades, as charter schools tentam até mesmo levar essas últimas à falência. No Harlem, bairro de Nova York com população majoritariamente afrodescendente, os estabelecimentos públicos precisam lançar campanhas de comunicação voltadas para os pais. Os orçamentos de US$ 500 (ou menos) que elas têm disponíveis para materiais impressos e brochuras promocionais nem se comparam aos US$ 325 mil disponibilizados pelo poderoso grupo que tenta expulsá-las do setor. Em toda parte, o apoio de benfeitores poderosos (dirigentes de hedge-funds, Walton Family Foundation, Eli and Edythe Broad Foundation etc.) favorece a multiplicação das charter schools.
Administração Obama
Em janeiro de 2009, quando a administração de Barack Obama chegou ao poder, eu estava convencida que ela revogaria a Lei NCLB e recomeçaria de bases sadias. Mas o que aconteceu foi o contrário: Obama incorporou as ideias e as escolhas mais perigosas da Era George W. Bush. Batizado de Race to the Top (“Corrida para o alto”), seu programa acena com a promessa de subvenções de US$ 4,3 bilhões a Estados estrangulados pela crise econômica. Para se beneficiar desse verdadeiro maná, esses Estados devem eliminar todo e qualquer limite legal à implantação das charter schools. Além de também ser obrigados a fazer parte de uma base de dados que permite avaliar os professores em função dos resultados obtidos nos testes por seus alunos, e se comprometer a “transformar” ou “redinamizar” os estabelecimentos cujos resultados são insatisfatórios.
Dessa forma, a expansão das charter schools vem realizar o velho sonho dos homens de negócios da educação e dos partidários do mercado total, que aspiram ao desmonte do sistema público.
Ora, é absurdo avaliar os professores segundo os resultados dos alunos, pois esses resultados dependem evidentemente do que acontece em sala de aula, mas também de fatores externos, como os recursos, a motivação dos alunos ou o apoio dado pelos pais. E, mesmo assim, só os professores são considerados “responsáveis”. Quanto a “transformar” as escolas em dificuldade, trata-se de um eufemismo destinado a mascarar o mesmo tipo de medidas, como aquelas impostas pela Lei NCLB. Se os resultados não melhoram rapidamente, os estabelecimentos são transferidos ao Estado envolvido, fechados, privatizados ou transformados em charter schools. Quando as autoridades de Rhode Island anunciaram sua intenção de despedir todo o corpo docente do único colégio da cidade de Central Falls, sua decisão foi aplaudida pelo secretário de Estado da Educação, Arne Duncan, e pelo próprio presidente democrata. Recentemente, todo o pessoal foi readmitido com a condição de aceitar jornadas de trabalho mais longas e fornecer ajuda personalizada aos alunos.
A tônica posta por Obama na avaliação levou os Estados a modificarem sua legislação, na esperança de obter os fundos federais dos quais têm total necessidade. A Flórida acaba de votar uma lei que proíbe o recrutamento de professores iniciantes, submete a metade do salário deles aos resultados dos alunos, suprime os orçamentos alocados à formação contínua e financia a avaliação dos alunos recolhendo 5% do orçamento de cada setor escolar. Pais e professores uniram forças e conseguiram convencer o governador, Charlie Crist, a não assinar a lei, o que provavelmente pôs fim à sua carreira no seio do Partido Republicano. Mas medidas semelhantes estão sendo tomadas em todo o país.
Diane Ravitch
é pesquisadora em Ciências da Educação da New York University. Autora, em especial, de The Death and Life of the Great American School System: How Testing and Choice Are Undermining Education, Basic Books, Nova York, 2010. Este texto foi inicialmente publicado no The Nation de 14 de junho de 2010, sob o título Why I Changed My Mind (Por que eu mudei de ideia).
1 Charter schools são escolas primárias e de ensino médio que recebem dinheiro público (e, como outras escolas, também podem receber doações particulares), mas não estão sujeitas a algumas regras e regulamentações que se aplicam a escolas públicas em troca de prestação de contas e Alcance de certos resultados.
2 Multiple choice: Charter school performance in 16 States, Center for Research on Education Outcomes (CREDO), Stanford University, junho de 2009

Fonte: Le Monde Diplomatique

domingo, 14 de novembro de 2010

Vale, a multinacional dos conflitos



Vale, a multinacional dos conflitos
Denúncias de violação de direitos trabalhistas e ambientais na África, Ásia e no continente americano arranham a imagem da Vale, segunda maior empresa mineradora do mundo. Juntos, os atingidos pelas operações da companhia mobilizam-se para exigir mudanças imediatas
http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gifpor Philippe Revelli http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gif
Sudbury, 11 de março de 2010. Nesta cidadezinha, a 400 km ao norte de Toronto, no Canadá, os mineiros da companhia Vale/Inco formam uma fila única, aguardando sua vez de votar nas propostas em discussão. Eles estão em greve há oito meses e, na semana anterior, as negociações entre a diretoria da companhia e o United Steelworkers (USW), o sindicato dos metalúrgicos, foram interrompidas. Na origem do conflito está a possível alteração na convenção coletiva de trabalho, o que resultaria no congelamento dos salários durante três anos, além da modificação do regime das aposentadorias e da redução do bônus anual vinculado à rentabilidade da empresa (até então calculado com base numa média de 25% do salário). Ao sair da cabine de votação, um grevista queimou o documento no qual estavam listadas as propostas da diretoria, gesto imitado por muitos dos seus colegas. O resultado do pleito não deu margem para dúvidas: 88,7% dos assalariados optaram por continuar de braços cruzados.
Essa não era a primeira greve dura dos mineiros. A International Nickel Company of Canada (Inco) explora o níquel da região há mais de um século e, no decorrer dos conflitos, o USW foi consolidando seu papel de interlocutor privilegiado com a diretoria, arrancando direitos sociais importantes que beneficiam o conjunto da comunidade. Ou, melhor dizendo, “beneficiavam”. Em 2006, a compra da companhia canadense pela multinacional brasileira Vale mudou a situação de vez. E nada indica que os mineiros ganharam com isso.
Alegando os efeitos da crise financeira, os dirigentes da Vale/Inco não tardaram a voltar atrás nas promessas feitas ao governo canadense, que no começo era hostil à compra de uma empresa nacional por uma concorrente estrangeira. O conflito aberto pelo questionamento da convenção coletiva ofereceu à diretoria a oportunidade de se libertar das regras (mais ou menos tácitas) de negociação em vigor até então. Espantados, os mineiros canadenses foram descobrindo novas práticas: “Nunca, até então, ‘laranjas’ haviam furado nossos piquetes de greve!”, conta Pascal Boucher, dirigente da seção local do USW. Há relatos, também, de assédio pelos agentes de segurança terceirizados que servem à companhia: “Eles chegam ao ponto de nos seguir, filmando ostensivamente nossas idas e vindas. Ficam, até mesmo, estacionados em frente às nossas casas”. Até então, ninguém tinha visto nada parecido em Sudbury.
Para Doug Olthuis, encarregado de assuntos internacionais do sindicato, essa mudança é decorrente da nova escala da companhia: “O níquel de Sudbury representava 30% do faturamento da Inco. Agora, ele corresponde a não mais de 3% do faturamento da Vale. Para eles, as minas não são indispensáveis; com isso, a capacidade de negociação do sindicato foi reduzida na mesma proporção”.
Recordar é viver
O berço da Vale é Minas Gerais. Após o ciclo do ouro (no século XVIII), veio o do ferro, que durante a Segunda Guerra Mundial adquiriu para os Aliados uma importância estratégica. Os acordos de Washington, assinados em 1942, entre os governos estadunidense, britânico e brasileiro, estipularam uma transferência das minas, que eram exploradas até então pela British Itabira Company, para uma sociedade brasileira de economia mista fundada naquela oportunidade (com ajuda de créditos americanos): a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
Dez anos mais tarde, o Estado brasileiro assumiu o controle da CVRD, e a empresa consolidou sua posição no Quadrilátero Mineiro. Após a descoberta das jazidas de ferro de Carajás (PA), ela estendeu suas operações à Amazônia e tornou-se, durante os anos 1980, a maior exportadora mundial de minério de ferro. Em 1997, quando a Vale do Rio Doce figurava entre as empresas mais rentáveis do país, o governo de Fernando Henrique Cardoso decidiu privatizá-la.
A operação foi realizada dentro de condições duvidosas – para dizer o mínimo – e é questionada até hoje. Liquidada por US$ 3,14 bilhões, a empresa vale atualmente 40 vezes mais (US$ 139 bilhões). As suas reservas em minério de ferro, que estavam estimadas em 2 bilhões de toneladas às vésperas da venda, triplicaram nos dias que se seguiram como um passe de mágica. Além do mais, cerca de 60 filiais não foram levadas em conta na avaliação dos ativos da companhia, realizada com ajuda do grupo Bradesco, que se tornou um dos principais acionistas da nova sociedade privada.1
A partir de 2001, a ascensão de Roger Agnelli ao comando da sociedade deu início a uma era de expansão agressiva no exterior. A firma, que se tornou multinacional, foi içada ao nível de maior fornecedora da China em minério de ferro e estendeu suas atividades aos metais não ferrosos – níquel, cobre, manganês, bauxita, fosfatos.
Em 2006, com a aquisição da Inco, a CVRD tornou-se a segunda maior empresa mineradora do mundo, atrás apenas da BHP Billiton. Além disso, a operação permitiu-lhe estender suas atividades ao Canadá, Indonésia e Nova Caledônia. No ano seguinte, ela mudou seu nome para Vale e continuou o boom: nos setores do carvão – ela obteve concessões no distrito de Moatize, em Moçambique, onde estão localizadas as mais importantes reservas inexploradas do planeta – e dos adubos químicos – com a compra das cotas da Bunge na empresa Fosfértil.
Desde então, as suas atividades se estendem pelos cinco continentes, em mais de 30 países. O conglomerado reúne cerca de 60 empresas, emprega 150 mil trabalhadores, possui 9 mil km de ferrovias, oito portos e várias centrais hidrelétricas. A Vale bateu seus recordes no ano de 2008, lucrou US$ 13,3 bilhões2 e distribuiu US$ 2,75 bilhões aos seus acionistas, uma quantia maior que aquela gasta com os salários – US$ 1,9 bilhão.
Infelizmente, nem todos os brasileiros são acionistas da Vale. Ao longo da estrada de ferro que liga as minas de Carajás ao porto de São Luís (MA), não são os dividendos que vêm à mente quando se menciona o nome da empresa.
Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás, município onde cinco projetos de exploração mineira estão em operação, José Ribamar conta que “as explosões, o alvoroço das máquinas e a circulação de centenas de caminhões atrapalham a vida cotidiana dos habitantes e assustam os animais. Toneladas e toneladas de rochas estéreis3 e lixo de todo tipo se acumulam ao ar livre e são arrastadas pelas chuvas, poluindo a água e o solo”. E não é só isso: “Para que novas minas possam entrar em serviço, a Vale compra terras e manda cercá-las com arame farpado. Os camponeses que não querem vender acabam ficando ilhados”.
A cerca de 50 km dali, Parauapebas abriga a sede regional da companhia. A cidade, que não passava de um vilarejo alguns anos atrás, conta atualmente com 150 mil habitantes. Em volta de alguns enclaves de prosperidade, as moradias precárias não param de ganhar terreno – 45% das famílias do município não têm água encanada, 90% não estão conectadas à rede de esgoto – e os royalties que o município recebe4 não lhe permitem adaptar sua infraestrutura à chegada constante de novas levas de migrantes.
Toda semana, desembarcam lá dezenas de famílias, atraídas pela perspectiva de conseguir um emprego na Vale. Para muitos, isso não passará de miragem. Mas é uma miragem que vai aumentando as fileiras de um exército de reserva, do qual a companhia se abastece para substituir os operários que ficam “sem condições de trabalho”. Nesse contexto, ferir-se equivale a perder tudo: a Associação de Defesa das Vítimas de Acidentes do Trabalho acompanha atualmente 63 casos de operários demitidos em consequência de um acidente de trabalho.
A contratação de cerca de 60% do pessoal por intermédio de agentes, pouco preocupados com as questões de direito do trabalho, contribui para refrear a combatividade dos assalariados, enquanto as autoridades locais, a polícia e a justiça se mostram pouco inclinadas a mudar esse cenário. Houve um caso excepcional: em abril de 2010, um juiz do trabalho de Marabá aventurou-se a condenar a empresa a pagar R$ 300 milhões, por perdas e danos, a várias centenas de trabalhadores. Tudo em vão, já que alguns dias mais tarde, o Tribunal Superior do Trabalho suspendeu a execução da sentença, enquanto a Vale, por sua vez, anunciou a intenção de processar o magistrado.
Ao longo da ferrovia, a cidade de Açailândia tornou-se, durante os anos 1990, um polo siderúrgico alimentado pelo minério de Carajás. No final da estrada, está o projeto de ampliação do porto de São Luís, que vem enfrentando resistência por parte das comunidades de pescadores.
Em 2007, a multiplicação dos conflitos locais levou ao lançamento de uma campanha comum: Justiça nos Trilhos5. Dois anos mais tarde, por ocasião do Fórum Social Mundial de Belém, foram promovidos encontros com grupos vindos de diversos lugares do mundo que estavam em conflito com a mineradora. Germinou, então, a ideia de um movimento internacional de oposição à Vale. A greve dos mineiros canadenses da Vale/Inco, que teria início alguns meses mais tarde, iria exercer o papel de catalisador. O primeiro encontro internacional das vítimas da Vale seria realizado no Rio de Janeiro, cidade que abriga a sede da companhia, em abril de 2010.
Compartilhando problemas
Duas vans avançam aos solavancos na pista da serra do Gandarela, em Minas Gerais. Elas transportam 15 representantes de organizações camponesas, indígenas, ecologistas e sindicais. Eles vêm do Peru, Chile, Moçambique e Canadá para fazer parte da “caravana internacional” que circula pelo estado. “A serra do Gandarela é uma zona natural protegida que abriga 40% das reservas de água ainda preservadas de Minas Gerais”, explica Isabela Cançado. Bióloga e militante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, ela se diz preocupada com os projetos da Vale de ampliar o perímetro das suas operações na região, de maneira a multiplicar por cinco a sua produção de minério de ferro. “As licenças de exploração obtidas pela companhia têm um bom número de irregularidade e estão em contradição com as normas de proteção das águas e da biodiversidade”, afirma.
O impacto da atividade da mineração sobre a água, a sua qualidade, o volume das reservas existentes e a sua disponibilidade para as populações locais foram questões que surgiram durante o percurso da caravana. Assim, alguns canadenses relataram o caso de Newfoundland, na província do Labrador, onde a Vale pretende utilizar o lago de Pondy Sand para armazenar lixo tóxico. As representantes chilenas alertaram para “o desvio de um recurso público”, que constituiria o bombeamento de enormes quantidades de água em novas áreas de mineração que a companhia pretende explorar na província de Choapa. Quanto aos camponeses, eles constatam no dia a dia a poluição dos cursos de água, a acumulação de lama cinzenta nas bordas e o desaparecimento dos peixes… Mas, o que fazer para impedir isso?
“Em 2006, a Vale obteve uma licença para explorar uma mina de cobre a céu aberto na região de Cajamarca, no Peru”, relata José Lezma, presidente da Frente de Defesa da Bacia do Rio Cajamarquino. “Mas, nessa região, já tínhamos a amarga experiência dos danos provocados pela mineração; entre os empregos prometidos pela Vale e aqueles perdidos na agricultura, o cálculo foi rápido: decidimos impedir a abertura da mina”. Com o apoio das autoridades, a empresa investiu com tudo para destruir o movimento camponês, optando até mesmo por recrutar antigos presidiários, capangas e bandidos envolvidos no tráfico de drogas para compor sua força de segurança. José Lezma chegou a ser sequestrado e teve seu domicílio saqueado. Em 2007, 500 camponeses ocuparam durante três meses o local da mineração, obrigando a empresa a retirar suas máquinas.
No Rio de Janeiro, cerca de 160 pessoas participaram do encontro internacional das vítimas da Vale. Universitários, camponeses, pescadores, indígenas, sindicalistas, ecologistas. Todos que se manifestaram foram unânimes: o impacto ambiental, inerente à atividade da mineração, poderia ser reduzido pela implementação de medidas técnicas ou legais. Infelizmente, nada indica que esses cuidados façam parte das prioridades da Vale. Pelo contrário: Jacques Boenghik, consultor na Agência Canadense de Desenvolvimento, aponta uma diretriz interna da usina de Goro, na Nova Caledônia: certas medidas de controle e vigilância das instalações são preconizadas “somente se vocês tiverem tempo para tanto (…), levando em conta os operadores à disposição”. E não se trata de um caso isolado.
No campo social, a lista dos conflitos é infindável: há o caso dos indígenas Karonsi’e Dongi de Sorowako, na Indonésia, expulsos do seu território ancestral e que sobrevivem, atualmente, encurralados por um campo de golfe da Vale; ou ainda os 5 mil camponeses moçambicanos da região de Moatize, que foram reassentados em condições precárias em terras menos férteis e mais afastadas das feiras onde comercializam sua produção. Na baía de Sepetiba, a oeste do Rio de Janeiro, onde o consórcio ThyssenKrupp-Vale está construindo uma usina siderúrgica, membros de milícias paramilitares locais foram identificados entre o pessoal da segurança. O dirigente de uma comunidade de pescadores, ameaçado de morte, teve de recorrer ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Obrigado a abandonar seu domicílio, vive atualmente escondido.
Para os atingidos por essas situações, a Vale não seria o que ela é e não poderia se permitir transgredir impunemente as legislações nacionais sem o apoio das autoridades dos países nos quais ela opera. Em Moçambique, segundo publicou o diário O País, “o presidente da empresa é conselheiro para assuntos internacionais do chefe do Estado, Armando Guebuza6”. Em Goro, “um anexo do quartel da polícia militar foi construído no campus da Vale”, conta Boenghik. “A empresa abre gratuitamente seu restaurante para os policiais e lhes fornece veículos.” E, no Brasil, onde a Vale goza desde sempre do apoio infalível do Estado que a deu à luz e criou na sua primeira infância – e segue amparada por empréstimos, tarifas preferenciais de eletricidade7 e projetos de infraestrutura –, o Tribunal Superior Eleitoral apurou que 46 deputados, seis senadores, sete governadores e o próprio presidente Lula haviam gozado de benesses da Vale durante a campanha eleitoral de 20068.
A existência de passarelas entre as altas esferas do Estado e as da companhia suscitam questionamentos. Em 2008, por exemplo, pouco após a concessão de um empréstimo de R$ 7,3 bilhões à Vale pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) – o financiamento mais importante já concedido por este organismo a uma empresa –, o secretário executivo do banco, Luciano Siani Pires, foi nomeado diretor do departamento de Planejamento Estratégico da sociedade.
Saídas
“O movimento ainda está engatinhando”, reconhece Ana Garcia, uma das organizadoras, “a tarefa que temos pela frente é imensa… e muitas perguntas permanecem no ar”. Como conciliar a diversidade dos pontos de vista e das situações políticas? Os objetivos a longo prazo e as demandas imediatas das populações prejudicadas? As reivindicações sindicais e o questionamento de um modelo de desenvolvimento baseado na extração dos recursos naturais? As lutas locais e a exigência de parte dos movimentos sociais de nacionalizar novamente a companhia?
Em Sudbury e em Port Colborne, após um ano de greve, os mineiros canadenses da Vale/Inco finalmente encerraram seu movimento sem conseguir muitas concessões, enquanto a luta prossegue na área de mineração de Voisey’s Bay. “No decorrer do ano passado”, escreveu então Jamie West, mineiro que participou no encontro do Rio, “nós aprendemos muito em relação ao nosso empregador. Também aprendemos muito sobre nós mesmos, sobre a importância do sindicalismo e da solidariedade – não apenas no âmbito local ou da nossa organização, mas também com os trabalhadores do mundo inteiro. Aprendemos que muitos dentre nós eram militantes que esperavam apenas ser despertados, que esperavam apenas uma oportunidade9”.
Philippe Revelli é jornalista.
1 Em 2007, por ocasião de uma votação organizada pela campanha “A Vale é nossa”, 3,7 milhões de brasileiros se pronunciaram a favor da nacionalização da companhia.
2 Em 2009, apesar da crise, eles ainda Alcançaram o montante de US$ 5,3 bilhões.
3 Rochas que não contêm minérios aproveitáveis.
4 Em 2008, esses royalties representavam apenas 1,7% do valor do minério extraído.
5 Justiça nos Trilhos:
www.justicanostrilhos.org
6 O País (Moçambique), 23 de fevereiro de 2010.
7 A Vale consome, sozinha, 5% da eletricidade do país, que ela paga por uma tarifa subsidiada.
8 Valor Econômico, 16 de maio de 2007.
9 “Vale Inco strikers weigh their year of sacrifice and vote on deal”, 7 de julho de 2010,
http://labornotes.org.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sobre o blog

Não estou com preguiça, não!
Não escrevo para o Blog há tempos por que todas minhas energias estão em escrever o TCC, talvez quando ele estiver pronto até poste aqui, mas acho que não perderei esse hábito de colocar textos que eu considere relevante por aqui, se a internet é esta ferramenta de divulgação de idéias, que ela seja usada assim!

Choque de ordem contra a cultura popular

Choque de ordem contra a cultura popular

Prefeitura do Rio de Janeiro fortalece o controle sobre as manifestações populares

09/11/2010

Ana Lucia Vaz
do Rio de Janeiro (RJ)

Para fazer um espetáculo teatral gratuito em praça pública, no Rio de Janeiro (RJ), o artista precisa dar entrada num pedido de “nada a opor”, na Secretaria Municipal de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência. Já os blocos de carnaval de rua tiveram até o dia 24 de setembro deste ano para pedir a “autorização” da Prefeitura para desfilar no feriado de 2011. É o choque de ordem na cultura popular carioca.
Atores e coordenadores de blocos afirmam que as normas da Prefeitura são inconstitucionais. “Não é concebível que o prefeito [Eduardo Paes (PMDB)] diga quem pode e quem não pode fazer cultura de graça, na rua, para o povo!”, protesta Luis Otávio Almeida, coordenador do Cordão do Boi Tolo e membro da Desliga de Blocos. No dia 19 de setembro, a Desliga promoveu sua segunda Bloqueata, um carnaval-protesto contra o decreto municipal.
Pouco antes, no dia 23 de agosto, os artistas de teatro e circo de rua fizeram manifestação artística na Cinelândia, também em nome da liberdade de expressão. No manifesto, os artistas protestavam contra “a injustiça que a Prefeitura do Rio vem cometendo [...], proibindo os espetáculos de Teatro de Rua e Circo, gratuitos, nas praças públicas”.
A prática dos artistas de rua sempre foi informar à região administrativa onde o evento aconteceria. Também os blocos avisam à região administrativa e à polícia. Em 2009, a Prefeitura decretou que os blocos devem aguardar sua “autorização”. Já os artistas teatrais dependem da Secretaria de Ordem Pública.
Segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Como, então, uma prefeitura pode autorizar ou proibir tais manifestações?
Sobre o carnaval, o prefeito decretou: “Os representantes das bandas e blocos carnavalescos deverão protocolar os pedidos de autorização”. Os documentos exigidos vão do CPF do responsável pelo bloco à comprovação de que já informaram diversas instâncias do governo. O decreto ainda ameaça: “O não cumprimento das normas [...] implicará no indeferimento do pedido para o carnaval do ano subseqüente”.
Se resolver desfilar sem autorização, o que acontece? O Cordão do Boi Tolo já ignorou o decreto de 2009. Aliás, problema com a polícia, no carnaval, não é exatamente uma novidade. É quase uma brincadeira. Jorge Sapia, coordenador do bloco “Meu Bem Volto Já”, aposta que não tem como proibir os blocos que não se registrarem. “A lógica do carnaval é exatamente driblar a lógica oficial. O movimento de gato e rato com a polícia”, afirma.
Difícil reprimir um bloco. Mas, segundo Luis Otávio, acontecem repressões pontuais, a pequenos grupos, dependendo da decisão dos policiais de plantão.
A situação do teatro de rua é semelhante. Depende da sorte. Muitas vezes, mesmo considerando inconstitucional, o grupo obedece à exigência da Prefeitura porque “é muito desagradável você chegar na praça e a polícia não te deixar trabalhar”, explica Richard Riguetti, um dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
Ele pretende registrar denúncia contra a Prefeitura no Ministério Público, por impedir a apresentação de seu grupo, o Off-Sina, em Campo Grande. O espetáculo “Nego Beijo” foi reprimido por “15 homens do choque de ordem”, apesar de ter autorização da Secretaria Municipal de Cultura e o “nada a opor” da Sub-Prefeitura de Campo Grande.

Limpeza das ruas
O protesto do teatro de rua, no dia 23 de agosto, aconteceu em várias cidades do Brasil. A experiência com a repressão policial e a privatização do espaço público que restringe a liberdade de expressão do teatro popular tem se generalizado pelo país. Em São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), o artista que quer levar sua arte gratuitamente ao povo tem que pagar um alvará à Prefeitura.
Na capital mineira, a Praça da República, onde fica o palácio do Governo e a Câmara Legislativa, foi adotada pela empresa Vale. Se quiser se apresentar lá, além de pagar alvará à administração municipal, o artista tem que pedir autorização à empresa. Em algumas praças, o teatro de rua está proibido. “É a privatização do espaço público”, denuncia Herculano Dias, do grupo Tá na Rua.
Richard Riguetti elogia a política de cultura do governo federal que, segundo ele, desenvolveu um verdadeiro plano de ação para estimular a produção artística e cultural do povo, através do Plano Nacional de Cultura e dos pontos de cultura.
Mas há uma contradição entre a política nacional e a prática local, nas cidades. Para Amir Haddad, do grupo Tá na Rua, a onda progressista de Brasília não chega “embaixo”. “A gente tem um governo federal progressista. No entanto, as políticas públicas de educação, de segurança... todas elas têm um ar fascista de controle”, dispara.
Segundo Haddad, ainda resiste uma idéia de Estado mínimo. Mas ele é “mínimo nas políticas públicas das áreas sociais e culturais” e, ao mesmo tempo, “poderoso, totalitário, nas áreas do controle da liberdade individual e das possibilidades de manifestação do cidadão”.
É “a ordem da gaveta vazia”. Não tem política de cultura, nem de educação. Só tem política de controle. “Isso é muito assustador”, completa.
Criador do grupo de teatro “Tá na Rua”, que desde 1980 atua nas ruas usando o teatro como espaço de expressão e transformação popular, Haddad vê nessa tendência fascista reflexos da crise da civilização ocidental. Para ele, o desejo de controle cresce na proporção em que definham os valores civilizatórios: “Existe uma coisa que é pior que o fascismo dos partidos políticos. É o fascismo dentro das pessoas. Uma paranóia que leva as pessoas a se defenderem de qualquer ataque, a tentar se garantir com segurança por todo lado, afirmar uma única verdade, não ter contato com a diferença”.
Nas cidades onde há administrações comprometidas com algum nível de participação popular, a tendência é de democratização do debate sobre políticas culturais. Durante as administrações petistas de Luiza Erundina e Marta Suplicy, São Paulo aprovou leis regulamentando uma política cultural que especifica valores a serem investidos, assim como conselhos e critérios para distribuição. Niterói (RJ) elegeu, recentemente, seu conselho de cultura, seguindo as orientações do Plano Nacional de Cultura.
Já no Rio de Janeiro, todas as ações da Prefeitura são no sentido de centralizar as decisões sobre cultura. Mais precisamente, as decisões sobre financiamentos. A administração municipal compra grandes espetáculos e patrocina grandes produções comerciais e chama a isso de política cultural. Para a cultura produzida pelo povo, só aparecem ações de controle e repressão.

O caos criativo
“Quem não consegue viver um minuto de desordem, jamais conseguirá descobrir uma nova ordem”, professa Haddad que, durante a ditadura, foi buscar o teatro de rua como forma de sobrevivência à repressão. “Eu sou uma contradição do governo [de Emílio Garrastazu] Médici [1969-1974] que, sem querer, nos jogou nesse lugar maravilhoso de salvação fora das áreas de poder, na periferia, nas praças, nas ruas”, diz.
Nos anos 80, como Augusto Boal, como os blocos de carnaval, como os movimentos populares, o Tá na Rua surgiu para ocupar os espaços públicos. “Nos anos 80, a gente trabalhava no presente em busca de um outro futuro”, lembra.
E hoje o que mantém este teatro? “A gente se apóia no conteúdo político da liberdade de expressão. Trabalha com as contradições, com as opressões. O espetáculo é a forma de organização mais perfeita das relações entre o particular e o coletivo. O espetáculo traz esse sabor de utopia. Trabalhando na rua, você atinge esse lugar. E proporciona a todos a experiência de viver, por alguns instantes, a utopia. Nós acreditamos que viver isso dá ânimo para a pessoa viver mais dez anos com esperança, acreditando que é possível mudar o mundo”, explica Haddad.
Fonte: Brasil de Fato

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Democracia 2.0

01 de Outubro de 2010
COMUNICAÇÃO E POLÍTICA
Democracia 2.0
Este ano, falou-se muito que uma ou outra campanha contratou “o marketeiro do Obama”. Pelo jeito, os políticos brasileiros chamaram a equipe inteira, do diretor ao estagiário, mas não adiantou. Se o upgrade da democracia brasileira para a versão 2.0 deu “pau”, não foi por falta de dinheiro gasto com marketing digital
por Denis Russo Burgierman

Você ouviu falar: em 2008, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente da era digital, ao vencer uma eleição cuja estratégia estava fortemente baseada na internet. Obama começou a corrida como minoritário dentro de seu próprio partido. Relegado na disputa por financiadores, diante da proximidade de sua adversária democrata, Hillary Clinton, com setores riquíssimos, como os bancos e a indústria farmacêutica, parecia destinado a um papel coadjuvante. Acabou vencendo Hillary e ganhando impulso para massacrar o candidato republicano, que não viu o que o atingiu.
Claro que a campanha de Obama não aconteceu exclusivamente na internet. Seu sorriso luminoso apareceu fartamente na televisão, e seu nome foi impresso em cores patrióticas em outdoors, adesivos e bandeiras tremulantes. Mas foi pela internet que grupos de apoiadores autônomos se articularam para criar estratégias locais. Em alguns estados americanos, as eleições primárias são decididas não por votos secretos, mas por debates verbais abertos – nesses estados, os apoiadores de Obama superaram os de Clinton com imensa folga. Estavam muito mais engajados, preparados e ativos. A internet também foi fundamental para a guerra de informação travada na campanha. E, claro, graças a ela, a campanha de Obama conseguiu o feito inédito de convencer três milhões de pessoas a doar um total de meio bilhão de dólares. Doar para a campanha não era mais complicado que comprar um livro pela Amazon.com (na verdade, era mais simples).
Na época, não faltaram análises de que a natureza da política tinha mudado para sempre. De que uma “democracia 2.0” estava sendo instalada no sistema operacional do globo, mais sustentada no engajamento cívico que em lobbies obscuros. Diante disso, a importância da internet nas eleições presidenciais brasileiras, que se realizaram no começo de outubro, pareceu um tanto frustrante.
Verdade que todo mundo se divertiu com os vídeos de Tiririca e com as cenas na qual Serra “confessa” comer todo mundo. Os candidatos (ou seus dedicados assessores) “tuitaram” e até criaram redes sociais à moda da que Obama fez. Marina Silva, a mais internética dos presidenciáveis, chegou a enfatizar a relevância de doações online (recebeu um total de R$ 125.965,30 até o dia 21 de setembro, algo como 3 mil vezes menos que Obama). As frases espirituosas de Plínio viraram hits de microblog. Mas, de substantivo mesmo, de concreto, que diferença a internet fez para a democracia brasileira?
Definitivamente, não dá para dizer que o que aconteceu nos Estados Unidos dois anos atrás não tenha influenciado em nada no processo eleitoral brasileiro. Este ano, li repetidamente a notícia de que uma ou outra campanha contratou “o marketeiro do Obama”. Afinal, quantos marketeiros tinha o Obama? Os políticos brasileiros, pelo jeito, contrataram a equipe inteira, do diretor ao estagiário. Se o upgrade da democracia brasileira para a versão 2.0 deu “pau”, não foi por falta de dinheiro gasto com empresas de marketing político digital.
Foi assim que o episódio Obama chegou ao Brasil: como um case de marketing. Uma campanha bem-sucedida a ser copiada, assim como as empresas brasileiras copiam muito do que faz sucesso no mercado americano. É disso que se falou.
O que mereceu bem menos atenção, aqui pelas nossas praias ensolaradas, foram as ideias por trás do marketing. Faltou dizer que o que Obama fez foi bem mais que um gasto inovador com o planejamento de mídias de sua campanha. Obama pensou de uma maneira nova sobre a relação entre eleitores e políticos. E o mais interessante é que ele não fez isso apenas na campanha eleitoral. Após ser eleito, enviou sinais ao país de que queria manter, como presidente, essa proposta. Mudar a relação entre eleitores e políticos é importante, claro. Mas muito mais importante é a relação entre governo e cidadãos. A conversa não pode acontecer apenas uma vez a cada quatro anos.
MyObama
A plataforma digital sobre a qual a campanha obamista nas eleições se sustentou era um site de comunidades bastante simples, mas que trazia em si uma lógica nova na política, que pouco tempo antes seria impensável. Tratava-se do MyObama, MyBO para os íntimos, uma criação de um menino inteligente, tímido e gay, chamado Chris Hughes. Chris tinha 24 anos, mas seu currículo já era razoável. Anos antes, ainda na faculdade, ele foi um dos cinco garotos que começaram uma empresinha de fundo de quintal. Talvez você já tenha ouvido falar dela: chama-se Facebook.
O MyBO não era uma tubulação vertical, despejando conteúdo centralmente produzido para a massa ignara lá fora. Ele era – assim como o Facebook – uma rede. Uma rede na qual qualquer usuário – fosse o nome dele Barack Obama ou José da Silva – era um nodo numa teia de conexões. Não havia um centro no MyBO, cada pessoa era uma pessoa e podia se conectar com qualquer outra. Todas produziam conteúdo. Por exemplo, meninos espertos das boas faculdades escreviam de graça para desmentir com pesquisa boatos mentirosos espalhados pela direita raivosa dos EUA.
No MyBO, cada usuário podia ganhar pontos se realizasse tarefas. A maioria das tarefas era bastante simples. Por exemplo, o voluntário encontrava no site uma lista de números de telefones na sua região e tinha de ligar e tentar convencer as pessoas a votar em Obama. Algumas tarefas eram bem mais complexas: organizar eventos para arrecadar dinheiro, para citar uma. Os pontos eram distribuídos de acordo com a quantidade de trabalho envolvido.
Do ponto de vista financeiro, os pontos valiam tanto quanto um tostão furado. Mas, na lógica da comunidade, valiam bastante. Pessoas com mais pontos e mais conexões eram valorizadas e tinham mais facilidade de se conectar e, consequentemente, acumular mais pontos. Pode parecer bobagem, mas essa diversão de colecionar pontos é imensamente poderosa sobre nossos sistemas cerebrais de recompensa, moldados pela evolução (os mesmos que nos convencem a trabalhar demais para acumular mais dinheiro do que precisamos). O fato de as pessoas se sentirem participantes as deixava felizes e aumentava sua vontade de participar, o que, por sua vez, aumentava o senso de participação, e assim por diante.
Isso decidiu a eleição? Não tem como fazer esta afirmação. Eleições são resultados grosseiros de processos imensamente complexos, que abrangem decisões subjetivas de cada um dos milhões de cidadãos do país. Muita coisa influencia num resultado, e é bom não subestimar o peso do charme, da lábia e da inteligência do candidato e das qualidades absolutamente opostas de seu antecessor. Mas a rede de Hughes certamente criou condições para que grupos de eleitores se articulassem sem relação hierárquica com o comando da campanha, inovando, experimentando, trocando melhores práticas. Esses experimentos foram fundamentais, em vários estados, nas primárias contra Hillary. E essas vitórias iniciais, que provavelmente só foram possíveis graças ao MyBO, criaram uma onda de empolgação. Quando o republicano John McCain ficou em pé ao lado de um Obama energizado por essa onda, ele parecia uma relíquia de um século distante.
Quando a eleição passou, o MyBO não foi dissolvido. Continuou existindo, mas ganhou um design um pouquinho mais formal e um nome mais pomposo: Organizing for America (Organizando pela América). Apesar da diferença no layout, o site permaneceu o mesmo: uma rede simples de pessoas que gostam de Obama, conectadas horizontalmente, premiadas com pontos pela participação. Só que, em vez de eleger Obama, o objetivo da comunidade virtual passou a ser ajudá-lo a governar.
Em alguns momentos, essa ajuda se dá de forma muito parecida com as estratégias da campanha: por exemplo, chamando a população para mandar e-mails pedindo para os congressistas votar de determinado jeito. O site teve algumas sacadas bem interessantes, embora de pieguice indiscutível. Quando o novo sistema de saúde foi finalmente aprovado no Congresso, todos os membros da rede receberam uma mensagem pedindo seu endereço postal para ser enviado um diploma que atestava que seu portador era “coautor da lei”. Claro, a mensagem aproveitava para pedir mais uma doaçãozinha, mas o recebimento do diploma não estava vinculado ao dinheiro.
Um novo jeito de pensar
Imagino que os marketeiros, ao ouvirem esses cases, fiquem encantados com a sua engenhosidade. Mas, para mim, o mais engenhoso foi o fato de que não havia apenas marketing nessas iniciativas. Havia efetivamente um jeito novo de pensar. Não se trata de dizer que Obama seja um santo redentor. Mas ele está, sim, efetivamente engajado na criação de uma forma de comunicação com o país que seja mais horizontal. Há sinais disso nas suas entrevistas, no seu canal do YouTube, nos seus frequentes convites a membros da sociedade civil para conversar. Um documento interno, distribuído logo no primeiro mês de seu governo para todos os chefes de departamentos e agências do governo, talvez seja o exemplo mais claro disso. O memorando começava assim:
Assunto: transparência e governo aberto
“Minha administração está comprometida a criar um nível sem precedentes de abertura no governo. Vamos trabalhar juntos para garantir a confiança pública e estabelecer um sistema de transparência, participação pública e colaboração. A abertura vai fortalecer nossa democracia e promover eficiência e eficácia no governo.”
A seguir, o memorando detalha três objetivos para todo mundo que trabalha no governo: transparência, participação e colaboração. Por fim, o presidente determina que o governo tenha um CTO (Chief Technology Officer – executivo chefe de tecnologia), que ficaria responsável por preparar, em 120 dias, suas recomendações para uma “Diretiva de Governo Aberto”, à qual todos os funcionários do governo teriam de obedecer a partir de então.
A tal Diretiva acabou criando uma série de novas instituições democráticas. Talvez a mais relevante delas seja o site data.gov, no qual todos os documentos do governo devem ser disponibilizados de graça, com fácil acesso, busca eficiente e num formato que possa ser lido por pessoas ou por softwares que gerem mais dados a partir do cruzamento entre eles. Em linhas gerais, a intenção é convidar os americanos a contribuir para o governo, a participar efetivamente do processo de governar. É dar a todo mundo acesso a toda a informação que, até outro dia, era exclusiva dos governantes.
Enfim, a afinidade entre Obama e a transparência digital não foi só uma estratégia para ganhar a eleição. Ela se apoia em uma série de políticas decididas pelo próprio candidato, assessorado por grandes teóricos, como o professor de Harvard (na época, em Stanford) Lawrence Lessig, e por executivos de alto nível, como Chris Hughes. Essas medidas tinham como objetivo abrir a política e o governo, torná-los mais transparentes, mais participativos e mais colaborativos. E o marketing que se seguiu propagandeou, de maneira altamente profissional, essas ideias novas.
Nada de novo
Pois aqui, no Brasil, só interessou o marketing. As duas principais candidaturas (Dilma e Serra) importaram apenas os marketeiros, não os teóricos ou os executivos, muito menos as ideias. As grandes campanhas continuam hierárquicas e centralizadas, comandadas por três ou quatro pessoas com imensa experiência. A informação é quase sempre controlada, as ideias fluem de cima para baixo, os membros mais jovens das equipes apenas executam o que se decide nos andares de cima.
Por trás da aparência de novidade, o que se viu na eleição daqui foi a mesma política antiga que tomou forma no início dos anos 1990, quando ainda batucávamos em gigantescas máquinas de escrever. Para muita gente, os recursos da internet serviram apenas para realçar a bizarrice do nosso sistema político, baseado em alianças aleatórias para somar segundos na TV. O Tiririca que o diga.
Isso não significa que as mesmas ideias que promoveram a mudança de relações nos Estados Unidos não estejam se difundindo no Brasil. Elas estão. A campanha de Marina Silva foi ajudada por alguns teóricos brasileiros da turma do Lawrence Lessig e, se conquistou apenas uma pequena fração do sucesso de Obama, foi bastante bem-sucedida para um partido sem coligações e com tempo na TV pouco superior à duração de um comercial.
O que fica de bom
Mas certamente as maiores novidades na política brasileira não vieram nem das grandes organizações de mídia nem das campanhas eleitorais: vieram de pequenas iniciativas independentes da sociedade civil. Acompanhei de perto algumas delas porque aconteceram na empresa onde trabalho, a Webcitizen. O Votenaweb (www.votenaweb.com.br) é um site que ajuda você a acompanhar as leis em tramitação no Congresso Nacional e a comparar o voto dos congressistas ao modo como você votaria se estivesse no lugar deles. O Eu Lembro (www.eulembro.com.br) – recentemente tirado do ar por medo de que o corporativismo dos políticos levasse a uma multa pesada da Justiça Eleitoral – permite que você siga todas as notícias sobre seus candidatos e ajuda a impedir que esqueça em quem votou.
Essas iniciativas da Webcitizen são dois pequenos exemplos no meio de uma multidão de websites nascidos nos últimos anos para horizontalizar as relações entre cidadãos e governos. Um dos meus favoritos é o incrível Cidade Democrática (www.cidadedemocratica.com.br), que promove bem-sucedidas campanhas de “adoção de vereador” e foi utilizado por cidadãos de Jundiaí para planejar uma rede cicloviária, que acabou efetivamente implantada.
Há no Brasil, como, aliás, em todos os países que estão tendo suas aspirações modificadas pelas novas tecnologias da informação, uma imensa vontade de propor um novo modelo de participação pública. É fato que os políticos tradicionais continuarão mobilizados para evitar essa horizontalização, que eles interpretam como uma redução de poder. Mas, depois que essas coisas começam, ninguém consegue pará-las.
Falta muito para 2014?

Denis Russo Burgierman
é diretor de conteúdo da Webcitizen, ex-diretor de redação da revista Superinteressante e ex-Knight Fellow da Universidade Stanford, na Califórnia. Atualmente, faz parte do time da curadoria da conferência TEDxAmazonia www.tedxamazonia.com.br.
Fonte: Le Monde Diplomatique